A situação do Curdistão sírio: uma entrevista com Carles Riera
O militante da esquerda catalã esteve recentemente em missão de solidariedade ao Curdistão
Foto: Multidão do nordeste sírio se manifestando em apoio às Forças Democráticas da Síria (DAANES)
Entrevistamos com exclusividade Carles Riera, um líder e pensador de esquerda da Catalunha. Carles estava em uma missão de solidariedade no Curdistão nestes dias, justamente quando o Oriente Médio está abalado por guerras, assim como a Síria pela queda de Bashar Assad.
Carles, como foi organizada a caravana de solidariedade e quais cidades e rotas você visitou?
Foi uma missão de observação internacional proposta e organizada pela Administração Democrática Autônoma do Norte e Leste da Síria (DAANES), na qual pudemos visitar vários lugares em Rojava e conhecer a situação social e política desse território, bem como avaliar os esforços da DAANES para a reconstrução e para desenvolver um novo projeto democrático para a região. Além dos desafios da reconstrução, há também os milhares de refugiados do conflito que a DAANES está acolhendo no território que administra, bem como os milhares de prisioneiros de guerra do ISIS, de dezenas de nacionalidades, que a DAANES está mantendo e sustentando enquanto aguarda uma resposta internacional para resolver esse grave problema.
Fale-nos um pouco sobre a história e os pressupostos políticos da luta do povo curdo?
O povo curdo está dividido entre diversos Estados (Turquia, Iraque, Irã e Síria), em uma região estratégica em termos de recursos naturais e geopolítica, na qual o movimento curdo, por meio de suas diversas expressões e organizações políticas, sociais e culturais, luta há décadas por reconhecimento e autodeterminação, tendo conquistado autonomia no Iraque e na Síria, e sofrido forte repressão na Turquia e no Irã. O projeto político e a estratégia que lidera esse processo de luta pela autodeterminação do povo curdo é o Confederalismo Democrático (CD), idealizado por Abdulah Ocallan, que, a partir da singularidade e originalidade do pensamento, da práxis e da luta do movimento de libertação curdo (MLK), promove uma transformação confederal e democrática do povo curdo, promove uma transformação confederal e democrática da região, incorporando abordagens e enfoques feministas, ecológicos e socialistas, bem como princípios e práticas de democracia direta e auto-organização social, a partir dos quais se pode avançar em sua reconstrução nacional e política em toda a região.
Qual é a nova situação na Síria após a queda de Bashar Al Assad?
No contexto da longa guerra na Síria, o MLK travou uma guerra contra o ISIS, na qual conseguiu libertar uma grande parte da região nordeste, criando o DAANES, que agora tem como missões prioritárias a reconstrução, o renascimento da economia, o desenvolvimento de um novo projeto democrático, multicultural, multiétnico e multirreligioso inspirado no CD, e contribuir para uma nova etapa democrática para a Síria, livre de interferências coloniais e imperialistas, e que respeite a autonomia curda e seu projeto político.
Para isso, o DAANES está em processo de diálogo e negociação com o novo governo sírio, enfrentando e contendo os ataques militares da Turquia, além de administrar sua aliança com os EUA contra o ISIS para fortalecer sua posição de negociação com o atual governo sírio e diante das ameaças turcas.
Que política a Turquia está adotando diante da nova e complexa situação geopolítica na região?
A Turquia expressou sua oposição à consolidação da autonomia curda no norte e no leste da Síria e é política, econômica e militarmente hostil ao DAANES.
Como está indo a campanha para a libertação de Abudlah Ocallan?
A libertação de Abdullah Ocallan seria um avanço para a redução da escalada do conflito e para o progresso em sua resolução política, bem como para a democratização da Turquia e para o reconhecimento do povo curdo e de seus direitos coletivos.
Como a esquerda internacionalista pode ajudar na solidariedade com a causa curda?
O projeto DAANES na Síria não é apenas uma esperança para o povo curdo e para a população do norte e do leste da Síria, é também uma alternativa democrática para toda a Síria, bem como um modelo para a resolução de conflitos políticos semelhantes na região e no mundo. A solidariedade internacionalista com Rojava não é apenas um ato de solidariedade com o povo curdo e seus direitos coletivos, mas também um apoio a um projeto político, o Conferenceismo Democrático, que pode representar um avanço para a região e uma alternativa global para a libertação e a soberania dos povos.