A Amazônia pré-COP 30 e a luta contra a derrocagem do Pedral do Lourenção na bacia Tocantins-Araguaia
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A Amazônia pré-COP 30 e a luta contra a derrocagem do Pedral do Lourenção na bacia Tocantins-Araguaia

Assim como lutaram contra Belo Monte e Tucuruí, comunidades tradicionais enfrentam outro projeto de destruição, que beneficia mineradoras e o agronegócio às custas de vidas, territórios, e rios amazônicos. Às vésperas da realização da COP 30, pauta ganha ainda mais urgência

Laís Buarque 17 maio 2025, 08:00

Ao longo da história, os rios são tratados por empresas e governos como vias de lucro às custas do meio ambiente e das comunidades que historicamente constroem suas vidas e suas identidades às margens das suas águas. Agora uma antiga ameaça retorna — camuflada sob o discurso desenvolvimentista — na proposta de derrocagem do Pedral do Lourenção, na bacia Araguaia-Tocantins, localizada no sudeste do Pará. O processo de derrocagem consiste na explosão ou remoção de formações rochosas naturais submersas para permitir a navegação de grandes embarcações, geralmente a serviço do agronegócio e da mineração.Essa intervenção altera a prática da pesca e o acesso à água potável, rompe o equilíbrio ecológico dos rios, facilita a chegada de espécies invasoras e carrega alto risco de acidentes ambientais. Planejada para aumentar o fluxo de grandes embarcações para o transporte hidroviário de cargas, que consiste na remoção de pedras e rochas do leito do rio Tocantins para permitir a passagem de grandes embarcações em períodos de seca. A obra faz parte do pacote logístico da chamada Hidrovia Tocantins-Araguaia, orçada em mais de R$ 500 milhões, e atende prioritariamente os interesses do agronegócio e da mineração. Um projeto que carrega consigo a marca da exclusão, da violação de direitos e do desrespeito às comunidades tradicionais.

O projeto da hidrovia e da derrocagem começaram a ser discutidos oficialmente no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Quando o projeto da hidrovia foi lançado, os procuradores federais já identificaram fraudes nos estudos de impacto ambiental na época. Em 2022, durante o governo Bolsonaro, o Ibama concedeu a licença prévia, mesmo diante de denúncias e ausência de consulta às comunidades tradicionais. Segundo o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ),  Eduardo Nery, o edital de concessão da hidrovia do rio Tocantins deve ser publicado em 2026. 

Nos dias 4 a 6 de abril foi realizado o Seminário Pedral do Lourenção na Terra da COP 30 — Diálogos: Hidrovia Araguaia-Tocantins e seu impacto nas comunidades tradicionais do Pedral do Lourenção, um espaço de articulação e denuncia realizado no sudeste do Pará, às margens do Tocantins, reunindo movimentos sociais, lideranças tradicionais, pesquisadores, estudantes, organizações ambientais e procuradores do Ministério Público. Durante o seminário, comunidades atingidas e ameaçadas pela derrocagem do Pedral do Lourenção denunciaram os impactos socioambientais do projeto e construíram estratégias de mobilização popular e saída coletiva. O Coletivo Juntos foi convidado para organizar uma oficina de comunicação popular para a comunidade, estreitando relações com as comunidades e fortalecendo as vozes locais na luta pela defesa do território e na produção de conteúdos próprios para disputar as narrativas sobre o Pedral. Durante a oficina, participaram membros da comunidade de todas as idades, que terminou com a produção de vídeos com o tema “A importância do rio nas suas vidas”. Ao final, os depoimentos emocionados reafirmaram o que o projeto tenta negar: o rio não é só um recurso, é parte do corpo e da memória coletiva. Rio é ancestralidade, parte da vida, da rotina e da história.

Estudos recentes apontam que ao menos 23 comunidades ribeirinhas, extrativistas, quilombolas e indígenas seriam diretamente atingidas, mas esse número pode ser ainda maior. As explosões necessárias para execução das obras da hidrovia colocam em risco a sobrevivência de pelo menos 350 espécies de peixes e outros animais como  a Tartaruga da Amazônia, o Boto-do-Araguaia, e a Tracajá. Entre as comunidades extrativistas da região que terão suas atividades diretamente afetadas, estão as quebradeiras de coco babaçu, pescadores, pequenos agricultores e populações ribeirinhas de Vila Tauiry, Praia Alta e Vila Cupu. A professora Rita de Cássia, docente da Unifesspa, destacou durante o seminário: “Os impactos começam antes mesmo da implantação. A simples ameaça, que também é fomentada pela mídia tradicional, já gera especulação imobiliária, conflitos e insegurança nas comunidades tradicionais”. Essa disputa de narrativa, como afirma a professora, revela o projeto político que está por trás das grandes obras na Amazônia: centralizar lucros, concentrar terras e marginalizar populações. A derrocagem repete esse ciclo, agora agravado pela ameaça do avanço do mexilhão-dourado — espécie invasora, que gruda nos cascos de grandes embarcações e se alastra pelo Tocantins, sendo responsável por significativos impactos ambientais, como a morte de peixes nativos e a alteração da cadeia alimentar e da qualidade da água.

O processo da obra corre na Justiça Federal da 1ª Região, Seção Judiciária do Pará 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJPA. Nele consta a inexistência das comunidades tradicionais no entorno do pedral, uma tentativa do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) de apagar a vida e história das comunidades ribeirinhas para justificar a falta de consulta prévia, direito garantido aos povos e comunidades tradicionais. Essa falsificação histórica tenta apagar suas existências para viabilizar o projeto. Ronaldo, presidente da Associação da Comunidade Ribeirinha Extrativista da Vila Tauiry, disse durante o Seminário: “O Lourenção e eu somos um só. O rio e as pessoas são um só. Nasci aqui, minha avó e minha bisavó nasceram aqui, e queremos permanecer nesse lugar.”. A tentativa de silenciar as comunidades que vivem às margens do Lourenção estão tendo o efeito contrário, motivando organização coletiva e unidade de ação entre comunidades vizinhas. Onde há tentativa de “passar a boiada”, estão encontrando luta e resistência popular.

Esse rio é minha rua: Luta e Resistência Popular

Essa não é a primeira vez que as populações ribeirinhas e povos tradicionais da região enfrentam megaempreendimentos predatórios, como lembrou Cristiane Cunha, professora da Unifesspa, durante a realização do Seminário: em 1999, trabalhadores ribeirinhos da Ilha do Bananal conseguiram barrar relatórios fraudulentos de impacto ambiental, organizando-se pela base. Na época, a imposição de barragens e hidroelétricas como a de Tucuruí, inaugurada em 1984, e a controversa Belo Monte, em 2016, já haviam deixado marcas profundas: famílias desalojadas, cemitérios submersos, modos de vida destruídos e rios feridos. A luta contra Belo Monte se tornou um símbolo nacional e internacional de resistência socioambiental na Amazônia, revelando as consequências devastadoras de projetos impostos sem diálogo e sem respeito pelos direitos das comunidades tradicionais.

Parem a hidrovia Tocantins-Araguaia! 

O rio não é só água, recurso ou paisagem: é literalmente a via por onde as pessoas se deslocam, socializam, transportam comida, visitam familiares e se comunicam. A luta em defesa do Lourenção se soma às resistências históricas contra Belo Monte, Tucuruí e tantos outros empreendimentos que devastaram territórios amazônicos. Embora diferentes em seus contextos e impactos, essas lutas compartilham o mesmo compromisso: a defesa do povo, da floresta e dos rios. Às vésperas da realização da COP 30, em Belém do Pará, em 2025, essa resistência ganha ainda mais urgência e força simbólica. O mundo inteiro voltará seus olhos para a Amazônia, e será inaceitável que enquanto se discutem soluções climáticas e proteção dos povos da floresta nos palcos oficiais, as comunidades continuem sendo ameaçadas e tenham seus territórios ameaçados e destruídos durante a conferência.

Sabemos que a COP 30 não é um espaço construído para o povo, nem serão debatidos avanços reais em defesa dos direitos das comunidades. Trata-se, sobretudo, de um palco para governos e empresários negociarem acordos em nome do lucro, muitas vezes à custa dos territórios e das vidas amazônicas. Por isso, é fundamental que ocupemos as ruas, transformando-as em espaço de denúncia e resistência contra a destruição que está em curso.

Mais do que resistir, é tempo de fortalecer alianças, construir relações de solidariedade e unidade entre os povos, movimentos e territórios de todo o Brasil e principalmente avançar nas nossas parcerias a partir da auto-organização dos povos. 

Fontes

https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/licenca-ambiental-para-remover-pedral-do-lourenco-deve-sair-emjaneiro/#:~:text=O%20derrocamento%20possibilita%20a%20retirada,navegabilidade%20da%20bacia%20Tocantins%2DAraguaia.

https://agenciainfra.com/blog/mesmo-com-entraves-projetos-de-concessoes-hidroviarias-comecam-a-avancar/

https://www.terrasindigenas.org.br/es/noticia/214368

https://www.braziloffice.org/pt/artigos/detonando-a-amaznia-buracos-de-dados-e-apagamento-de-povos-tradicionais-na-hidrovia-araguaia-tocantins

https://drive.google.com/file/d/13tT7NRFF6RrmVHj9HyL3EL

uHz9nIeI_/viewhttps://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/636697/Cardoso_Fernando_Henrique_P020_R0026.pdf?sequence=1&isAllowed=y


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Camila Souza