Greve da educação no Rio: o balanço da “esquerda” que apoiou Eduardo Paes
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Greve da educação no Rio: o balanço da “esquerda” que apoiou Eduardo Paes

A luta da educação carioca dá um exemplo de combatividade contra o governo Paes

Thais Coutinho 6 dez 2024, 20:19

Parte da esquerda carioca, mais propriamente dita da centro-esquerda representada pelo PT, PCdoB, PSB, PDT, PV e figuras públicas como Marcelo Freixo, apoiaram Eduardo Paes ainda no 1º turno das eleições sob a narrativa que o prefeito do Rio de Janeiro era parte do heterogêneo – para não dizer inexato – “campo progressista” contra a ameaça bolsonarista expressa na candidatura Ramagem. No entanto, não precisou virar a gestão para que as contradições insolúveis de uma aliança anti-programática, tanto pragmática como oportunista no horizonte do hipotético acordo para uma nova frente ampla em 2026, ficarem expostas da pior forma possível. Em um pouco mais de 50 dias após o resultado das urnas, Paes girou sua artilharia contra os profissionais de educação do município, que deram ao prefeito sua pior derrota no exercício do cargo na vitoriosa greve de 2013.

De tal modo, a definição do SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação) de que Eduardo Paes é um inimigo declarado da Educação não é à toa. A experiência da greve de 2013, já havia desmascarado o prefeito, que naquela época não hesitou em transformar o centro do Rio em palco de repressão selvagem contra os servidores, utilizando choque, bombas, etc. Agora, ao lado do Secretário de Educação, Renan Ferreirinha (um dos “meninos prodígios” que passaram pela folha de pagamento da Fundação Lemann), apresentou o PLC 186 e novamente mostrou sua intransigência. Repetiu o cenário da falta de diálogo, recusando-se a receber o sindicato. Mais uma vez esteve disposto a usar (e usou) pesadamente a força repressora do Estado para aprovar suas propostas na Câmara, sem nenhum processo de consulta nas escolas, EDIs e creches.

Em um primeiro momento, aprovou o aumento do tempo de contratos (passando a poder ser feito por um período de 6 anos), escancarando as portas para a privatização da Educação. Logo em seguida, apresentou a PLC 186, apelidada de “pacote de maldades”. Esta PL faz mudanças no estatuto dos servidores da prefeitura, tendo como pontos centrais: a mudança do cálculo da jornada de trabalho, desconsiderando que a hora-aula é de 50min. Na prática, docentes de 40 horas passam de 26 para 32 tempos semanais em sala de aula, sem receber nada a mais. E, consequentemente, o tempo de planejamento diminui de 14 para 8 tempos semanais. Esse aumento do tempo em sala, levará o professor ter mais turmas e, portanto, gerará mais trabalho extraclasse (como correção de provas, preparação de aulas, etc.). Mas, contraditoriamente, o professor terá menos tempo para tais tarefas, o que na prática levará a um trabalho não remunerado. Esse é um ponto central devido a precarização que a categoria sofreu nos últimos períodos. Nossa categoria sofre com a falta de condições de trabalho e defasagem salarial (nesse ano, por exemplo, não teve reajuste, além disso o ticket alimentação está congelado em 12 reais desde a greve de 2013). Tais fatores levam ao excesso de carga de trabalho, com muita hora-extra, o que tem adoecido a categoria.

O PLC atinge todos os trabalhadores da Educação, e, também, os demais servidores. O projeto original de Paes propõe alteração em direitos como: licença especial (acabando com esta); readaptação (dificultando a readaptação de servidores, que no caso da Educação se dá principalmente por más condições de trabalho, como ocorre com as merendeiras); férias (onde o educador poderia perder o recesso de julho ou parte das férias de janeiro); possibilita o desvio de função, entre outras coisas. Isto é, um pacote neoliberal aplicado goela abaixo no apagar das luzes do ano letivo após uma vitória eleitoral onde o prefeito foi propagado por parte de uma ala da esquerda como um “progressista” do “time do Lula”.

Não por nada, chama atenção que mesmo com apoio desde o 1o turno da esquerda reformista e social-liberal, que como a esquerda radical, conserva – em maior ou menor medida – base política e eleitoral no seio dos servidores públicos, Paes impôs sua política neoliberal com tranquilidade entre seus apoiadores de direita e de “esquerda” na Câmara de Vereadores, tendo ainda como aliado circunstancial o governador Cláudio Castro que colocou a PM a disposição para mais uma vez reprimir os profissionais de educação.

Assim sendo, nossa categoria lutou em todos os terrenos possíveis, chegamos a ocupar a Câmara de Vereadores em uma das sessões, sofremos no dia 03/12/2024 com as bombas da repressão da PM, que deixaram educadores feridos e com a traição de parlamentares ditos do “campo progressista” votando favoravelmente no “pacote de maldades”.

Mesmo antes da primeira votação na Câmara, o governo Paes não mediu esforços para acabar com a greve, usando não só o aparato repressor, mas, também, o aparelho ideológico. Não à toa, a Rede Globo com objetivo de gerar confusão e desmobilizar a categoria para a assembleia a ser realizada na sexta-feira (29/11/2024), noticiou falsamente que a greve era ilegal, e até mesmo que a greve estava suspensa. Apesar disso, a Assembleia da categoria lotou e aprovamos a continuidade da greve, mostrando que não é o governo e tampouco a mídia burguesa quem determina os rumos dos movimentos dos trabalhadores.

Todavia, mesmo com toda resistência e mobilização, o pacote de Paes que foi aprovado na noite de ontem (05/12/2024) por 31 votos a favor e 15 contra em votação de segunda instância com um forte esquema de segurança e com restrição ao público nas galerias da Câmara. Dos 15 vereadores que votaram contra, 7 são do PSOL, bancada que manteve sua coerência histórica de oposição de esquerda ao governo Eduardo Paes e, portanto, se posicionou de modo unificado contrária o PLC 186.

Os demais votos contrários ao PLC de Paes foram circunstanciais da bancada bolsonarista com objetivo de desgastar as bases do prefeito pegando carona na luta da categoria que igualmente combatem. Já a bancada eleita pelo PT, por sua vez, com exceção da vereadora Luciana Novaes, votaram a favor do projeto. Os vereadores petistas tentaram justificar seus votos por um suposto compromisso de fazer emendas para a categoria. A justificativa infundada não foi aceita pelos grevistas, que já tinham deliberado pela retirada do PCL em Assembleia. Além disso, o voto contrário ao PLC em nada impediria a apresentação de futuras emendas por parte dos vereadores. A votação desses parlamentares deixou nítido com quem estão comprometidos. Pois de fato, a única coisa que justifica o voto favorável no PLC são os compromissos assumidos com Eduardo Paes na eleição.

Por isso, no ato de ontem, os profissionais de educação não vacilaram em colocar o nome e a foto “no poste” com o carimbo de traidores e inimigos da educação, os parlamentares petistas como Edson Santos e Tainá de Paula. Além disso, em entrevistas e falas durante as sessões, ambos vereadores atacaram o sindicato e a base da categoria, com diversas mentiras. Por isso, hoje a assembleia que decretou o fim da greve (com manutenção do estado de greve) aprovou uma moção de repúdio aos dois vereadores, aos cantos de “PT pagou com traição e atacou a Educação”.

De tal forma, para além desgaste com o coro de “traidores”, o PT sofre uma derrota significativa no ponto de vista da desilusão de uma parte da categoria que outrora depositou confiança no petismo e, agora, assiste seus representantes, como Tainá de Paula, atacando o sindicato no microfone da Câmara de Vereadores. O que, de algum modo, expõe e respingará em outros atores externos ao governo municipal e da Câmara de Vereadores, como Marcelo Freixo, que é professor de formação, foi querido pela categoria e hoje é apoiador de Paes, defendendo que este seja o candidato da frente ampla ao governo do Estado do Rio de Janeiro 2026.

Portanto, o saldo que fica é de quem tem coerência na luta de classes e, mesmo com disputas programáticas internas, o PSOL, tanto no Câmara de Vereadores, quanto nas mobilizações da categoria, com sua militância e apoio não só dos vereadores, mas também de deputados como Tarcísio Motta, Glauber Braga, Prof. Josemar e Flávio Serafini, fez valer sua razão de existência, ser um partido de esquerda anticapitalista que não abre mão de estar ao lado dos trabalhadores na disputa entre governos e patrões.

Mas o principal a ser dito, sem diminuir todo o apoio que tivemos – o que não se restringiu ao de parlamentares, mas também de outros sindicatos, de trabalhadores de outras categorias, de artistas, dos responsáveis de alunos, de alunos do PEJA – de todos aqueles e aquelas que perceberam a luta justa que travamos em prol dos nossos direitos e em defesa da Educação Pública, bem a lição central que nos fica é da importância dos trabalhadores não abrirem mão de serem protagonistas da sua história. E nossa greve mostrou bem isso, inclusive pela atuação de uma nova vanguarda, que inclui recém ingressos na rede municipal. Importante destacar que, mesmo numa conjuntura adversa com crescimento da extrema direita, onde a unidade de ação contra fascismo é necessária, não podemos nos enganar frente aos governos de plantão. Não podemos esquecer que os governos de direita-liberal (e até mesmo do dito “campo progressista”) não titubearão em nos atacar para executar o projeto neoliberal de desmonte do serviço público. Por isso, a classe trabalhadora deve confiar nas suas próprias forças.

Nota: O Dr. Marcos Paulo, que foi eleito pelo Psol, mas atualmente está no PT também votou contra o PLC.


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