Projeto de anistia para golpistas de 8 de janeiro é esvaziado na Câmara
Proposta da oposição que tenta livrar aliados de Bolsonaro das consequências dos ataques antidemocráticos sobre revés
Foto: Bruno Spada/ Câmara dos Deputados
Em uma demonstração inesperada, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), desestimulou a tentativa de parlamentares da extrema direita de retomar a tramitação do Projeto de Lei da Anistia – proposta que visa perdoar os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando extremistas bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília.
Durante reunião de líderes partidários realizada nesta terça-feira (20), Motta foi alertou que não faz sentido aprovar um projeto fadado a ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O recado, segundo interlocutores ouvidos pela GloboNews, foi entendido como um freio claro às tentativas da oposição bolsonarista de empurrar a proposta adiante a qualquer custo – mesmo atropelando os limites legais e democráticos.
A proposta defendida por deputados do PL e de outros partidos de direita é ampla e busca perdoar crimes cometidos em nome do movimento golpista, inclusive os de natureza eleitoral. Na prática, o texto tenta abrir caminho para a reabilitação política de Jair Bolsonaro, declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, em decisões amplamente respaldadas pela jurisprudência e por observadores internacionais.
O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), foi taxativo ao se recusar a buscar um texto que “precise do aval do STF”, deixando explícita a estratégia da extrema direita de confronto às instituições. No entanto, até mesmo líderes da oposição reconheceram que Motta quer evitar confrontos com o Supremo – que já condenou mais de 100 envolvidos nos atos de 8 de janeiro – e não está disposto a dar continuidade à proposta.
Além da posição firme do presidente da Câmara, o contexto político também pesa: o próprio Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, tem sido cauteloso em relação à anistia, que poderia sinalizar impunidade institucional para ações golpistas. Movimentos sociais, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coalizão Direitos na Rede, também se manifestaram contra qualquer tipo de anistia a crimes antidemocráticos, classificando a proposta como uma ameaça à memória e à responsabilização histórica.
A proposta ainda não foi formalmente retirada de pauta, mas o gesto de Hugo Motta representa um ponto de inflexão. Segundo fontes da base governista, ao pedir que se apresente um novo texto, o presidente da Câmara teria colocado os aliados de Bolsonaro contra a parede: ou assumem de vez que querem livrar o ex-presidente das consequências de seus atos ou admitem que não há mais espaço político para tal manobra.
O projeto de anistia é amplamente criticado por juristas, acadêmicos e defensores dos direitos humanos. Em editorial publicado em abril, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) afirmou que qualquer proposta que anistie crimes cometidos contra o Estado Democrático de Direito fere frontalmente a Constituição de 1988 e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
A manobra bolsonarista, portanto, não encontra ressonância no Judiciário e tem dificuldade do Legislativo. A interrupção do avanço do projeto sinaliza tanto um limite para a extrema direita no Congresso como a responsabilização para os bolsonaristas da conspiração golpista.