Trabalhadores do Zaffari enfrentam rede bilionária neste 1º de Maio
Funcionários da rede de supermercados denunciam fraudes trabalhistas, escalas ilegais e baixos salários
Fotos: Tatiana Py Dutra/Revista Movimento
Neste 1º de Maio, data histórica de luta da classe trabalhadora, funcionárias e funcionários da rede de supermercados Zaffari, sediada em Porto Alegre, protagonizam uma greve corajosa e sem precedentes contra o que denunciam como um regime de exploração institucionalizada, jornadas exaustivas e desrespeito sistemático à legislação trabalhista. Mesmo com faturamento superior a R$ 8,4 bilhões em 2023, conforme ranking da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), a companhia impõe aos seus empregados escalas ilegais de 10 dias seguidos de trabalho por apenas 1 de descanso, prática já rechaçada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
“O que o Zaffari está fazendo é ilegal: colocam a folga do feriado no mesmo dia da folga semanal, fazendo o trabalhador perder o direito a uma das folgas”, denuncia nota da União dos Trabalhadores do Zaffari, coletivo que organiza o movimento com mais de 350 empregados ativos. “Isso é roubo institucionalizado. Um feriado é um direito autônomo, não pode ser camuflado dentro do DSR. Estão fraudando nossos direitos para lucrar ainda mais”.
Apesar de o Ministério Público do Trabalho (MPT) já ter multado a empresa por violar o descanso semanal obrigatório, os trabalhadores afirmam que o descumprimento persiste, revelando um modelo de negócios que se ancora na precarização extrema da mão de obra.
Oposição patronal, repressão e tentativa de coação
Na manhã do Dia do Trabalhador, mais de 300 manifestantes – entre funcionários, ex-funcionários, apoiadores estudantis e sindicatos solidários – saíram em caminhada a partir do Largo dos Açorianos, no centro da capital, até as unidades da rede nos bairros. Uma decisão judicial solicitada pelos “patrões” proibiu que o grupo se aproximasse a menos de 100 metros das lojas, mas permitiu que membros da greve entrassem nos estabelecimentos para dialogar com colegas ainda trabalhando.
A companhia respondeu com repressão e manobras de contenção: reforçou o aparato de segurança privada e contou com apoio ostensivo da Brigada Militar, que duplicou seu efetivo em frente às lojas. Como tentativa de desmobilizar o movimento, a empresa ainda reajustou de R$ 80 para R$ 100 o extras de quem trabalhasse no feriado, além de um “almoço diferenciado” – oferta irrisória diante da realidade de sobrecarga e salários que mal cobrem o básico da sobrevivência.
“Como se a dignidade de seus funcionários valesse R$ 20 a mais”, ironizou uma manifestante.



Jovens e mulheres na linha de frente
A greve também escancarou a presença de jovens e menores de idade submetidos a ritmos de trabalho incompatíveis com suas condições de vida e estudo. Uma funcionária adolescente, lotada em uma loja da Zona Sul, contou que mesmo temendo represálias após uma colega ser demitida às vésperas da greve, decidiu comparecer à mobilização:
“Realmente, [a carga de trabalho] está muito pesada para mim. Sou menor de idade e estudo. Minhas notas têm caído e isso está influenciando muito minha saúde mental”, relatou. “Então, eu simplesmente me levantei da cama e vim, né? Claro, mais tarde eu vou ter que trabalhar porque estou precisando de dinheiro. Tá fazendo falta lá em casa. Mas, assim, vamos lutar por nossos direitos. Infelizmente estou aqui representando todo mundo que ficou com medo”.
Denúncias contra o sindicato patronal
A luta dos empregados do Zaffari tem recebido apoio firme de parlamentares do PSOL, como a deputada estadual Luciana Genro e o vereador Roberto Robaina, que desde 2023 denunciam o modelo de escala praticado pela rede.
“É inaceitável a situação dos trabalhadores do Grupo Zaffari de serem submetidos a uma escala de 10 dias trabalhados consecutivamente, para apenas um dia de folga. Ainda há relatos de pessoas que trabalham 3 domingos consecutivos, o que vai contra a legislação trabalhista”, escreveu Luciana Genro em suas redes sociais, em dezembro de 2024.
“Tenho dado apoio material e político a essa mobilização. É uma mobilização inédita. è parte da luta daqueles setores que são os mais precarizados, mais superexplorados da nossa classe [trabalhadora]. Assim como o breque dos apps, agora temos essa greve no Zaffari. Independentemente da força que ela vai ter, já a repercussão do processo de organização desses ativistas mostra a importância que esse processo tem e estou muito orgulhoso de apoiá-lo”, disse o vereador Roberto Robaina em suas redes sociais, na véspera da paralisação.
Ambos os parlamentares cobram responsabilização do grupo empresarial e exigem atuação mais contundente do MPT e da Justiça do Trabalho.
Por outro lado, o Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre (Sindec) é acusado pelos próprios trabalhadores de atuar em conluio com os patrões, firmando acordos sem consulta à base e ignorando denúncias de abusos.
“O sindicato está do lado do Zaffari. Faz acordos ‘a portas fechadas’ com os patrões, sem nos consultar. Mas nossa resposta é clara: vamos parar até termos voz e dignidade”, afirmam os trabalhadores organizados.
A Revista Movimento tentou contato com o sindicato e com a Companhia Zaffari, sem sucesso.
Reivindicações
A pauta do movimento aponta para a reconstrução de condições mínimas de trabalho e respeito humano, diante de uma empresa que lucrou R$ 640 milhões em 2023, segundo dados da própria rede. As principais exigências incluem:
- Reajuste de 100% nos salários, devido à defasagem acumulada e ao alto custo de vida;
- Implementação da escala 5×2, com ao menos um fim de semana livre por mês;
- Jornada de até 40 horas semanais, conforme a legislação;
- Fim das dobras e do desvio de função;
- Direito de ir ao banheiro sem punição;
- Fim da manipulação do banco de horas e dos descontos indevidos.
- Enquanto o império bilionário da família Zaffari tenta preservar seus lucros às custas da precarização de centenas de trabalhadores, a mobilização segue viva e fortalecida, respaldada por liminar judicial que proíbe demissões por adesão à greve e corte de ponto. Ainda assim, o medo persiste, fruto da cultura de coerção instalada dentro das lojas.
- Mas a força dos trabalhadores também resiste. Neste 1º de Maio, a luta voltou ao centro do debate: contra o lucro a qualquer custo, por trabalho com dignidade.
Está prevista para a tarde desta quinta-feira, uma assembleia de funcionários para decidir os próximos passos do movimento.