A revolução não será televisionada!
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A revolução não será televisionada!

Após 52 anos, o hip hop e sua história nos ajudam a compreender a importância da cultura como meio de organização social, sua disputa e suas contradições no capitalismo

Alef Lopes e Igor Bastos Dias 22 ago 2025, 09:19

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Via Juntos!

Aos 52 Anos da Cultura Hip-Hop

Há cerca de 52 anos, nos escombros do bairro do Bronx, em Nova Iorque, nascia das mãos de jovens periféricos uma cultura que hoje se tornou central nas disputas culturais globais. Mais que isso: o hip-hop salvou vidas e se consolidou como a principal forma de expressão artística de jovens como eu.

Parabéns ao hip-hop!

Hoje, quero caminhar com vocês pela sua história, mas também refletir: como o hip-hop, sua evolução e suas contradições — ao se tornar um fenômeno de massa — nos ajudam a pensar a disputa cultural que precisamos travar para construir um novo projeto de mundo?

O Bronx em Chamas: Racismo Estrutural nos Anos 70

Até no lixão nasce flor.

O cenário social onde nasce a cultura hip-hop tinha como marcas o abandono público e o racismo estrutural contra negros e porto-riquenhos. Jovens sem perspectiva de futuro se organizavam em gangues, brigando por reconhecimento e pertencimento.

O Bronx estava literalmente em chamas. Proprietários, diante da desvalorização causada pela violência e pelo abandono do Estado, pagavam gangues para incendiar prédios e receber o dinheiro do seguro. Famílias que já tinham sido abandonadas pelo poder público perdiam também suas casas.

Era um ciclo cruel de violência, segregação e desigualdade. O capitalismo seguia escolhendo o lucro acima da vida. Mas o que ele nunca soube calcular foi a força que nasce da organização popular e da disposição de resistir de quem é condenado a sobreviver à margem.

A Cultura que Brota da Periferia

Nos anos 70, diversas manifestações culturais começaram a emergir nas ruas do Bronx.

Os mesmos jovens que formavam gangues também se reuniam em praças e quadras de basquete para ouvir James Brown, ícone da música negra norte-americana. Inspirados em seus passos de dança e mesclando influências latinas como a salsa, criaram seus próprios movimentos. Assim surgiram os B-Boys e as B-Girls, que batalhavam nas ruas e nas festas, transformando o break em resistência.

Enquanto isso, os trens do metrô eram tomados por cores e nomes. As “tags” e o grafite surgiam como uma forma de afirmar existência em um espaço que negava a periferia. Se a cidade fingia que eles não existiam, eles responderam estampando seus nomes em cada canto.

Mas os elementos que levariam o hip-hop a se expandir pelo mundo foram dois: os DJs e o rap.

Está no Ar a Voz da Revolução

Clive Campbell, o DJ Kool Herc, imigrante jamaicano, trouxe em 1973 o conceito dos Sound Systems para o Bronx. Com caixas de som potentes, as festas tomaram as ruas.

Herc também reinventou o papel do DJ: manipulando discos de vinil, criava batidas instrumentais que abriam espaço para os MCs rimarem. Assim nascia o rap: ritmo e poesia, falando de amor, mas também denunciando as dores da juventude negra e periférica.

As festas do Bronx reuniam MCs, DJs, B-Boys, B-Girls e grafiteiros. As ruas antes marcadas pela violência se transformavam em espaço de trégua e convivência. Anos depois, na década de 80, aquele movimento seria batizado: HIP-HOP.

A Organização Coletiva Como Sobrevivência

O hip-hop não eliminou todas as contradições do Bronx, mas abriu alternativas.

Afrika Bambaataa, DJ e liderança local, fundou a Zulu Nation, uma organização que usava a arte para tirar jovens da violência. Através das chamadas “lições infinitas”, discutiam drogas, economia, saúde e consciência social.

A Zulu Nation se espalhou por Nova Iorque, levando a mensagem de que o hip-hop não era só festa, mas também educação, organização e resistência.

Do Bronx ao Mundo

Pouco a pouco, as poesias foram ganhando espaço nas batidas promovidas pelos DJs. O rap nasceu para divertir, mas também para denunciar as mazelas do capitalismo. As batalhas de MCs e DJs se tornaram um espaço criativo e de afastamento da criminalidade.

Na década de 80, surge o gangsta rap, estilo que denunciava a violência policial e a exclusão social. Grupos como o N.W.A. desafiaram o sistema com músicas como Fuck the Police, que chegaram a ser censuradas, mas se tornaram hinos de resistência.

Nos anos 90, o hip-hop já havia se espalhado pelo mundo, inspirando artistas como 2Pac, Nas, Lauryn Hill, Notorious B.I.G. e, no Brasil, Racionais MCs e Facção Central.

Em 1992, os distúrbios em Los Angeles, após o espancamento brutal de Rodney King por policiais que foram inocentados, marcaram a história do movimento. O hip-hop se fez presente, denunciando a violência estrutural contra a população negra.

O Rap e a Lógica Neoliberal

Nas últimas décadas, o rap se tornou pauta central em diferentes partes do mundo. Seja nos Estados Unidos, onde integra a cultura popular, ou no Brasil, onde influencia gerações, o rap ganhou espaço.

Mas junto com o poder midiático, cresceu o risco de que o discurso de resistência fosse engolido pela lógica neoliberal — a mesma que atinge os jovens, negros, latinos e imigrantes que deram origem ao movimento. Parte do rap foi se distanciando de sua raiz política e cultural.

O fenômeno que atravessa o rap é chave para pensar um debate maior: dentro do capitalismo, a tendência é sempre esvaziar a essência das manifestações artísticas. Não é que a arte não possa ser de massa, ou que não deva ocupar os grandes palcos. O problema é quando ela perde sua raiz de expressão livre e passa a ser tratada apenas como mercadoria.

No Brasil, o samba, o funk e o próprio rap nasceram da dor e da resistência da periferia. Mas, em nome da promessa de ascensão individual, hoje vemos até gravadoras do funk apoiando candidaturas de extrema-direita. O abandono do Estado, antes tão explícito no Bronx, reaparece em outra forma: precarização do trabalho, individualismo e cooptação cultural.

Hip-Hop e Socialismo: Cultura Como Disputa

Todo esse contexto mostra que a construção cultural é também uma construção socialista.

O hip-hop nasceu como movimento de resistência ao racismo e ao capitalismo. O samba e o funk, no Brasil, passaram por processos parecidos: criminalização, massificação e contradições internas. Ainda assim, foram — e continuam sendo — expressões fundamentais da resistência da periferia.

Não é possível pensar um projeto de mundo melhor sem colocar a cultura e a arte no centro. Entender, construir e superar as contradições que atravessam a cultura periférica é tarefa essencial para qualquer organização que realmente queira construir um socialismo real.

Porque o hip-hop nos ensina que a arte pode ser arma.E cabe a nós decidir: vamos deixá-la virar mercadoria ou vamos seguir construindo cultura como resistência?


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