Um terremoto político em Nova York: o socialista Zohran Mamdani vence as primárias democratas para prefeito

Um terremoto político em Nova York: o socialista Zohran Mamdani vence as primárias democratas para prefeito

Entrevista com Winnie Marion, integrante do DSA e que participou da campanha de Mandani, para o LINKS Journal of Socialista Renewal

Estados Unidos Hoje da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco

Via LINKS International Journal of Socialist Renewal

A vitória do candidato socialista dos Estados Unidos Zohran Mamdani nas primárias democratas de 24 de junho para a prefeitura da cidade de Nova York (NYC) foi descrita como um “terremoto político”. Mamdani, que é membro do Democratic Socialists of America (DSA), enfrentava o grande poder financeiro do establishment democrata, mas derrotou o ex-governador Andrew Cuomo e outros candidatos.

A vitória foi celebrada por socialistas e pela esquerda no mundo, como sinal de esperança em uma era marcada pela ascensão da extrema direita, impulsionada pela eleição de Donald Trump no ano passado. Winnie Marion, integrante do DSA e que participou da campanha de Mamdani, conversou com Isaac Nellist para a LINKS International Journal of Socialist Renewal. Ela comentou a vitória da campanha e suas implicações mais amplas para a política dos Estados Unidos.

Muitas explicações têm sido dadas para o êxito da campanha de Mamdani. Por que você acha que ela foi tão bem-sucedida?

Estamos vivenciando uma ascensão da política de extrema direita nos EUA e no mundo. Em nosso sistema bipartidário, nos são oferecidas duas opções: a visão da extrema direita, que submete a classe trabalhadora aos bilionários; e em alternativa a ela, a falta de coragem para enfrentar essa agenda e o status quo.

O establishment democrata, que é essa segunda alternativa, não tem conseguido apresentar uma política que inspire ou motive as pessoas a lutar por melhorias reais em suas vidas. Quando a inflação e os custos de aluguel sobem, tal como agora, as pessoas perdem confiança no sistema político. E é por isso que Zohran venceu: ele apresenta uma política que inspira as pessoas.

Diversos jovens e pessoas que votaram pela primeira vez, pessoas que normalmente não participavam da política em Nova York, empolgaram-se com uma perspectiva de futuro em que eles podem acreditar, uma alternativa real à força da direita. A administração Trump tem realizado inúmeros ataques, inclusive nos municípios. Ter alguém que possa dizer firmemente que vai enfrentar Trump e sua administração é o que entusiasma as pessoas.

Você pode nos contar um pouco sobre a experiência da campanha? Como tem sido a organização de vocês?

Tem sido incrível, no dia a dia, ver o engajamento na campanha. Alexa Avilés, vereadora e membro do DSA com quem eu trabalho, também está concorrendo à reeleição, e foi muito empolgante ver tanta gente panfletando por ela. Unimos jovens que conheceram Zohran com pessoas mais velhas com referência na Alexa, e assim nosso trabalho anterior ajudou a alcançar uma base mais ampla.

Na cidade, tivemos 50 mil voluntários batendo em 1,5 milhão de portas e fazendo milhões de ligações telefônicas. É um movimento dinâmico. Temos o que denominamos “coordenadores de campo”, que geralmente são membros do DSA ou de outras organizações. Eles assumem papéis de liderança e ajudam a integrar voluntários, um enorme número de pessoas participando pela primeira vez de uma campanha política.

Entrei no DSA em 2020 por meio da campanha do Bernie Sanders. Houve muita empolgação naquela época, e frustração quando Joe Biden venceu as prévias. Mas ficou uma sensação de que estávamos construindo algo para o futuro. De fato, acumulamos experiência e iniciativas que agora confluem nessa campanha à prefeitura. Temos atualmente nove parlamentares somando os níveis estadual e municipal. 

Isso se conecta a um momento em que as pessoas sentem insatisfação com a política, especialmente após o último ano e meio testemunhando um genocídio em Gaza.

Tudo isso gerou engajamento na campanha. E muitos também entraram no DSA.

Qual foi o papel do DSA na campanha? Quais lições vocês estão tirando dessa experiência? 

A estrutura da campanha foi construída a partir de campanhas anteriores do DSA. O DSA desempenhou um papel fundamental ao fornecer voluntários para panfletagens e ligações telefônicas, além de assumir posições de liderança.

Uma coalizão de outras organizações também esteve envolvida na campanha, mas o DSA foi a força motriz por trás dela. Zohran é membro do DSA há muito tempo, e foi o DSA que coordenou sua campanha a deputado estadual em 2020.

Há lições a serem tiradas. Uma delas é sobre a importância de arriscar e ousar num momento de tanta insatisfação com a política. Além disso, não ter medo de abraçar emblemas geralmente vistos como “polêmicos”, como a palavra “socialismo” ou o apoio à libertação palestina. Vimos, na verdade, que as pessoas se identificaram com essas mensagens. 

Outra lição importante é o acerto de ter uma plataforma política clara, com eixos programáticos que dialogam com a classe trabalhadora. Por exemplo, tarifa zero nos ônibus, tornar os alimentos mais baratos por meio de mercados públicos, creches gratuitas para todas as famílias, e congelamento dos preços dos aluguéis. Essas são propostas que se conectam com milhões de pessoas, indo além dos jargões técnicos.

O foco está no que pode melhorar a vida das pessoas imediatamente, ou durante um mandato de prefeito, e como podemos trabalhar juntos para alcançar isso.

Que impacto o genocídio de Israel em Gaza e o movimento de solidariedade com a Palestina tiveram na campanha?

A campanha de Zohran gerou muita reação do lobby sionista. Após um ano e meio de genocídio, há um grande desânimo no ativismo em relação a isso.

Houve no ano passado acampamentos nas universidades, mas as administrações universitárias reprimiram os estudantes. Na Universidade de Columbia, em NYC, a polícia local foi chamada para reprimir protestos.

A grande mídia ataca os manifestantes e ajuda Trump a perseguir e deportar ativistas da causa Palestina, além de exigir cumplicidade das administrações universitárias. Trump ameaça inclusive cortar financiamento de muitas dessas instituições caso as manifestações continuem.

Muitos dos jovens que votaram em Zohran viveram esse processo pessoalmente ou pelas redes sociais. Eles acompanharam a detenção de Mahmoud Khalil, e assistem às prisões absurdas feitas diariamente pelo ICE e aos horrores que acontecem em Gaza. A maioria dos políticos tem medo de se manifestar sobre isso.

O fato de Zohran ter se pronunciado sobre a crise em Gaza e sobre o financiamento dos Estados Unidos ao genocídio, enquanto vivemos localmente nossa própria crise social, impulsionou sua campanha.

Além disso, a campanha trabalha para abordar o racismo e os crimes de ódio de uma forma ampla e sistêmica. Ainda assim, Zohran tem sido alvo de islamofobia, inclusive por parte de outros representantes eleitos.

Que impacto a vitória de Mamdani nesta corrida primária — e a possível vitória nas eleições para prefeito em novembro — terá na política nos Estados Unidos de Trump?

É difícil prever como Trump vai reagir. Todos os dias fico chocada com o quão horrível e desumana é a sua agenda, especialmente nas questões de imigração.

Ao mesmo tempo, o Partido Democrata não apresenta uma política alternativa. Isso abre um espaço para o desenvolvimento da consciência de classe, com os trabalhadores se identificando com uma campanha de perfil socialista.

Acredito que muitas campanhas progressistas do establishment tentarão adotar parte da linguagem e das mensagens que Zohran usou para atrair votos, mas elas não terão a mesma consequência que Zohran e nós do DAS temos. Teremos que trabalhar para diferenciar esse falso progressismo da política socialista realmente ligada ao movimento.

A direita tentará usar Zohran para avançar sua agenda. Recentemente, tem havido colaboração entre o governo federal e o prefeito de Nova York — será interessante ver como isso se desenrola. Eric Adams, o atual prefeito de NYC, que está concorrendo como independente em novembro, tem se alinhado aos interesses de Trump. O Conselho Municipal entrou com um processo contra Adams por seu plano de apoiar a campanha de deportação de Trump na cidade, instalando o ICE em Rikers Island [onde fica a maior prisão de NYC].

É do interesse de Trump que Adams vença Zohran. Ele tentará fazer de Nova York um exemplo para outras cidades dos EUA. Teremos que criar uma frente [para defender] a rede de serviços, a política e os movimentos da nossa cidade contra essa agenda cada vez mais fascista.

O que a campanha de Mamdani revela sobre os pontos fortes e fracos dos socialistas que se envolvem com política eleitoral?

Muitas pessoas da classe trabalhadora só se conectam com a política durante as eleições, e ainda não se veem como gente que pode participar da política no cotidiano. É importante que usemos as urnas para mobilizar e entusiasmar as pessoas com a política socialista. Fazer campanhas que falem sobre o socialismo sem rodeios e que empolguem nosso movimento, como Zohran fez, é realmente importante para nós.

Usamos as eleições para organizar as pessoas, mostrar a elas uma visão melhor para o futuro e construir consciência de classe. A política eleitoral é uma ferramenta útil para conversar com as pessoas sobre a política socialista, construir poder, aprovar políticas institucionais e enfrentar a extrema direita. Devemos usar essas plataformas para dialogar com as pessoas sobre o que significa uma política socialista e para apresentar uma visão de futuro que vai além de votar no “mal menor”.

Ao mesmo tempo, reconhecemos que Zohran não pode implementar tudo sozinho. O grande poder financeiro continuará atuando após as eleições e será muito difícil implementar sua plataforma política. Ele enfrentará ataques de todos os lados, em todas as suas iniciativas.

Portanto, é preciso encarar esse momento como apenas o primeiro passo para construção de um amplo movimento, que apoie as ideias defendidas pela campanha.


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