Melo dá o primeiro passo para entregar o DMAE
Prefeito de Porto Alegre sucateia, culpa o serviço público e corre para privatizar água e esgoto. Oposição promete resistência firme
Foto: Mateus Raugust/PMPA
Depois de anos promovendo o sucateamento deliberado do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), o prefeito Sebastião Melo (MDB) deu mais um passo no seu plano de entregar parte dos serviços de água e saneamento de Porto Alegre à iniciativa privada. Na quarta-feira (21), Melo foi pessoalmente à Câmara de Vereadores protocolar um projeto de lei que autoriza a concessão de atividades essenciais, hoje 100% públicas, para empresas privadas.
O projeto é extremamente vago. Com apenas uma página e cinco artigos, sequer especifica pontos cruciais, como as regras do contrato ou o tempo de concessão, que poderá variar de 25 a 35 anos — três décadas de controle privado sobre um serviço essencial. Tudo isso, sem qualquer garantia real de que as tarifas não irão disparar ou que a qualidade do serviço será mantida.
O plano desenhado pela gestão, com apoio do BNDES, prevê repassar à iniciativa privada a distribuição de água, a manutenção e ampliação das redes, além da coleta e tratamento de esgoto. Também será do parceiro privado a arrecadação das faturas – ou seja, os lucros com a cobrança direta da população.
Enquanto isso, o que permanece com o poder público são funções de alto custo e menor retorno financeiro, como a captação e o tratamento da água bruta, a drenagem urbana e o sistema de controle de enchentes. Na prática, é uma divisão onde o risco e os custos ficam com o município, e o lucro vai para as mãos privadas.
Projeto sem garantias
A ausência de elementos fundamentais no projeto escancara sua natureza apressada e irresponsável. Melo entrega um cheque em branco para que o setor privado explore um serviço essencial sem que a população tenha clareza sobre:
1) Quanto tempo durará essa concessão?
2) Como serão definidos os reajustes tarifários?
3) Quais são as obrigações concretas da futura concessionária?
Tudo isso fica para ser “detalhado futuramente” no edital — ou seja, sem debate transparente agora, no momento da decisão mais importante.
A oposição promete resistência
Setores da oposição estão mobilizados para barrar o avanço desse projeto. No próximo dia 5 de junho, será instalada uma CPI do DMAE, com o objetivo de investigar as sucessivas denúncias de má gestão, omissões e possível corrupção no órgão – elementos que, segundo os parlamentares, fazem parte de uma estratégia para fragilizar o DMAE e justificar sua entrega à iniciativa privada.
“Privatizar serviços públicos é uma velha receita de governos neoliberais e com ela vem sempre a mesma tática: culpar o serviço público pelos próprios erros de gestão. Quando a cidade ficou debaixo d’água e as bombas não funcionaram, Melo achou conveniente jogar a culpa no DMAE. Mas a falta de manutenção era responsabilidade da prefeitura e foi ignorada por sua gestão. Melo quer vender o que ele mesmo sucateou e ainda posar de herói. Mas Porto Alegre sabe: a culpa tem nome e sobrenome”, afirma a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
Por que ser contra?
Especialistas, entidades e movimentos sociais apontam riscos concretos na proposta de Melo. A experiência de outras privatizações no Rio Grande do Sul e no Brasil demonstra que esse modelo não entrega o que promete.
- Piora na qualidade do serviço: Após a privatização da CEEE, o Rio Grande do Sul viu crescer o número de quedas de energia e reclamações. Segundo relatório da Aneel (2023), o grupo Equatorial, que comprou a CEEE, levou a empresa a um dos piores índices de qualidade do país.
- Tarifas mais caras: Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, em média, a privatização dos serviços de água no Brasil resulta em tarifas mais altas, sem necessariamente melhorar a cobertura ou qualidade.
- Perda de controle social: A gestão pública permite maior controle e participação da sociedade. Nas mãos da iniciativa privada, prevalece o interesse do lucro sobre o bem coletivo
- Risco à universalização: A lógica do lucro ameaça o princípio de acesso universal. Regiões periféricas, onde o retorno financeiro é menor, podem ser negligenciadas.
- Falta de transparência: Entregar a gestão à iniciativa privada dificulta o acesso da sociedade aos dados, decisões e contratos, blindando a fiscalização democrática.
Água não é mercadoria!
Enquanto o prefeito tenta convencer a população de que “não se trata de privatização”, o histórico de sua gestão e o conteúdo vago do projeto revelam exatamente o contrário: trata-se, sim, de desmontar o serviço público para entregar um bem essencial ao mercado. Porto Alegre já viu esse filme – e a oposição, os movimentos sociais e a população estão se mobilizando para impedir que ele tenha um final trágico.