Cid desnuda o ‘núcleo bolsonarista’
Ex-ajudante de ordens revela que Bolsonaro tentou manipular apoio militar e deslegitimar as eleições com fraudes forjadas e um relatório retocado para justificar intervenção
Foto: Ton Molina/STF
Nesta segunda-feira (9), o tenente‑coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, prestou seu primeiro depoimento no processo que investiga o “núcleo crucial” do golpe, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). O interrogatório traz ácidas declarações que corroem o discurso bolsonarista sobre as urnas e traz à tona tentativas explícitas de insuflar uma narrativa de golpe.
“A grande preocupação do presidente (…) sempre foi encontrar uma fraude nas urnas”, afirmou Cid, ao dizer que Bolsonaro repetidamente buscava atestar erros no sistema de votação, mesmo sem qualquer evidência concreta, revelando uma obsessão institucionalizada com a ideia de fraude.
Cid confirmou que o ex-presidente exigiu um relatório “duro” sobre as urnas, pressionando o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, para produzir um documento que questionasse a segurança do voto eletrônico. Segundo ele, Bolsonaro queria que o texto afirmasse fraude, embora a auditoria técnica não apontasse irregularidades.
O relatório militar, enviado ao TSE em 9 de novembro de 2022, não identificou fraudes, mas foi alterado para sugerir que “não é possível afirmar que o sistema esteja imune a eventual código malicioso”, abrindo brecha para o discurso conspirativo .
Deslegitimar para interferir
A Procuradoria‑Geral da República (PGR) argumenta que essa operação foi intencional: encaixar o exército na narrativa de fraude, enfraquecendo a confiança pública nas eleições e preparando terreno para uma possível intervenção militar.
Cid relatou que o ministro Paulo Sérgio já tinha um relatório técnico pronto, com apresentação agendada ao TSE, mas unilaterais alterações promovidas por Bolsonaro cancelaram esse compromisso
Desde 2021, Bolsonaro reforçava repetidamente a tese de fraudes nas urnas sem nenhum dado que as sustentasse. Após suas derrotas, ele buscou apoio militar para dar legitimidade às acusações, segundo a PGR . Esse documento alterado foi amplamente difundido por aliados, motivando protestos e acampamentos golpistas em quartéis.
O depoimento e as provas reforçam o inquérito da Operação Contragolpe, que em novembro de 2024 acusou Bolsonaro, Cid e mais 39 pessoas por tentativa de golpe de Estado e crimes contra o Estado democrático
A delação de Cid inclui citações a financiamentos para o plano – inclusive uma mala de dinheiro do general Braga Netto para o grupo responsável por monitorar autoridades – reforçando a articulação de um núcleo militar organizado em apoio ao golpe
As alegadas manipulações de documentos e declarações públicas reafirmam o uso do aparato estatal para deslegitimar o processo eleitoral e cooptar as Forças Armadas, potencialmente para uma intervenção autoritária.
Um golpe no golpe
O depoimento de Mauro Cid representa um duro golpe no discurso bolsonarista de que a eleição de 2022 foi fraudada. A exposição de sua pressão sobre o ministro da Defesa e a alteração do relatório oficial expõem com clareza a tentativa de manipulação institucional orquestrada por um gabinete paralelo de poder, demonstrando uma trama coordenada com golpe em potencial.
Para além da retórica conspiratória, estão revelados os contornos de um plano consistente de subversão dos sistemas democráticos -esde o controle militar até a elaboração de um documento estratégico para justificar uma intervenção. Trata-se de uma ameaça real à consolidação da democracia no país.