Procurador do Dnit tem condenação por ameaçar líder quilombola no Maranhão
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Procurador do Dnit tem condenação por ameaçar líder quilombola no Maranhão

Conflito agrário de duas décadas impacta 62 famílias de quilombolas; procurador do Dnit alega ser herdeiro da propriedade que tem parte da área sobreposta a comunidade tradicional

André Campos e Daniela Penha 15 abr 2025, 11:25

Imagem: Repórter Brasil/Reprodução

Via Repórter Brasil

Em Santa Rita (MA), um procurador federal do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) é investigado pelo Ministério Público Estadual suspeito de envenenar as águas de um quilombo, destruir as casas dos moradores, matar animais e cometer crime ambiental. Ezequiel Xenofonte Júnior, que ocupa cargo de chefia no órgão, foi condenado em 2023 por ameaças a uma liderança quilombola e continua sendo investigado suspeito por ameaçar outros moradores do local.

A fazenda Cedro, da qual o procurador afirma ser herdeiro, tem áreas sobrepostas ao Quilombo do Cedro, que abriga 62 famílias. A região dos quilombolas foi  certificada como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares em maio de 2020. O processo de regularização fundiária está em andamento no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). 

Em 2022, Xenofonte Júnior conseguiu uma decisão judicial em segunda instância para a reintegração da área, que já transitou em julgado, quando não há mais possibilidade de recursos. A comunidade é representada pelo Incra e pelo Ministério Público Estadual do Maranhão. Os órgãos tentam uma conciliação para manter as famílias quilombolas no local.

Em outubro de 2024, após um pedido da Defensoria Pública, a Justiça suspendeu temporariamente a ação de despejo dos moradores quilombolas “até a apreciação dos autos pela Comissão de Soluções Fundiárias” do Tribunal de Justiça do Maranhão. A comissão atua para pacificar conflitos de terra, especialmente os que envolvem desalojamento de famílias e risco de violência. Ainda não há previsão sobre quando a análise pela comissão irá ocorrer. 

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“Nós entendemos que essa reintegração seria um crime social. É uma comunidade que vive lá há mais de cem anos. Todos os nossos esforços nesse momento são para retirar o risco dessa reintegração”, afirma o promotor Oziel Costa Ferreira Neto, da Promotoria de Conflitos Agrários do Maranhão. 

Xenofonte Júnior é procurador-chefe do Dnit no Maranhão desde 2000. Ele ingressou no funcionalismo federal em 1986, nomeado por decreto, como consta no Portal da Transparência. Atuou também como procurador da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), de acordo com documentos obtidos pela Repórter Brasil. Em outubro de 2024, dado mais recente disponibilizado pelo Portal da Transparência, ele recebeu dos cofres públicos R$ 41,5 mil líquidos, entre salário base, indenizações e honorários advocatícios.

A reportagem não conseguiu contato direto com Xenofonte Júnior, apenas com o filho dele, Ezequiel Xenofonte Neto por telefone, que pediu o envio dos questionamentos por email, mas não houve retorno até esta publicação. O espaço segue disponível para futuras manifestações. 

Condenação por ameaça

O servidor do Dnit já foi condenado em primeira instância por ameaças proferidas contra Maria Antônia Teixeira Dias, uma liderança quilombola do Maranhão conhecida como Antônia Cariongo. Na sentença, de dezembro de 2023, a juíza Mara Carneiro de Paula Pessoa, da Vara Única da Comarca de Santa Rita, cita um vídeo anexado aos autos onde Xenofonte afirma “rastrear” a vítima. A gravação, feita por moradores do Quilombo do Cedro em outubro de 2020, foi acessada pela Repórter Brasil. Nela, Xenofonte diz: “ela não perde por esperar. Eu vou dar uma resposta para ela, para ela saber respeitar”. O procurador do Dnit afirma ainda no vídeo saber quem é a filha da liderança quilombola.

A sentença menciona ainda um boletim de ocorrência registrado por Cariongo, no qual ela relata ter se sentido intimidada por homens não identificados circulando nos arredores de sua casa após ter conhecimento do vídeo. Xenofonte foi condenado a um mês e dezoito dias de prisão por ameaça, em regime aberto.

Tanto Cariongo quanto Xenofonte recorreram da condenação em primeira instância. Ela pede aumento da pena e ele, absolvição. Ele alega que proferiu “palavras acaloradas, sem contudo, ameaçar a quem quer que fosse”, conforme consta no processo judicial. 

“Esse homem acabou com a minha vida”, afirmou a líder quilombola em entrevista à Repórter Brasil. Ela registrou o boletim de ocorrência dias após ter acesso ao vídeo citado pela juíza na decisão. “Naquele momento eu vi que ia ser morta”.

Quilombolas relatam intimidação 

Os moradores do quilombo também registraram dezenas de outros boletins de ocorrências denunciando ameaças sofridas Em um desses documentos, de outubro de 2020, Cariongo relatou que ela e outros moradores observaram policiais militares fotografando a área do conflito fundiário. Segundo o boletim, os agentes estavam no local sem viatura, em um carro junto com Ezequiel Xenofonte Neto, filho do procurador do Dnit. Xenofonte Neto também é investigado pelo Ministério Público Estadual suspeito de destruir casas de moradores do Quilombo do Cedro.

Após investigação da Polícia Civil do Maranhão, Xenofonte Júnior foi indiciado pelos crimes de dano, ameaça, crime ambiental e exercício arbitrário das próprias razões, que é descrito pelo Código Penal como “fazer justiça com as próprias mãos”, ou seja, resolver conflitos sem utilizar ferramentas e instrumentos previstos em lei. Já Xenofonte Neto foi indiciado pelo crime de dano. 

As investigações contra Xenofonte Júnior e Xenofonte Neto estão em andamento no Ministério Público do Maranhão. O promotor Ferreira Neto explica que há diligências programadas para a apuração dos crimes. 

No processo que condenou o procurador, moradores afirmaram que Xenofonte Júnior teria desmatado áreas do quilombo, incluindo matas do quintal de suas casas. Eles relatam terem feito um corredor humano para impedir as máquinas de continuar a derrubada de árvores. No processo judicial, a Secretaria do Meio Ambiente do Maranhão informou que o procurador não tinha licenças para o desmatamento. 

Em outros boletins de ocorrência aos quais a Repórter Brasil teve acesso, outros moradores da comunidade acusam Xenofonte Júnior de utilizar o cargo público para cooptar policiais militares. Em novembro de 2019, a comunidade encaminhou denúncia à Ouvidoria de Segurança Pública do Maranhão afirmando que policiais estiveram no local com o procurador do Dnit. Na ocasião, eles teriam derrubado casas, ameaçado e atirado spray de pimenta em moradores. 

Nilo de Jesus Pereira, liderança do Quilombo do Cedro, está, assim como Cariongo, no Programa de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos do Estado do Maranhão. O motivo é justamente as alegadas ameaças de Xenofonte Júnior. “Ele ignora a lei, ignora os direitos”, afirmou em entrevista à Repórter Brasil

Pereira conta que os antigos moradores da fazenda Cedro conviviam com os quilombolas, sem conflitos. Segundo ele, após o falecimento desses proprietários, Xenofonte assumiu a propriedade e, por volta de 2005, os conflitos começaram. 

Em outros boletins de ocorrência registrados pelos moradores do quilombo, o procurador é acusado de andar armado, ameaçar constantemente as famílias e matar a tiros e facadas os porcos da comunidade. Nos depoimentos que embasam o processo judicial que culminou na condenação por ameaça contra Cariongo, moradores relatam disparos de armas de fogo em seus quintais e animais cravejados de tiros no mato. 

No seu cargo no Dnit, Xenofonte atuou em questões que impactam quilombolas como, por exemplo, a duplicação da BR 135, estrada que liga Minas Gerais ao Maranhão e impacta dezenas de comunidades quilombolas. Questionado sobre o conflito com a comunidade quilombola, o Dnit respondeu que “a situação informada trata de assunto particular do senhor Ezequiel Xenofonte Júnior e não tem relação com o processo de licenciamento em curso da duplicação da BR-135”. O órgão não respondeu aos demais questionamentos da reportagem sobre a condenação

Sobre a presença de policiais no Quilombo do Cedro, a Secretaria de Segurança Pública do Maranhão informou, em nota, que “procedimentos de investigação preliminar foram instaurados pela Corregedoria da Polícia Militar à época dos fatos, nos anos de 2019 e 2020. Contudo, as sindicâncias foram arquivadas, uma vez que nenhum dos denunciantes compareceu para prestar depoimento e também não houve apresentação de provas acerca dos fatos denunciados”. 

Em boletins de ocorrência diferentes registrados pelo procurador do Dnit, Xenofonte Junior acusa moradores do quilombo de furtar madeiras e construir casas de alvenaria na área do conflito, o que estaria proibido pela Justiça enquanto a reintegração de posse não é concluída, já que o Incra e o MP estão tentando conciliação com o procurador.

Para o promotor Ferreira Neto, manter os quilombolas na comunidade é prioridade. “É uma comunidade grande, bem estabelecida. Não tenho dúvidas de que é centenária”.  

Reintegração de posse 

Em nota, o Incra informou que acompanha a situação e que em fevereiro a Diretoria de Territórios Quilombolas do Incra, a Diretoria de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários, as Defensorias Públicas Federal e do estado, e integrantes dos Ministérios Públicos Federal e Estadual estiveram na Comunidade Quilombola Cedro para “discutir estratégias visando a manutenção da comunidade no território”. 

“A gente tem esperança. Eu entendi que a Justiça tinha que ser analisada desse lado: a gente nasceu aqui, a minha avó era descendente de escravos, chegamos aqui nessa terra era 1907. Todo mundo se criou aqui”, disse Pereira. “Eu nasci aqui e vou morrer aqui”.


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