A primeira crise da Era Trump II
As consequências da nova guerra tarifária de Trump que derrubou bolsas de valores por todo planeta
Foto: Guerra comercial de Trump derrubou as bolsas de valores pelo mundo. (FMT/Reprodução)
Com toques despóticos, Trump anunciou que finalmente chegara o “Dia da Libertação”, em 2 de abril, levando ao maior “tarifaço” da história moderna. Vide a proximidade com o 1 de abril, o mais apropriado seria chamar a entrada em vigor das novas tarifas de grande “dia da mentira” pelo caráter farsesco das promessas de Donald Trump de ampliar o nível de vida de milhões de famílias estadunidenses.
Os mercados viveram outra pesada jornada de crises: os índices asiáticos tiveram queda de cerca de 10%, o que foi seguido em menor escala pelas bolsas europeias e mesmo por Wall Street.
Esse editorial não tende a aprofundar os temas mais complexos, ao qual recomedamos alguns artigos.1 Faremos um esforço no site da Revista Movimento publicando artigos nos próximos dias.
O que está acontecendo?
Entramos num cenário de turbulências imprevisíveis. Darren Jones, ministro britânico, definiu simplesmente que a “era da globalização como conhecemos chegou ao fim”. Ainda na imprensa, “The Economist” qualificou o anúncio de Trump como “dia da ruína”. A justificativa de Trump é uma ofensiva para “reindustrializar” o país e remodelar o modelo de comércio mundial ao estilo MAGA.
Num primeiro artigo de Michael Roberts, ele buscou sintetizar assim o ocorrido
Trump está aumentando as tarifas sobre as importações de países que têm tarifas mais elevadas sobre as exportações dos EUA, ou seja, as chamadas “tarifas recíprocas”. O objetivo é combater o que considera serem impostos, subsídios e regulamentos injustos aplicados por outros países às exportações dos EUA.
Tais tarifas seriam de 25% para Coreia do Sul, por exemplo, mas também 26% para Índia, 10% para países como Brasil e Argentina, 20% para União Europeia, chegando a 34% para China, batendo em 44% para Sri Lanka e Mianmar, além de 49% para o Camboja.
A China dobrou a aposta, anunciando a imposição de 34% de tarifas contra os Estados Unidos. Trump respondeu que se a China não retirar tais tarifas, os Estados Unidos iriam aumentar o tarifaço para 50%, o que foi parte do derretimento das bolsas no mundo. Com esse incremento – caso a China não recuasse, coisa que não aconteceu até o momento – o pedágio tarifário sobre esse país chegaria até 104%. A China replicou com uma taxação que pode chegar a 84% dos produtos americanos.
Essa é a maior imposição de tarifas por parte dos Estados Unidos em 130 anos. O que coloca uma profunda divisão, no terreno comercial, mas também geopolítico, da burguesia e do sistema de estados.
Os efeitos imprevisíveis indicam que teremos a combinação da instabilidade quanto aos sistema de países, numa verdadeira desconstrução do pacto de comércio que resultou nas normas da OMC (Organização Mundial de Comércio), com as crises que logo terão lugar em cada um dos países afetados, economicamente pelas tarifas.
Mesmo as bigtechs começam a ter perdas bilionárias, em outro capítulo particular dessa nova crise: a queda das ações das chamadas “7 Magníficas”.
Estamos em uma nova situação global. A palavra “caos” é apropriada à luz da mudança no comércio global que afeta toda a economia, sustentada no período pós-guerra e desenvolvida por meio da globalização e internacionalização da produção a partir das décadas de 1980 e 1990.
Essa mudança na situação global, causada principalmente pelas tarifas de Trump e sua política geral, desencadeará uma crise nos EUA e, consequentemente, no governo Trump, bem como uma reorganização geopolítica do sistema global. Haverá inflação, estagnação econômica ou recessão, e isso abre a possibilidade de uma crise governamental.
Começou a resistência nos Estados Unidos
Diante desse cenário, o que acontecerá nos Estados Unidos e com o governo Trump acaba sendo decisivo para pensar o Planeta. O plano de Trump, seja nas questões internas quanto na sua política externa, não pode ser definido de outra forma senão uma verdadeira declaração de guerra contra os povos. A repressão às universidades, aos ativistas da causa palestina (simbolizada na prisão de Mahmoud Khalil) e a perseguição aos imigrantes são as primeiras batalhas de Trump e da extrema direita para fechar mais o regime político estadunidense.
A “boa notícia” é que começou a resistência popular aos planos de Trump. No sábado, 5 de Abril, a primeira manifestação contra Trump, convocado com o slogan de “Hands Off” teve lugar em mais de 1500 cidades no país e no exterior. Algumas fontes falam entre 500 e 800 mil pessoas mobilizadas e o cineasta Michael Moore fala “milhões de mobilizados”.
Trump perdeu cerca de 5 pontos na popularidade desde que tomou posse, hoje na casa dos 42%. Os Republicanos tiveram uma derrota na eleição para a Suprema Corte em Wisconsin e perderam muitos votos no mesmo tipo de eleição na Flórida, numa vitória renhida se comparada com os resultados da eleição geral do ano passado.
Outra variável é como os batalhões pesados da classe trabalhadora estadunidense irá reagir, visto que Trump disputa diretamente essa base, com o argumento do protecionismo. Por agora, apesar da maioria das direções dos sindicatos responder à lógica do partido Democrata, ainda existe um sentimento de ‘compasso de espera’.
Os novos choques, mundiais e como consequência para os países, políticos, militares e econômicos trarão novas mobilizações de massa, por conta das condições de vida que pioraram de forma rápida. Na conjuntura dramática e arriscada, apenas com grandes mobilizações se pode barrar os planos da extrema direita.
Efeitos políticos
As mobilizações na Turquia são apenas uma antecipação do que pode ocorrer, combinando crise política (a linha autoritária dos governos) com a crise econômica agravada. E há a greve geral marcada no Panamá, onde o governo está apostando todas as suas fichas no corte da previdência social, o que representa um corte de 30% nas pensões, e na reabertura da mina Cobre Panamá. Um choque frontal entre o governo e a burguesia de um lado e o movimento dos trabalhadores e dos povos indígenas do outro. A Argentina, diante da crise economica motivada pela marionete de Trump, Javier Milei, terá 36 horas de greve geral e mobilização nos próximos dias.
Os efeitos imediatos sobre os países de economia dependente estão por se notar. No Brasil, assim como quase todos os países latino-americanos (à exceção da Venezuela que terá sua taxação diminuida para 15%), as taxações previstas serão de 10%. Isso num cenário econômico frágil, onde o dólar e a inflação assolam o bolso da maioria.
O governo e o congresso aprovaram, de forma rápida, projeto que permite ao Poder Executivo adotar contramedidas em relação a países que criarem medidas de restrição às exportações brasileiras, sejam de natureza comercial ou de origem do produto. Ainda não se sabe como isso irá se desdobrar em medidas concretas.
As questões econômicas e políticas estão intimamente imbricadas, uma vez que a extrema direita no Brasil mimetiza e se orienta com a bandeira e o rosto de Trump.
Precisamos entender a profundidade do processo para nos armar diante desse novo “giro histórico”que o “Dia da Libertação” abre, com uma dinâmica explosiva que apenas começa. É tempo de pensar e repensar projetos.
Notas
- Ver Trump e o dia da libertação, de Michael Roberts, As tarifas de Trump em questão, de Alberto Ortiz Bolaños e a recente declaração da IV Internacional sobre a situação mundial. ↩︎