Meio ambiente: licença para destruir
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Meio ambiente: licença para destruir

Senado aprova projeto que desmonta proteção ambiental no Brasil. setores do agronegócio e da indústria comemoram o que ambientalistas denunciam como o maior ataque às leis ambientais da história do país

Tatiana Py Dutra 22 maio 2025, 08:55

Foto: Andressa Anholete/Agência Senado

O Senado aprovou, na noite desta quarta-feira (21), um projeto que desmonta pilares históricos da legislação ambiental brasileira. Com 54 votos favoráveis e apenas 13 contrários, os senadores deram sinal verde para uma proposta que ambientalistas, organizações socioambientais e ecossocialistas classificam como “o maior retrocesso ambiental desde a Constituição de 1988”. O projeto agora segue para a Câmara dos Deputados, onde a bancada ruralista já articula ampliar ainda mais as brechas.

A chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental escancara as portas para a flexibilização das regras, facilitando a aprovação de empreendimentos sem análise técnica rigorosa. Pela nova regra, basta que o empreendedor assine um termo se comprometendo a cumprir normas pré-estabelecidas, sem a necessidade de estudos prévios por parte dos órgãos ambientais.

Na prática, o projeto legaliza o autolicenciamento, transferindo ao próprio empreendedor a responsabilidade de avaliar os impactos de sua atividade – uma medida que interessa diretamente aos grandes grupos econômicos do agronegócio e da indústria extrativista, ávidos por reduzir custos e acelerar projetos, mesmo à custa de riscos socioambientais irreversíveis.

A nova regra se aplica a empreendimentos de médio porte e médio impacto poluente – uma classificação que, de forma alarmante, inclui barragens como as de Mariana e Brumadinho, cujos rompimentos resultaram em centenas de mortes, destruição de comunidades inteiras e impactos ambientais que perdurarão por gerações.

Agronegócio e indústria comemoram; lucros acima da vida

Enquanto ambientalistas falam em desastre, o agronegócio e a indústria celebram. O senador Alan Rick (União-AC), representante direto dos interesses do agro, defendeu que “há pelo menos 5.000 empreendimentos parados por lentidão no licenciamento ambiental”, apontando abertamente que o entrave não é a preocupação ambiental, mas sim a burocracia que impede o avanço desenfreado dos negócios.

Ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro e conhecida defensora dos ruralistas, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) comemorou: “A aprovação vai destravar o país”, ignorando os alertas dos especialistas de que se trata, na verdade, de um destravamento da destruição.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que tem interesse direto na liberação da exploração de petróleo na Margem Equatorial, usou seu poder político para acelerar a tramitação, permitindo que o projeto fosse discutido simultaneamente nas Comissões de Meio Ambiente e de Agricultura. Alcolumbre não escondeu o alinhamento com os interesses do capital:
“É uma das maiores conquistas para o Brasil, uma lei fundamental para o desenvolvimento equilibrado do nosso país”, afirmou Alcolumbre, ignorando os alertas sobre o impacto ambiental.

Autolicenciamento, dispensa para o agro e mais destruição

A espinha dorsal do projeto é a criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Nesse modelo, basta o empreendedor preencher um formulário online, afirmando que cumprirá regras pré-definidas, para receber autorização para tocar o projeto. Sem vistoria, sem análise prévia, sem consulta pública.

Mais grave: o projeto dispensa de qualquer licenciamento quatro atividades agropecuárias, incluindo a pecuária extensiva, responsável por grande parte do desmatamento na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. Ou seja, basta o produtor rural preencher um cadastro para ficar livre da necessidade de obter licença ambiental.

Essa dispensa é vista como uma carta branca para a expansão desenfreada da fronteira agrícola, incentivando o desmatamento, a grilagem de terras e a invasão de territórios indígenas e quilombolas.

O texto ainda restringe a proteção apenas a terras indígenas homologadas, ignorando que mais de 500 territórios aguardam reconhecimento formal – uma afronta direta aos povos originários e tradicionais, que perdem, assim, uma camada fundamental de proteção contra os impactos de grandes empreendimentos.

O projeto também cria a Licença Ambiental Especial (LAE), destinada a projetos classificados como “estratégicos” pelo governo, mesmo que sejam altamente degradantes. Na prática, essa medida facilita obras de grande porte, como hidrovias, ferrovias, mineração e exploração de petróleo, inclusive em áreas ambientalmente sensíveis como a Amazônia.

‘A mãe de todas as boiadas’

Organizações ambientais não pouparam críticas. Para a ambientalista Suely Araújo, do Observatório do Clima, o projeto é “a mãe de todas as boiadas”, referência direta à política de desmonte ambiental promovida no governo Bolsonaro. Segundo ela, “o projeto não corrige falhas do licenciamento. Ele simplesmente elimina o licenciamento na prática”.

O Greenpeace Brasil classificou a aprovação como uma “licença para desmatar e destruir”, enquanto a SOS Mata Atlântica alertou para o aumento do risco de crises hídricas, já que a nova lei desvincula a análise de uso da água do processo de licenciamento. “Para um país que quer ser referência em ações climáticas, é uma boiada sem precedentes”, afirmou Malu Ribeiro, diretora da organização.

O próprio Ministério do Meio Ambiente, em nota oficial, condenou o projeto, afirmando que ele “representa risco à segurança ambiental e social no país e uma desestruturação sem precedentes do regramento ambiental brasileiro”.

Pressão no STF e o avanço da boiada na Câmara
Diante da gravidade, parlamentares progressistas já articulam acionar o Supremo Tribunal Federal (STF), buscando barrar os trechos mais danosos do projeto, que violam princípios constitucionais. Por outro lado, a bancada ruralista não esconde que quer avançar ainda mais: lobistas do setor afirmaram ao portal UOL que pretendem, na Câmara, estender o autolicenciamento a empreendimentos de grande porte, aumentando ainda mais os riscos.

Se aprovado definitivamente, o projeto não apenas desmonta a legislação ambiental brasileira, mas também abre caminho para uma série de tragédias socioambientais, aprofundando conflitos por terra, água e recursos, além de agravar a crise climática. Para a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), a única alternativa é mobilizar a opinião pública e impedir que o projeto seja aprovado na Câmara.

“O maior retrocesso ambiental dos últimos 40 anos. Licenciamento enfraquecido, mais desmatamento, menos proteção. Enquanto o mundo cobra responsabilidade, o Brasil retrocede. É hora de resistir”, afirma Fernanda.


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