A sociedade ucraniana sai às ruas contra a corrupção!
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A sociedade ucraniana sai às ruas contra a corrupção!

Apesar da lei marcial ucraniana proibir manifestações, milhares de pessoas se reuniram em várias cidades do país, mesmo sofrendo bombardeios diariamente

L´Anticapitaliste 28 jul 2025, 17:50

Foto: Manifestantes ucranianos em protestos recentes contra a corrupção. (LA/Reprodução)

Via ESSF

Pela primeira vez desde o início da invasão em grande escala pela Rússia em fevereiro de 2022, a Ucrânia viu parte de sua população sair às ruas e expressar sua raiva contra a classe política e, em particular, contra o presidente Volodymyr Zelensky, que até então permanecia relativamente popular.

Nos dias 22, 23, 24 e 25 de julho, apesar da lei marcial proibir manifestações, milhares de pessoas se reuniram em várias cidades do país, na capital Kiev, mas também em cidades como Sumy ou Kharkiv, que continuam sofrendo bombardeios e ataques com mísseis diariamente, tanto de dia quanto de noite.

Uma lei que reduz a independência da luta anticorrupção

A razão para essas manifestações espontâneas? A Lei nº 12414, votada em 22 de julho, que, graças a emendas introduzidas no último minuto, prejudicaria seriamente dez anos de esforços anticorrupção. Essas alterações visam reduzir a independência do Gabinete Nacional Anticorrupção (NABU) e do Ministério Público Especializado Anticorrupção (SAPO), colocando-os sob o controle do procurador-geral, nomeado diretamente pelo gabinete do presidente. Essas duas instituições foram criadas em 2014, após o Maidan [a revolução ucraniana de 2013-2014 que levou à destituição do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych], para responder às aspirações democráticas da população.

Esta nova lei confirmou as sérias preocupações das últimas semanas, que viram vários funcionários destas duas instituições alvo de processos judiciais, incluindo Vitaliy Shabunin, o famoso cofundador da NABU, acusado de evasão às suas obrigações militares. Alistado voluntariamente no exército desde fevereiro de 2022, tinha sido destacado para missões no âmbito da NABU. O ativista denuncia acusações falaciosas e motivações políticas por trás deste processo.

Em 22 de julho, dia da votação da lei, a indignação foi imediata na sociedade civil e na classe política, inclusive no campo presidencial. Poucas horas após a votação da lei, manifestações espontâneas, na forma de comícios, ocorreram para pedir a Zelensky que usasse seu veto.

Mobilizações caóticas, mas encorajadoras

Essas reuniões não apresentam nenhuma cor política específica, embora algumas organizações, como a organização política Sotsialnyi Rukh (Movimento Social) ou o sindicato estudantil Priama Diia (Ação Direta), não escondam sua participação, e alguns manifestantes usem o símbolo anarquista A em suas roupas ou cartazes. Nesta quarta-feira, 24 de julho, em Kiev, em frente ao teatro Ivan Franko, onde a reunião estava ocorrendo, a poucos passos dos escritórios presidenciais, sob o olhar da “polícia do diálogo” [unidades especiais da polícia sem armas ou proteção que mediam entre os manifestantes quando surgiam tensões], um manifestante subiu em uma estátua para hastear uma bandeira preta.

Apesar da presença de estudantes que vieram com megafones, não há discursos nem pronunciamentos e ninguém lidera essa reunião. Entre slogans denunciando a corrupção e aplausos, os manifestantes cantam regularmente o hino ucraniano.

“Essas mobilizações são caóticas por natureza”, explica Vitaliy Dudin, membro do Sotsialnyi Rukh, “as pessoas não têm mais experiência com manifestações de massa há mais de três anos. Os partidos políticos não têm influência sobre este movimento. Pelo menos por enquanto.” Denys Pilash, cientista político e também membro do Sotsialnyi Rukh, explica-nos que estas manifestações são espontâneas, que “não sabemos quem são os organizadores, mas é tacitamente entendido que ninguém exibe a sua filiação organizacional e política”.

Quanto ao seguimento desta mobilização, Vitaliy está otimista: “podemos fazer novos amigos lá. Vemos nessas manifestações o quão profunda é a demanda por justiça social”.

Vitaliy é advogado trabalhista e defende várias organizações sindicais e trabalhadores: “Sou chamado cada vez mais para ajudar as pessoas a obterem o que lhes é devido. As pessoas estão começando a entender que têm direitos e que podem reivindicá-los e se defender”.

Embora se alegre com essa conscientização, ele sabe que essa mobilização não permitirá mudanças profundas: “a consciência política desses manifestantes ainda é jovem. As pessoas são influenciadas pelos ideais democráticos do liberalismo. Elas querem viver em uma sociedade democrática livre da corrupção, mas têm dificuldade em perceber que tudo isso está ligado ao próprio sistema”. No dia seguinte a essas mobilizações, diante de um pequeno público de ferroviários, profissionais de saúde e funcionários públicos, nas instalações do Sotsialnyi Rukh, ele afirma: “vemos as raízes das desigualdades no sistema capitalista e nos negócios, que sempre se traduzem na concentração da riqueza nas mãos de poucos. É isso que favorece a corrupção e várias formas de injustiça”.

A guerra como pano de fundo

Apesar dessas mobilizações populares e inesperadas e apesar dos protestos expressos por seus parceiros europeus, incluindo a França, que apontam para um retrocesso democrático, Zelensky assinou a lei nº 12414 na noite de 22 de julho, alegando que se tratava de combater a influência russa nos órgãos anticorrupção. Uma explicação rejeitada por muitas pessoas que a veem como uma instrumentalização da agressão russa.

Este importante evento político tem a particularidade de ligar diretamente a vida política interna do país à resistência militar contra a invasão russa.

Desde o início da guerra, vários escândalos de corrupção mancharam a classe política. Enquanto o padrão de vida caiu drasticamente e milhares de ucranianos estão perdendo suas vidas na linha de frente, é particularmente insuportável para a população ver certos líderes e chefes empresariais enriquecendo por meio de comissões e sobretaxas embolsadas nas despesas militares.

Vitaliy Shabunin lembrou isso há alguns dias em uma entrevista exclusiva concedida ao Kyiv Independent: “a corrupção mata mais em tempos de guerra do que em tempos de paz”, explicando que comprar alimentos ou equipamentos “para o exército a preços inflacionados significa que o exército recebe menos. O que reduz nossas chances de vencer”.

Entre os manifestantes, muitos perderam entes queridos nesta guerra. Eles denunciam uma traição aos compromissos dos seus mortos e daqueles que continuam a lutar para defender uma Ucrânia livre e democrática. Além disso, militares estão presentes nessas manifestações. Na quinta-feira, 24 de julho, no final da manifestação, soldados uniformizados invadiram a manifestação lançando sinalizadores de fumaça vermelha, enquanto a sirene de alerta de um possível ataque soava por toda Kiev.

Os manifestantes deixaram a reunião e dispersaram-se antes do toque de recolher entrar em vigor. Podia-se ouvir ecoando nas ruas “glória à Ucrânia, glória aos heróis!”, como se para homenagear de uma só vez a determinação da população e a sua parte que pegou em armas para defender o país contra a invasão russa.

O desejo de vitória contra a Rússia e a vontade de acabar com esta guerra são sentimentos partilhados por toda a população. Confrontado com a agressão de um regime autoritário e ditatorial, o governo ucraniano sempre se apresentou como defensor da democracia para garantir o apoio das democracias ocidentais. A incompreensão é, portanto, imensa para todos aqueles que entoam em coro “A Ucrânia não é a Rússia!” durante estas manifestações.

Enquanto os ataques mortais e destrutivos se intensificaram nas últimas semanas, os manifestantes veem esta manobra política como uma traição. Uma traição não só ao país, porque este retrocesso democrático ameaça afastar as chances de adesão à União Europeia e enfraquecer o apoio dos países ocidentais às vésperas de uma nova ofensiva russa temida para este verão. Mas também uma traição aos ideais democráticos de Maidan: “Estamos de volta a 2013?”, está escrito nos cartazes. Para Denys Pilash, essas referências a Maidan não vêm apenas daqueles que participaram dela, há 11 anos, mas também dessa nova geração para quem os eventos do inverno de 2013-2014 se tornaram uma espécie de “tradição lendária”.

Zelensky recua, mas os manifestantes não

Diante das críticas de seus aliados e da mobilização determinada da população, Zelensky recuou e anunciou à imprensa em 24 de julho que uma nova lei havia sido apresentada naquele dia ao Parlamento. Ela deve ser estudada durante uma sessão extraordinária em 31 de julho. Zelensky disse à imprensa “que deveria ter havido diálogo” com a sociedade civil.

No entanto, Denys Pilash explica-nos que nunca há diálogo, mesmo no parlamento. Este tipo de votação de última hora é bastante comum. “Foi a gota que fez transbordar o copo. As pessoas sabem que a NABU e a SAPO não são suficientemente eficazes, mas é melhor do que nada.”

O Centro de Ação Anticorrupção (AnTAC), criado pelo ativista Vitaliy Shabunin, saúda a mobilização popular e se alegra com este anúncio do presidente, afirmando em um comunicado publicado em suas redes que este projeto de lei restauraria tudo o que foi destruído pela lei nº 12414 de 22 de julho. Mas a organização continua cautelosa, temendo que, durante o atraso desta semana, as disposições previstas na lei nº 12414 permitam que vários casos sejam enterrados: “mesmo um atraso de uma semana pode ser suficiente para destruir uma infinidade de procedimentos da NABU e da SAPO contra altos funcionários corruptos. Recordemos que, neste parlamento, mais de 50 deputados já são suspeitos ou acusados de atos criminosos. E a maioria deles, precisamente por casos de corrupção tratados pela NABU e pela SAPO.”

Os apelos à mobilização continuam, portanto, e nesta noite, sexta-feira, 25 de julho, novas manifestações ocorreram. “O presidente fez sua declaração, mas não há garantias. A única garantia que as pessoas têm é a pressão nas ruas por meio da mobilização”, diz Denys Pilash.

A AnTAC exige, portanto, a revogação imediata da lei n.º 12414, sem esperar uma semana, lembrando que Zelensky já convocou parlamentares de férias no passado.

O presidente declarou que “era muito importante para [ele] que ouvíssemos e respondêssemos adequadamente. O povo pediu mudanças. Nós respondemos”.

A falta de reação de seus parceiros europeus nos últimos meses aos excessos de poder provavelmente permitiu a Zelensky ir ainda mais longe com esta lei nº 12414, mas foi de fato a mobilização da sociedade ucraniana que o trouxe à ordem e desacelerou seu ímpeto.

Ninguém duvidava disso, é uma das lições tiradas de Maidan e destes últimos dez anos: a sociedade ucraniana sabe que só pode contar consigo mesma e não espera nada das classes dirigentes ucranianas ou europeias.


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