Plymouth Argyle e Miron Muslic: “a vida é uma luta com belas surpresas”

Plymouth Argyle e Miron Muslic: “a vida é uma luta com belas surpresas”

As histórias do pequeno clube inglês Plymouth Argyle e do treinador bósnio Miron Muslic se encontraram num belo e improvável roteiro

Júlio Pontes 10 fev 2025, 12:44

Ontem (9), pela Copa da Inglaterra, aconteceu mais um encontro improvável, dessa vez entre o líder da Premier League (primeira divisão) e o lanterna da Championship (segunda divisão), respectivamente: Liverpool x Plymouth Argyle. Nem mesmo o mais otimista torcedor do Plymouth, fundado em 1886 e refundado em 1897 na cidade portuária de nome homônimo ao Sudoeste da Inglaterra, esperava um milagre no Home Park. Sessenta e nove anos depois, aconteceu. Não exatamente um milagre, mas aconteceu futebol em estado puro e genuíno.

O time comandado pelo bósnio Miron Muslic, de quem falo adiante, já havia feito história ao eliminar o Brentford – também da poderosa Premier League – na fase anterior. O time de cor alviverde chegou à quarta fase da FA Cup como franco atirador, sem nada a perder e já tendo ultrapassado as linhas do seu próprio roteiro. Enfrentaria nada mais nada menos que o líder invicto há 19 jogos da Premier League, além de finalista da Copa da Liga Inglesa. O que talvez tenha levado, diante de tamanha desproporção, Arne Slot a escalar um time alternativo mas estrelado, com o português Diogo Jota, o colombiano Luis Díaz, o italiano Chiesa e, já durante o jogo, o uruguaio Darwin Núñez.

Sem a bola por 75% dos minutos jogados, para fúria das casas de aposta, o Plymouth Argyle marcou 1×0 aos 53 minutos de jogo. O camisa 9, Hardie, marcou de pênalti. A última vez que um líder de Premier League perdia para um time de divisão inferior na FA Cup havia sido em 2018, quando o Manchester City ficou pelo caminho para o Wigan.

Tudo que o pequeno clube do Sudoeste da Inglaterra precisava era resistir, ao melhor estilo anti-jogo. Uma espécie de anti-jogo em defesa do futebol, das causas perdidas, para ânimo daqueles que também, embora apaixonados pelo futebol, resistem ao seus contrários: aos clubes-empresa, aos princípes sauditas donos de clubes como Manchester City e Newscastle, ao oligarca russo dono do Chelsea, às casas de apostas, enfim, a tudo aquilo que separa o povo de uma de suas criações mais populares e democráticas. E assim resistiu o Plymouth Argyle. E como quem resiste acreditando na própria força, fez história.

Esta crônica improvável tinha sob seu comando Miron Muslic, cuja história particular tem valor universal. O substituto de Wayne Rooney, ex-treinador do Plymouth Argyle, é um refugiado de guerra. Antes de completar 10 anos de idade, em 1992, precisou de fugir de Bihac forçado pelas circunstâncias da Guerra na Bósnia. Em entrevista a BBC, Muslic relatou com altivez o que aconteceu e se desdobrou a partir daquilo:

– Tivemos que deixar a Bósnia e Bihac, nossa cidade natal, literalmente da noite para o dia, pegando coisas que podíamos segurar com as mãos. Foi aí que nossa jornada, ou nossa nova vida, começou. Nós lutamos a vida toda, e essa parte da luta faz parte da minha jornada, e é por isso que sou sempre muito otimista e positivo

A Iugoslávia passava, naqueles anos, por uma sangrenta desintegração entre distintas nações (Bósnia-Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro e Sérvia) e grupo étnicos. Com a declaração de indepedência da Bósnia-Herzegovina, resultado de um plebiscito no qual 99% – de maioria mulçumana e croata – eram favoráveis à independência, as tropas da Sérvia iniciaram uma limpeza étnica e genocídio sem precedentes nos Bálcãs. Estimam-se mais de 100 mil mortos durante a guerra que durou de 1992 a 1995. Neste ano, em Srebrenica,  Slobodan Milošević e o general Ratko Mladić – depois condenado a prisão pérpetua pelo Tribunal Penal Internacional -, conhecido como “carniceiro dos Bálcãs”, mataram mais de 8 mil mulçamanos naquele que foi o maior massacre cometido na Europa desde o Holocausto. Isso está devidamente retratado no filme Quo Vadis, Aida? de 2020.

O todo-poderoso Liverpool, portanto, não intimidava Muslic. Um improvável empate ou provável derrota, como ele disse, não seria nada perto daquilo por que passou. Aos jogadores, o treinador bósnio disse: “a vida é uma luta com belas surpresas e que sempre há algo pelo qual vale a pena lutar. Nada foi fácil para mim, ou para minha família ou para minha irmã. Nós nos tornamos refugiados, e não é uma coisa bonita, mas nunca tive a sensação de que perdi algo na minha vida”.

A vitória do Plymouth Argyle, quase sete décadas depois, foi uma bela surpresa. A luta de Miron Muslic e de todos os refugiados do mundo, algo pelo qual vale a pena lutar.


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Camila Souza