Trabalhadores do Zaffari articulam greve para o 1º de Maio
Funcionários da rede de supermercados gaúcha relatam violações sistemáticas da CLT, jornadas abusivas, manipulação de escalas e descaso com direitos básicos
Foto: Divulgação
No próximo 1º de Maio, data simbólica da luta da classe trabalhadora, funcionários da rede de supermercados Zaffari organizam uma greve geral contra o que denunciam como um regime de trabalho exploratório, ilegal e desumano.
A paralisação é convocada pela União dos Trabalhadores do Zaffari, formada por mais de 350 empregados mobilizados diante de anos de abusos e negligência patronal. A Companhia Zaffari figura no topo do ranking das 100 maiores redes de supermercados do Rio Grande do Sul em 2024 da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas). A empresa faturou mais de R$ 8,4 bilhões no ano passado.
A revolta explodiu após declarações do advogado da empresa, Flávio Obino Filho, que admitiu em entrevista à Rádio Gaúcha, em janeiro, que as escalas praticadas pela rede não conseguem garantir o Descanso Semanal Remunerado (DSR), um direito básico garantido pela Constituição. A fala serviu como confirmação de práticas denunciadas há anos pelos trabalhadores, que agora organizam uma reação histórica.
Jornadas abusivas e fraudes no descanso
A realidade dos trabalhadores da rede Zaffari vem sendo denunciada pela deputada estadual Luciana Genro e pelo vereador Roberto Robaina, ambos do PSOL, desde o ano passado.
“É inaceitável a situação dos trabalhadores do Grupo Zaffari de serem submetidos a uma escala de 10 dias trabalhados consecutivamente, para apenas um dia de folga. Ainda há relatos de pessoas que trabalham 3 domingos consecutivos, o que vai contra a legislação trabalhista”, afirmou Luciana em suas redes em dezembro de 2024.
A rotina dos funcionários da rede é marcada por jornadas que chegam a 15 dias consecutivos sem folga, turnos de até 10 horas diárias e apenas três dias de descanso em um mês, contrariando o artigo 67 da CLT e a Lei nº 605/1949. Em diversas lojas da capital e da região metropolitana, os funcionários afirmam que não há qualquer previsão de descanso ou vida fora do trabalho.
Como agravante, surgiram denúncias de que a empresa manipula escalas para fazer coincidir folgas com feriados, o que elimina o direito a folgas extras previstas por lei. A prática é considerada fraude trabalhista:
“O que o Zaffari está fazendo é ILEGAL: colocam a folga do feriado no mesmo dia da folga semanal, fazendo o trabalhador perder o direito a uma das folgas”, denuncia a União dos Trabalhadores, em nota pública. “Isso é roubo institucionalizado. Um feriado é um direito autônomo, não pode ser camuflado dentro do DSR. Estão fraudando nossos direitos para lucrar ainda mais”.
O sentimento de indignação também mira o Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre (Sindec), que deveria representar a categoria, mas é acusado de atuar em conluio com a empresa:
“O sindicato está do lado do Zaffari. Faz acordos ‘a portas fechadas’ com os patrões, sem nos consultar. Mas nossa resposta é clara: vamos parar até termos voz e dignidade”, afirmam os trabalhadores organizados.
Reivindicações
O movimento cobra um conjunto de pautas que refletem anos de desvalorização e desrespeito por parte da rede varejista, que lucrou mais de R$ 640 milhões em 2023:
- Aumento de 100% nos salários, diante da defasagem acumulada e do custo de vida crescente;
- Implementação da escala 5×2, com pelo menos um final de semana livre por mês;
- Limite de 40 horas semanais, conforme jornada padrão legal;
- Fim das dobras e do desvio de função, hoje comuns em diversas unidades;
- Garantia do direito de ir ao banheiro sem vigilância e punições;
- Encerramento imediato dos descontos indevidos e da manipulação do banco de horas.
Ministério Público, TST e a ilegalidade das escalas
As escalas atualmente utilizadas foram questionadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que considera inconstitucionais os acordos firmados com o sindicato pelego. O Ministério Público do Trabalho (MPT) chegou a estipular multas por descumprimento, mas os abusos continuam. Segundo o próprio advogado da empresa, as escalas “móveis” dificultam o cumprimento regular do descanso semanal obrigatório, o que comprova o descaso estrutural da rede com a legislação trabalhista.
Apoio popular e mobilização nas ruas
A mobilização já ganha força fora das lojas: entidades sindicais independentes, movimentos sociais e centrais populares organizam atos de apoio e vigílias em frente às unidades do Zaffari na capital. Panfletagens, ações nas redes sociais e pressão pública devem marcar a semana que antecede a paralisação.
No Dia do Trabalhador, enquanto parte da elite celebra dividendos e lucros, milhares de trabalhadores da base estarão nas ruas, lembrando ao Brasil que sem eles, não há produção, não há lucro, não há supermercado aberto.