O que restou da agenda progressista do governo Lula?
Enquanto Novo Arcabouço Fiscal e busca pelo déficit zero persistirem, governo se afundará em contradições e continuará tendo queda na popularidade
Foto: Presidente Lula. (Valter Campanato/Agência Brasil)
Via Opera Mundi
Recentemente, o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, voltou a reforçar uma suposta necessidade de que o governo brasileiro congele o salário mínimo por seis anos, de modo a não realizar aumentos reais, apenas reajustando o valor pela inflação do ano anterior. Fraga ressaltou que o gasto com folha de pagamentos e previdência no país chegam a 80% do orçamento, por isso um ajuste drástico nessa ordem seria fundamental. O ex-presidente ainda afirmou que o país precisa de uma reforma mais profunda em relação à previdência, nos moldes do ajuste promovido pelo presidente da Argentina, Javier Milei. Interessante notar que Armínio não citou o fato de que a pobreza na Argentina atinge 57,4% da população, o maior patamar em 20 anos e que a indigência assola 15% do povo argentino.
No Brasil, o salário mínimo exerce grande influência sobre a economia e a vida dos trabalhadores. Além de definir o piso legal para empregados formais, ele serve de referência para remunerações de autônomos e estabelece o valor mínimo dos benefícios da Seguridade Social, como aposentadorias, auxílios e seguro-desemprego. Por isso, seu reajuste real impacta diretamente o poder de compra da população, estimulando o consumo e reduzindo desigualdades. Para se ter uma ideia, sem os ganhos reais obtidos entre 2004 e 2019, o salário mínimo em 2019 seria de apenas R$ 573,00 ao invés de R$ 998,00 – ou seja, os aumentos acumulados no período representaram um incremento de R$ 425,00 acima da inflação. Esse crescimento elevou não apenas a remuneração de trabalhadores formais, mas também influenciou pisos salariais de diversas categorias, tanto nas negociações entre sindicatos e empresas quanto em leis específicas, como os pisos da educação e da saúde. Além disso, impulsionou a adoção de salários mínimos estaduais em regiões como o Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Como resultado, houve uma concentração de trabalhadores na faixa de um a dois salários mínimos, reduzindo a desigualdade na distribuição de renda do trabalho e aumentando a participação dos salários na economia.
Apesar dos avanços, o salário mínimo ainda está longe de cumprir o disposto na Constituição, que prevê um valor capaz de atender às necessidades básicas do trabalhador e sua família, incluindo moradia, alimentação, saúde e educação. Esse desafio torna-se ainda mais urgente diante das recentes mudanças na legislação trabalhista, como as Leis 13.429/2017 e 13.467/2017, que fragilizaram direitos e ampliaram formas precárias de contratação, como o trabalho intermitente e a terceirização irrestrita. Nesse contexto, a valorização do salário mínimo surge como uma ferramenta essencial para garantir renda digna, especialmente aos trabalhadores mais vulneráveis.
Segundo o IBGE, em 2024, a renda média dos 40% mais pobres alcançou 601 reais e o 1% da população brasileira com maior renda recebeu o equivalente a 36,2 vezes o que recebia os 40% de menor renda. Ainda, dados do relatório da Oxfam mostram que 63% da riqueza do Brasil está nas mãos de 1% da população. O levantamento também aponta que os 50% mais pobres detêm apenas 2% do patrimônio do país. O estudo traz ainda detalhes sobre o grupo que mais acumula riqueza. Segundo o documento, 0,01% da população brasileira possui 27% dos ativos financeiros.
Mas sobre nada disso o sócio-fundador da Gávea Investimentos, Armínio Fraga, falou, muito menos disse que quando o Banco Central eleva a taxa de juros em 0,5%, há um aumento de R$ 2,9 bilhões anuais nas despesas do governo, segundo estimativas do Tesouro Nacional. Aumento este que vai direto para o 0,01% mais rico da população brasileira. Ele também não comentou sobre o impacto do recolhimento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) entre 2019 a 2024, que apesar do aumento na arrecadação, atingindo R$ 3 bilhões, é um montante que corresponde ao valor arrecadado apenas com o IPTU do bairro de Pinheiros, na cidade de São Paulo. Mais preocupante, contudo, é o fato de que, desde 2008, o governo alterou as regras do tributo, transferindo às prefeituras a responsabilidade pelo cadastro e fiscalização dos imóveis rurais, além de destinar a elas os recursos arrecadados – quando, originalmente, conforme estabelecido pelo Estatuto da Terra, a finalidade do ITR era financiar a reforma agrária. Como consequência, as grandes propriedades rurais contribuem com valores irrisórios, muitas vezes recorrendo à sonegação, enquanto os recursos arrecadados deixam de cumprir sua função social.
Demonstrar uma preocupação com a economia e a sociedade brasileira e receitar remédios que só acentuam desigualdades, seja de renda, gênero, raça ou educação, virou praxe entre grandes nomes da política brasileira, como é o caso de Armínio Fraga, e até mesmo do próprio governo federal, como são os cortes feitos sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa Família, programas de distribuição de renda essenciais à população brasileira. E aqui também não posso deixar de comentar o recente contingenciamento de gastos promovido via o Decreto nº 12.448, que estabelece a programação orçamentária do Poder Executivo para o exercício de 2025. Para as universidades federais, este decreto representa uma profunda contenção nos seus recursos, que já não são vultosos. A busca incessante do governo pela diminuição do déficit e por agradar o mercado produz esses supostos remédios amargos e prejudiciais aos serviços públicos e aos seus usuários.
Nesta mesma semana, o governo também assinou o Decreto nº 12.456/2025, que regulamenta a Nova Política de Educação a Distância (EaD), um passo importante e necessário, tendo em vista a grande arapuca dos conglomerados educacionais para capturar o dinheiro da classe trabalhadora que quer estudar, que se tornaram os cursos EaD. Este modelo de ensino (e negócio) foi proclamado por seus defensores como um modo de “democratizar” a educação, o que certamente é uma afirmação falsa, uma vez que o ensino de excelência, seja na educação básica ou no nível superior, têm na modalidade presencial seu formato mais eficaz. As instituições acadêmicas mais renomadas, tanto no cenário nacional quanto internacional, adotam e valorizam esse modelo de aprendizagem.
Agora façamos a seguinte reflexão: se ao mesmo tempo que limita os cursos EaD (o que é correto) o governo federal contingencia as despesas das universidades federais, que ano após ano tem seus recursos diminuídos e sua capacidade de promoção de bolsas e auxílio permanência reduzida, como é que a população mais pobre vai estudar? Não parece óbvio que isto inclusive impacta na percepção das pessoas em relação ao acesso à educação e na dificuldade de se conseguir estudar? Até quando o Presidente Lula vai seguir o receituário de Armínio Fraga e afins e com isso prejudicar a população que o elegeu? O povo quer estudar, salário digno, acesso à saúde e educação de qualidade, o que não pode se concretizar enquanto o Novo Arcabouço Fiscal e a busca pelo déficit zero persistirem como metas do governo. E com isso, a popularidade de Lula só diminui, afinal, de todas as suas promessas de campanha, o que de fato está cumprindo com êxito e integralmente?