Antifascismo, anti-imperialismo e internacionalismo na era Trump
A crise sistêmica global não só se aprofundou, como também se acelerou; o “interregno” gramsciano como “período de surgimento do novo que acaba com o velho” está mais estreito
Muitas questões estão em jogo neste período e na era Trump. A globalização capitalista chegou ao fim e, se sim, em que processo mundial entramos? O neoimperialismo chinês em ascensão poderá, sustentando uma política multilateral, reordenar a economia mundial? Que processos podem ser abertos na América Latina e, especialmente, no Brasil a partir da política de Trump? Surgirão novos governos burgueses independentes do imperialismo? Haverá possibilidades de governos de ruptura com a burguesia, como foi o caso de Chávez e Evo, que superem os progressismos atuais que se conciliam com a burguesia? Como nós, marxistas revolucionários, intervimos na unidade de ação e nas frentes antifascistas e, ao mesmo tempo, construímos uma alternativa anticapitalista? É possível construir novos partidos de influência de massas que superem os progressismos?
É necessário abordar todos os problemas que enfrentamos neste período de muitas incertezas, conscientes de que somente no decorrer dos processos e em um debate aberto é possível montar uma política revolucionária acertada. Os parâmetros que temos de debater são as elaborações do congresso mundial e, a partir daí, projetá-las diante da situação política mundial que se desenvolve com Trump no governo do principal país imperialista. As notas a seguir pretendem ser uma contribuição para isso.
1. A situação mundial se agrava
A crise sistêmica global não só se aprofundou, como também se acelerou; o “interregno” gramsciano como “período de surgimento do novo que acaba com o velho” está mais estreito. Desde que Trump levou a direita neofascista ao poder na principal potência mundial, entramos numa etapa de confrontos mais decisivos, marcada por uma crescente desordem internacional — guerras, divisão da burguesia mundial, choques políticos e econômicos, novas intervenções imperialistas, por um lado, e, por outro, a provável multiplicação de lutas de resistência, mobilizações sociais antifascistas, anti-imperialistas e populares.
A disjuntiva “socialismo ou barbárie” aparece hoje com mais força. O neofascismo tornou-se uma ameaça comparável, até superior, ao nazifascismo de cem anos atrás. Suas expressões mais dramáticas são o genocídio em Gaza — que comove o mundo cada vez mais — e o negacionismo científico que empurra para o colapso climático e a possibilidade do fim da humanidade. O neofascismo e, mais especificamente, o neofascismo imperialista de Trump, são o principal inimigo dos trabalhadores e dos povos em escala mundial, e a tarefa histórica é derrotá-lo. Uma vitória contundente sobre ele só será possível por meio da mobilização operária e popular, com novas rebeliões, insurreições e revoluções.
2. Diferenças entre fascismo e neofascismo
Para entendermos a nova forma de fascismo, é bom responder a duas perguntas: O que diferencia o fascismo clássico de Hitler e Mussolini do neofascismo atual? E como chegamos a essa nova forma de fascismo cem anos depois?
O fascismo clássico foi a resposta de setores da grande burguesia a situações revolucionárias. Com o apoio de uma pequena burguesia desesperada em meio a crises agudas, enfrentou a classe trabalhadora com milícias e forças como a Gestapo, que utilizaram métodos de guerra civil. Triunfou em contextos de desgaste dos processos revolucionários, impondo derrotas históricas ao proletariado e seus aliados por mediante uma contrarrevolução. Esses regimes conseguiram reativar temporariamente algumas economias nacionais até a catástrofe da Segunda Guerra Mundial.
O neofascismo atual surge num contexto diferente: a crise capitalista tornou-se crônica e combina múltiplas dimensões — social, económica (estagnação e endividamento permanente), ecológica, política (dos regimes democráticos burgueses) e geopolítica global, com o confronto entre o imperialismo em declínio dos EUA e o neoimperialismo ascendente da China. Esta crise, em meio a uma concentração de capitais e riqueza como nunca existiu, gera uma série de processos profundos que se expressam de múltiplas maneiras: ondas massivas de imigrantes das guerras, das catástrofes climáticas e da fome, aumento da desigualdade e da pobreza. O genocídio de Gaza e as catástrofes climáticas são os mais visíveis.
A debilidade organizativa e programática da classe trabalhadora amplifica esta crise. A burguesia em todo o mundo precisa aplicar contrarreformas econômicas permanentes e, para isso, requer regimes cada vez mais autoritários. Um setor desta burguesia — que inclui os poderosos da big techs, os monopólios dos combustíveis fósseis — assume o neofascismo apoiando-se em camadas da pequena burguesia e setores de trabalhadores. Como diz Bellamy Foster: “… a doutrina Trump está enraizada em novos alinhamentos de classe associados ao neofascismo do MAGA e suas estreitas conexões — ainda contraditórias – com a classe multimilionária, particularmente nos setores de alta tecnologia – big techs – e petróleo. A base de classe do fascismo na teoria marxista reside sempre em uma aliança entre o capital monopolista e uma classe/estrato médio-baixo”.
Diferente do fascismo clássico, o neofascismo não surge de derrotas revolucionárias, mas de dentro do regime democrático-burguês por meio de eleições e abre situações reacionárias. Isso o torna mais instável do que o fascismo anterior. O caso das recentes eleições argentinas na maior província (40% do país) é ilustrativo. O governo de Milei acaba de sofrer uma derrota esmagadora na principal província do país, que reúne cerca de 40% da população. Ou seja, provoca reações de todo o tipo porque não há derrotas históricas. Se antes o fascismo se apoiava em milícias armadas para esmagar as organizações operárias, hoje, além da aplicação de medidas autoritárias e repressivas que restringem as liberdades e atacam as organizações de classe, conta com uma arma mais sofisticada: as milícias digitais, capazes de colonizar consciências em escala massiva.
Ainda que o fascismo como ideologia nunca tenha desaparecido após 1945, ele recuperou força e se transformou em uma ameaça presente e estrutural com o novo período aberto com o crash financeiro de 2008, a crise de superprodução e a recessão ou estagnação que se seguiu.
3. Uma periodização esquemática que explica o neofascismo
-Após a Segunda Guerra Mundial: a derrota do fascismo e a destruição das forças produtivas no conflito abriram um período de boom econômico, produto da reconstrução. Esse ciclo, acompanhado pela ascensão operária, obrigou a burguesia a conceder melhorias sociais: o chamado Estado de bem-estar social, concentrado nos Estados Unidos, Europa e países imperialistas, com impacto também na URSS e nos Estados operários burocratizados.
-Crise dos anos 70: o fim do aumento permanente das taxas de lucro e acumulação nos chamados “30 anos gloriosos” (aproximadamente 1945-1975) tornou-se evidente com a crise de superprodução do final dos anos 60, com a crise do petróleo de 1973 e o abandono do padrão-ouro pelos EUA em 1979. A globalização neoliberal começa com a resposta do capital, a partir de Reagan e Thatcher. Foram a desregulamentação financeira, com planos de ajuste brutais, privatizações generalizadas. Neste período, há uma transferência da indústria para a Ásia e, em especial, para a China, devido à mão de obra mais barata. O neoliberalismo – além das privatizações – caracterizou-se pelo que Nahuel Moreno definiu como uma “contrarrevolução econômica permanente”. A restauração capitalista nos Estados operários degenerados (seja por colapso, como o da URSS, seja controlada de cima, como na China) foi parte essencial do redesenho neoliberal do mundo, que trouxe o que chamamos de globalização capitalista. No entanto, não se abriu um processo de crescimento económico, houve um forte aumento da concentração de riqueza e da desigualdade crescente, mantendo-se o baixo crescimento do sistema (com as exceções dos tigres desenvolvimentistas e da China). A globalização e revolução tecnológica no marco da mundialização do capital e a interconexão produtiva e financeira pela via digital definiram novas características econômico-sociais da nova fase imperialista. Mas o crescimento económico continuou abaixo do necessário para o aumento seguro da acumulação. A especulação financeira dominou o período, gerando bolhas, como a de 1987, os crashes russo e asiático nos anos 90, a crise das “ponto com” (2000) e a crise hipotecária nos EUA, que desencadeou a falência de bancos e corretoras em 2008. Com Clinton e Obama, continuaram os ajustes permanentes, agora combinados com concessões parciais às pautas da diversidade (feminismo, movimento LGBTQIAPN+ e, em menor medida, à luta antirracista). Essas conquistas foram arrancadas por mobilizações sociais: a nova onda feminista, as lutas LGBTQIAPN+ e a revolta negra após o assassinato de George Floyd.
-2008 marca o início de um novo período histórico; desde então, o capitalismo entrou numa crise crônica e multidimensional: econômica, social, ecológica e política. O mundo tornou-se mais caótico, com guerras (Ucrânia, Gaza, Sudão, República Democrática do Congo, Mianmar), fome e migrações em massa, enquanto as mudanças climáticas assolam todas as regiões do mundo. O desenvolvimento das forças produtivas ocorre, contraditoriamente, às custas do militarismo, da destruição e da morte, tornando-as forças cada vez mais destrutivas.
O neofascismo cresceu neste cenário, não só pelas múltiplas crises, mas pela combinação delas com a debilidade do movimento operário e das massas após a queda do “socialismo real’. Como Roberto Robaina aponta no seu último livro, o fascismo sempre existiu, é uma corrente estrutural, mas reconquistou peso na burguesia, em setores das massas e nas instituições neste período.
Por quê? A burguesia precisa cada vez mais do autoritarismo para aplicar sua contrarrevolução econômica e enfrentar a desordem mundial: sem cortes nas liberdades, os ajustes não podem ser sustentados; sem autoritarismo, é difícil para as potências imperialistas enfrentarem a desordem mundial. Não é por acaso que existem Trump, Meloni, Putin, Orban, Bukele…
O neofascismo ganhou base social entre os trabalhadores e as classes médias atingidas pela crise, atraídos por lideranças personalistas “antissistema” e por um nacionalismo reacionário que, nos países avançados, se apoia no racismo branco anti-imigrante e, nos países dependentes, na necessidade de figuras autoritárias para colocar ordem no caos social e na falta de segurança.
O outro fator fundamental para o seu crescimento foi o fracasso dos governos dos regimes liberais “democráticos” (sociais-liberais, como diz a IV Internacional) e dos chamados progressismos em muitos países.
Hoje, o neofascismo está nos EUA, se espalha por praticamente todos os países da Europa com força desigual, na Rússia e na Turquia, nas autocracias do Oriente Médio e da América Latina (Milei, Noboa, Bukele, Kast), no Japão (com o Sanseito) e nas Filipinas, articulando-se nos países ocidentais em redes e reuniões internacionais. A China é uma ditadura especial de partido único, um neoimperialismo baseado num capitalismo de Estado sobre o qual nos deteremos mais adiante.
4. O governo Trump: neofascismo e imperialismo neocolonial agressivo
Trump encarna o avanço do novo fascismo global. Pode-se dizer que ele globalizou o neofascismo imperialista ao assumir o poder no Estado mais poderoso do mundo. O seu projeto combina o neofascismo nacional-populista com um imperialismo neocolonialista agressivo, que tenta tirar os EUA da sua decadência.
No plano interno, seu governo caracteriza-se por medidas autoritárias para mudar o regime político. Suas medidas corroem diariamente os direitos democráticos conquistados: perseguição aos que apoiam a Palestina, limpeza étnica contra imigrantes que podem chegar a 400 mil neste ano de mandato, crescente militarização da segurança interna (a política de envolver diretamente as Forças Armadas na segurança interna, como aconteceu em Los Angeles, Washington e agora Chicago), o negacionismo científico e uma política económica subordinada aos interesses das grandes corporações — em particular do núcleo duro fascistoide das big techs, em primeiro lugar, que fecharam um acordo muito estreito com Trump, as criptofinanças, o capital extrativista e energético. O parlamento aprovou a lei orçamental que isenta os ricos de impostos e corta o financiamento de programas sociais fundamentais. Embora o seu estilo pessoal possa parecer improvisado e errático, sua política — com contradições que analisaremos mais adiante — avança com uma lógica já definida.
5. Uma política externa agressiva que desorganiza ainda mais a ordem mundial.
No plano internacional, a política de Trump mantém o objetivo de fundo dos seus antecessores: recuperar a hegemonia imperialista frente à ascensão da China. No entanto, introduz uma mudança qualitativa: uma estratégia muito mais agressiva e disruptiva, que rompe acordos internacionais e organismos multilaterais (Acordo de Paris, OMS, OMC, UNESCO, entre outros) com tarifaços que ameaçam desorganizar as cadeias globais, com ingerência política como no Brasil e militar no Irã com os bombardeios às instalações de enriquecimento de urânio e agora na Venezuela.
Seu apoio incondicional ao genocídio e à limpeza étnica de Netanyahu na Palestina, o uso do protecionismo tarifário como chantagem, as delirantes aspirações expansionistas (anexar a Groenlândia, controlar o canal do Panamá ou integrar o Canadá como estado dos EUA), seu plano de recolonizar Gaza administrada pelos EUA, mostram o caráter imperialista agressivo e recolonizador de seu projeto. Apesar da imprevisibilidade das suas táticas, seu espírito imperial megalomaníaco prevê um futuro cada vez mais destrutivo.
Ao apoiar Israel, avançou na destruição de Gaza e no enfraquecimento dos aliados do Irã no Oriente Médio. Os bombardeamentos seletivos contra o Irã podem ser o primeiro passo para outras intervenções mais diretas. Ao mesmo tempo, revelam as dificuldades dos EUA em lançar invasões terrestres ao estilo das realizadas sob os governos de Bush pai e filho. Não está descartado, no entanto, que recorra a novas formas de intervenção militar mais ou menos seletivas, como contra a Venezuela, hoje sob ameaça direta de uma intervenção cirúrgica ou um bloqueio apoiado em novas formas de guerra híbrida.
É muito difícil prever até onde irá a política de Trump. Na guerra da Ucrânia, Trump começou favorecendo Putin, enfraquecendo Zelensky e a União Europeia, aliada histórica dos EUA, sem que se chegasse a um pacto de paz por enquanto. O que existe após a cúpula com Putin é um recrudescimento da ofensiva do imperialismo russo. A política protecionista de tarifas aduaneiras gerou mais contradições interimperialistas e com todos os países e, consequentemente, mais desordem no domínio mundial. O genocídio em Gaza está provocando a rejeição não apenas das massas, mas também de importantes setores da intelectualidade mundial, de instituições mundiais e até mesmo de governos de forma muito desigual, destacando-se sobretudo a cumplicidade dos governos europeus e o silêncio da China e da Rússia. Sua política protecionista e de redução de impostos para os ricos acentua a desigualdade e ameaça os EUA com inflação e estagnação econômica. Sua política repressiva contra os imigrantes começa a provocar rejeição das suas próprias bases. Por isso cresce o descontentamento entre os trabalhadores e a classe média, como continua a existir na própria burguesia do seu país. Seu destino final dependerá da reação e mobilização em seu país e, nesse sentido, as eleições intercalares serão uma instância importante para medir essa reação.
6. Divisão na burguesia americana e a burguesia mundial
A disputa entre os EUA e a China está no centro das múltiplas contradições que se expressam numa desordem mundial. Trata-se de uma disputa entre um imperialismo decadente e outro emergente. Em seguida vamos nos deter em algumas das características do capitalismo de estado chinês, suas possibilidades de realinhar ou atrair países e setores burgueses e continuar crescendo como um concorrente que se apresenta como reorganizador da economia multilateral e da ordem mundial.
A burguesia ocidental europeia também sofre o ascenso do fascismo e está dividida. Embora, em geral, precise de mais autoritarismo para executar as políticas de ajuste, setores importantes do capital continuam a defender a globalização, o multilateralismo e os regimes burgueses. A resistência desse setor burguês está, no entanto, enfraquecida porque a crise exige governos burgueses de mão dura e, por isso, precisa ceder à extrema direita. Van der Leyden na UE e Macron na França são exemplos dessa necessidade que se apresenta em outros países à medida que a extrema direita cresce. Os governos das democracias neoliberais, com as suas políticas de ajuste, criam decepção nas massas e pavimentam o caminho para o neofascismo. Mas, ao mesmo tempo, as contradições interburguesas são fundamentais para a política de enfrentamento ao fascismo. Porque abrem brechas para que se expresse a mobilização popular, os levantes populares e dos trabalhadores, que, como sabemos são a única forma de enfrentar consequentemente o neofascismo. No caso da França, fortaleceram uma Frente Popular com um programa progressista e a France Insoumise como porta-voz deste.
7. A ascensão da China e o seu papel
Como já dissemos, a polarização mundial tem o seu centro no confronto crescente pela liderança mundial entre os EUA e a China. Por isso é tão importante definir o que é a China e quais as características do seu papel de imperialista emergente. O choque com os EUA não é apenas comercial, mas estrutural: ambos disputam mercados, tecnologia e zonas de influência.
A maioria das análises marxistas considera corretamente a China como um capitalismo de Estado com um regime burocrático ditatorial de partido único. O Partido Comunista e o aparato estatal controlam diretamente setores estratégicos (energia, transportes, bancos, telecomunicações, armamento). O Estado planeja e regula, em função da acumulação de capital, com uma lógica de concorrência global e busca de lucros, extraindo a mais-valia da exploração dos trabalhadores no seu país, da burguesia chinesa que convive com a burocracia e das empresas estrangeiras que também fabricam na China, como Apple e Tesla. Estima-se que aproximadamente metade do PIB provenha de empresas privadas e joint ventures, muitas delas integradas em cadeias de valor globais. O Estado mantém o controle em setores-chave, mas permite e incentiva um forte empreendedorismo nacional (Alibaba, Huawei, etc.). Daí que se assemelhe a um modelo híbrido: forte intervenção estatal, mas num quadro onde domina a lógica capitalista de mercado, a lei do valor e a acumulação por mais-valia. A China é hoje a segunda economia mundial em termos de PIB nominal e a primeira em paridade de poder de compra. Seus grandes conglomerados estatais e privados (Huawei, Sinopec, Tencent, Alibaba, BYD, etc.) estão entre as maiores empresas globais. Houve uma forte concentração de capital em bancos, indústrias estratégicas e megaprojetos, e há uma forte disputa em tecnologias de ponta, inteligência artificial, energias renováveis, etc.
Portanto, a China é um imperialismo emergente ou neoimperialismo; passou de um país semiperiférico a um centro de acumulação de capital que exporta investimentos, controla mercados, estabelece relações desiguais com países dependentes e disputa a hegemonia mundial, todas características da etapa imperialista definida por Lenin. Embora não tenha o domínio global dos EUA, imperialismo que possui cerca de 800 bases militares no mundo, avança para um papel cada vez mais de disputa imperial no quadro da desordem global provocada pela administração Trump. Por enquanto, sob formas diferentes do imperialismo ocidental, mais centrado em investimento e infraestrutura do que em intervenções militares abertas. De qualquer forma, a China aumenta a sua presença militar, embora mais limitada do que os EUA, com uma base militar em Djibouti, patrulhas navais no Índico e no Pacífico, com uma modernização acelerada da sua marinha e força aérea, defendendo a sua zona de influência (Mar da China Meridional, Taiwan, Paquistão, África). Sua última ostentação armamentista no desfile militar com Putin e Kim é mais uma demonstração de suas intenções militares.
A China exporta capital financeiro e mantém relações imperialistas com os países dependentes. Muitos projetos chineses reproduzem a lógica extrativista de um imperialismo de desapropriação e extrativista em grandes investimentos mineiros, em petróleo, cobre, lítio. Beneficia-se com a geração de intercâmbios imperialistas assimétricos. Ao mesmo tempo, extrai mais-valia das fábricas instaladas especialmente no México e no Brasil, e os seus empréstimos económicos aos países são feitos com os juros do mercado mundial, criando assim dívidas e subordinação financeira.
China e os BRICS. Os BRICS não são uma representação do Sul global frente ao imperialismo; são muito diferentes do terceiro-mundismo dos não alinhados da década de 60. Nem uma palavra da China, Rússia e Índia sobre o genocídio de Gaza. Como diz o texto de Zé Correa, “se fortaleceram como uma rede difusa de interesses nacionais pragmáticos, impulsionados por classes capitalistas que têm crescido mais rapidamente do que as do antigo núcleo EUA-Europa-Japão coordenado por Washington. Essa é a razão da enorme hostilidade de Trump em relação aos BRICS”. Quem mais se beneficiou com os BRICS foi o neoimperialismo chinês. Agora, se o eixo China-Rússia-Índia (esta última atingida pela tarifa de Trump) se consolidar, esse bloco reunido há alguns dias em Saigon se transformará numa força política e econômica de enorme importância na disputa com os EUA. Fica demonstrado que a política externa de Trump não faz mais do que criar novas oportunidades para a China e sua aliança estratégica com a Rússia e, possivelmente, com a Índia. Uma parte da burguesia brasileira exportadora de matérias-primas avança cada vez mais nessa direção.
8. Nesta nova situação mundial, cresce a resistência e a consciência anti-imperialista
A nível mundial, desenvolve-se um processo de resistência crescente ao neofascismo, com raízes profundas que vão além do mal-estar social conjuntural que a imprensa burguesa costuma apontar. Trata-se de uma rejeição consciente à política imperialista e neofascista, cujo ponto de ruptura mais visível tem sido a crítica ao genocídio em Gaza.
Gaza é um divisor de águas no movimento de massas. Diante da cumplicidade de grande parte dos países, incluindo a Rússia e a China, e/ou da rejeição passiva, ao genocídio televisionado ao vivo, setores de massas se mobilizam em todo o mundo como ocorreu em países europeus, asiáticos e do mundo árabe. Assim, o genocídio atua como um estopim na consciência, ainda que protagonizado por ações mais de vanguarda, como na América Latina. A Global Sumud Flotilla transformou-se numa ação internacionalista como não víamos há muitos anos. A confluência de mais de 40 países, deputados e personalidades demonstra isso. Os participantes da Flotilha de 44 países mostram esse avanço na consciência de uma vanguarda das massas já disposta à ação internacionalista anti-imperialista. A Flotilha e os movimentos de solidariedade internacional pela Palestina são a expressão de uma vanguarda que se radicaliza e busca saídas fora dos marcos do capitalismo. Greta Thunberg é um símbolo desse impulso juvenil.
Nos EUA, as mobilizações pela Palestina foram um detonador que ampliou a mobilização e essa radicalização na consciência. A mobilização contra o ICE em Los Angeles, do No King, e contra a intervenção do exército em Washington. Uma nova demonstração da mobilização foram os levantes juvenis da Sérvia, a rebelião na Indonésia e agora a juventude do Nepal, dois países onde as mobilizações nas ruas enfrentam a repressão do governo.
Novos processos políticos estão surgindo em resposta à crise e ao avanço do neofascismo. Um setor das massas decepcionado com a incapacidade do Partido Democrata de enfrentar Trump fez com que isso acontecesse. Nesse marco, figuras como Bernie Sanders e Zohran Mandani (DSA) expressam uma alternativa: este último inclusive conquistou uma vitória eleitoral em Nova Iorque com um programa socialista e de apoio à Palestina. Embora o DSA não seja majoritário, constitui um ponto de partida para um terceiro partido dos trabalhadores.
O fracasso dos progressismos do início do século (Syriza, Podemos), — em grande medida cooptados pela institucionalidade burguesa — abre a possibilidade de que essas novas experiências, ou partidos que ainda mantêm certa independência como o PSOL, se fortaleçam neste novo cenário. Na Inglaterra, surge o novo partido de Jeremy Corbyn; na França, fortaleceu-se o France Insoumise; na África do Sul, uma ruptura com o ANC deu origem a uma nova organização; na Grécia, Zoe Konstantopoulou, ex-presidente do parlamento no governo de Tsipras, fundou um novo partido e certamente veremos um processo mais amplo de novos partidos de esquerda. Na situação atual, esses partidos ou movimentos políticos podem adquirir mais a forma de partidos anti-imperialistas e anticapitalistas. No PSOL também se abre uma oportunidade para enfraquecer os matizes reformistas.
Não será um processo linear nem simples, mas as condições para que, no âmbito da luta contra o neofascismo, possam ser construídas alternativas anti-imperialistas, anticapitalistas e ecossocialistas estão dadas.
9. A luta contra o imperialismo na América Latina.
A posição na disputa entre os EUA e a China.
Os países da América Latina, de forma desigual, continuam sendo países dependentes, semicoloniais, que sofrem com a opressão imperialista. Tradicionalmente, era o quintal do Tio Sam, mas há duas décadas o neoimperialismo chinês passou a ser um concorrente importante. De acordo com dados da CEPAL (cepal.org), o Investimento Estrangeiro Direto (IED) total na América Latina e no Caribe foi de 188,962 bilhões de dólares em 2024. Desse total, os Estados Unidos representaram 38% do IED em 2024 e, em contraste, a China atingiu apenas 2% desse fluxo de investimento. A CEPAL esclarece no seu relatório que o valor atribuído à China pode estar subestimado, uma vez que muitos fundos chineses chegam através de países terceiros ou por meio de contratos que não são formalmente registrados como IED (cepal.org). Eles não são contabilizados como IED clássico, pois entram por meio de países terceiros, contratos, concessões ou compra de ativos cepal.org. O montante real dos investimentos chineses poderia ser muito maior se considerarmos empréstimos, financiamentos sem registro de IED e acordos estratégicos (como portos, energia, telecomunicações).
Os EUA têm hegemonia em investimento privado direto (especialmente no México, Caribe e América Central) e mantêm a hegemonia em investimentos diretos formais e comércio com o México e o Caribe. A China tem hegemonia em financiamento estatal, infraestrutura estratégica e recursos naturais. China: passa de marginal em 2000 a segundo parceiro comercial global da AL em 2025, com protagonismo em infraestrutura, energia, mineração e tecnologia. Assim, a conclusão extraída dos dados da CEPAL é que o mapa económico se tornou dual: América do Norte (México, Caribe, América Central) mais ligada aos EUA; América do Sul (Brasil, Argentina, Chile, Peru) cada vez mais interdependente da China. Os dois significam que a América do Sul continua essencialmente na divisão mundial do trabalho de exportação de matérias-primas.
Esta disputa entre potências dá margem à burguesia, especialmente a da América do Sul, para ter opções político-econômicas. Os setores burgueses que tentam uma política mais independente dos EUA têm margem de manobra através da China. Margens que não significam um desenvolvimento independente, mas sim para manobrar diante da pressão do imperialismo dos EUA.
A ingerência imperialista de Trump na América Latina e dos seus aliados neofascistas nacionais é o principal inimigo.
O imperialismo ianque tem a necessidade de uma política mais agressiva em relação à América Latina e, em especial, à América do Sul, face ao avanço chinês, e para isso conta com os governos neofascistas que parecem ser seus súbditos. Esta situação transforma a luta antifascista também em anti-imperialista.
Os movimentos intervencionistas de Trump nos últimos meses – primeiro sobre o Brasil e agora belicistas na Venezuela – não são táticos, mas parecem ser movimentos estratégicos. A Venezuela é a reserva petrolífera mais importante do mundo, com um regime autoritário quase ditatorial enfraquecido perante as massas, o que facilita a atual ofensiva. Por sua vez, no Brasil, o tarifaço tem como objetivo explícito favorecer o seu aliado Bolsonaro e a extrema direita para mudar o regime político. Trata-se da agressão mais grave que o país sofreu desde a intervenção direta no golpe de 64. Trump quer um Milei no país mais importante do continente, rico em recursos minerais, petróleo e biodiversidade. Isso também serve para tentar enfraquecer o BRICs em um de seus elos, a fim de ter força estratégica diante da China.
A burguesia latino-americana é capaz, nesta etapa mundial, de enfrentar o imperialismo?
Ela pode manobrar, tem certa margem de manobra, mas não vai se colocar à frente da ruptura com o imperialismo. Se fizermos uma breve recapitulação, no início do século tivemos uma primeira onda de ascensão com grandes mobilizações e insurreições na Argentina, Equador, Bolívia e Venezuela, que levaram estes dois últimos países à independência política do imperialismo. (Foi também quando ocorreu a ruptura com a tentativa da ALCA). Nesses dois países, houve uma mudança de regime político por meio das constituintes e, por isso, uma ruptura política com as respectivas burguesias. O fato de essa onda não ter se espalhado para outros países, devido à burocratização, às disputas entre caudilhos na Bolívia e à morte de Chávez, estagnou e acabou fazendo retroceder esses processos independentes.
Depois, tivemos uma segunda onda de ascensão revolucionária a partir de 2017-2018 em Porto Rico, Equador, Peru e Chile e, posteriormente, na Colômbia. Nestes dois países, as insurreições populares levaram ao poder novas organizações de esquerda, Petro e Boris (Castillo no Peru foi mais contraditório, não se consolidou no poder). Como parte desse processo de governos progressistas, é preciso acrescentar as vitórias de Lula, Claudia Sheinbaum e, mais recentemente, da Frente Ampla no Uruguai. Há uma diferença importante entre este novo período e o anterior. Nestes últimos casos, os governos emergentes não romperam com as respectivas burguesias e ficaram presos na institucionalidade burguesa ao não promoverem reformas nos regimes políticos. Isso explica que sejam governos de conciliação de classes, com algumas reformas progressistas; as mais avançadas são, sem dúvida, as do governo de Petro, que se apoia na mobilização popular, enquanto os outros ficaram presos e se transformaram em gestores do Estado burguês.
Essa análise descarta a possibilidade do surgimento de governos semelhantes ao de Chávez ou Evo, ou seja, governos que levem seus países a uma posição independente do imperialismo? É uma pergunta difícil de responder e que gera dúvidas, já que um projeto independente é difícil de realizar nesta etapa mundial de dependência tecnológica e financeira de uma das duas potências e de interconexão das cadeias de produção globais. O que pode acontecer é que governos burgueses de conciliação de classes possam conciliar com setores burgueses por um período, apoiando-se no bloco da China. Em geral, as burguesias dos países latino-americanos estão associadas a interesses imperialistas e as maiores corporações têm muito capital investido nos países imperialistas. Por isso, nos parece que somente uma mobilização popular sustentada e uma onda expansiva para outros países e governos radicais, ainda mais radicais do que os de Evo e Chávez, podem surgir, tendo grandes confrontos com o imperialismo ianque. Ou seja, não podemos descartar governos de ruptura mais profunda do que os do início dos anos 2000. Se houver uma nova onda revolucionária e crescerem as alternativas anticapitalistas, essa perspectiva pode se abrir, tal como planejava a Terceira Internacional e, posteriormente, o Programa de Transição.
A luta de classes volta a abrir caminhos
A América Latina entrou em um momento eleitoral que começou com a catastrófica derrota na Bolívia, consequência da divisão-burocratização do MAS e da política do governo Arce. No entanto, posteriormente tivemos a derrota esmagadora de Milei na Argentina, aliado de primeira hora de Trump, que aplica uma política ultra neoliberal e tentava uma mudança de regime. A sua derrota eleitoral é consequência do fato de o seu plano ter começado a afundar-se como consequência da depressão económica, do grande endividamento, dos casos de corrupção do seu governo que prometia acabar com a “casta política” e da rejeição popular com o aumento da fome e da pobreza. Desde que assumiu, o protesto operário e popular manteve-se em primeiro plano e, nas eleições, foi canalizado na província pelo populismo peronista e por um governador que surge como a figura presidencial do peronismo. Kicillof é um governador que utilizou o orçamento da província (que é o maior de todos) para conciliar os seus chefes municipais e, ao contrário de Milei, utilizou-o não só para concessões aos setores empobrecidos, mas também para certas obras de infraestrutura para favorecer os setores burgueses e o campo. Por isso, na eleição, ele também contou com o apoio dos setores industriais médios empobrecidos e dos próprios setores do campo. O fato de o peronismo (também semi-renovado pela candidatura de Grabois) aparecer como alternativa indica a fraqueza da radicalização e a pouca capacidade da FIT de se tornar uma alternativa de massas.
A FIT não fez uma má eleição; mantém o seu peso nos setores urbanos onde a classe trabalhadora tem peso, mas ainda não deu o salto necessário para ser uma alternativa na disputa pelo poder.
A eleição na Argentina indica que a disputa na América Latina está aberta. A instabilidade e a precariedade do governo Milei podem indicar os pontos fracos do neofascismo para se perpetuar no poder (se não ocorrerem derrotas históricas) no continente e a possibilidade e necessidade de construir alternativas anticapitalistas de massas.
Existe a possibilidade de governos anti-imperialistas consistentes? Parece-nos que isso passará objetivamente por uma ascensão revolucionária mais profunda superior ao que houve até agora e pela construção de alternativas anticapitalistas que, por enquanto, estão apenas esboçadas ou não existem. Esse processo radical pode ser construído à medida que a crise avança, e não poderia ser realizado se não se construísse uma alternativa anticapitalista com influência das massas. As perspectivas de governos anticapitalistas – como propõe o manifesto ecossocialista – de uma frente construída através do poder popular são uma tarefa difícil, mas não impossível, e é isso que está em jogo em todos os países. Pode ou não ser alcançado, mas é necessário e o futuro está em aberto.
10. Táticas e estratégias
A derrota do fascismo requer, em muitos casos, uma ampla unidade de ação, incluindo o voto, como foi no Brasil com Lula-Alckmin ou nos EUA quando se votou em Kamala. Unidade de ação significa um acordo explícito ou implícito para uma determinada ação. Pode ser em mobilizações ou eleições. Por exemplo, este é o caso mais provável que se apresentará nas próximas eleições no Brasil. Lula, sem dúvida, irá esboçar pontos progressistas frente à ingerência imperialista de Trump, mas o fará novamente em aliança com setores burgueses, como nas eleições passadas. Ou seja, votaremos em Lula sem apoiar a sua política para derrotar o neofascismo bolsonarista.
Seria diferente se a frente antifascista tivesse um conteúdo programático anti-imperialista. Nesse caso, teríamos mais pontos em comum e poderíamos construir uma relativa organização conjunta para levá-la adiante, como foi o caso do NPA no Novo Frente Popular da França. Defendemos que essa frente na América Latina também seja anti-imperialista, porque a extrema direita que existe nos países dependentes é inteiramente subordinada ao imperialismo dos EUA. Os casos de Milei, Bolsonaro e Bukele mostram a obediência cega e a cópia integral dessa política, inclusive o apoio sinistro ao genocídio em Israel.
A diferença entre unidade de ação em apoio a uma frente ampla democrática e uma frente operária ou antifascista é significativa. Nestes casos, trata-se de organizações e partidos que têm sua origem nos trabalhadores e são independentes dos partidos burgueses. Foi assim, por exemplo, com a frente única antifascista que Trotsky propunha na Alemanha entre o partido socialista e o PC. A frente única antifascista, entendida dessa forma, é uma forma superior de unidade, que implica certo grau de organização comum entre partidos operários ou setores pequeno-burgueses radicalizados.
Em qualquer variante, os revolucionários devem manter total independência política e organizativa. Na unidade de ação, o ponto comum é a necessidade de derrotar a extrema direita. Nas frentes, há um certo programa comum e uma organização comum para levar adiante esses pontos programáticos. Mas em qualquer aliança que fizermos, precisamos ter a nossa organização independente para poder sustentar, diante da crise crónica do capitalismo, um programa anti-imperialista, anticapitalista e ecossocialista.
11. As tarefas e o programa
Como dissemos ao longo do texto, o totalitarismo neofascista, o seu negacionismo e a barbárie em Gaza estão a despertar novas consciências. E que, diante da capitulação ou fraqueza das direções burguesas e pequeno-burguesas, abre-se um espaço para construir alternativas independentes.
Esquematicamente, a esquerda latino-americana está dividida em três posições:
O setor mais reformista acredita que a saída que se abre diante da crise para os latino-americanos é voltar ao desenvolvimento industrial nacional, olhando para o bloco da China como a força aliada que tornará isso possível. Utilizar os BRICS e negociar com eles, usar as moedas nacionais ou construir uma alternativa ao dólar é possível diante da ofensiva ianque. Mas nem a China nem os BRICS são a saída, porque estão longe de ser uma comunidade igualitária entre países, mas sim foram construídos como uma via essencial para a expansão chinesa que já caracterizamos neste texto. Trata-se de posições campistas que, na maioria dos casos, acabam por seguir um caminho reformista. Dentro deste campo estão também as organizações que, formadas na esquerda marxista, na prática convertem a frente única antifascista numa estratégia de apoio quase incondicional aos governos de conciliação de classes, com a justificação de que é a única barreira para deter o fascismo.
Há outro setor vanguardista e ultra que, diante da crise mundial, age essencialmente com propaganda socialista e autoproclamação do partido revolucionário. A realidade demonstra que, na maioria dos casos, esse caminho leva à construção de organizações que acabam se transformando em seitas, grandes ou pequenas. Não podemos desprezar esse setor, porque, em alguns casos, trata-se de organizações novas que surgiram e que caem nessa política como forma de se afirmarem como revolucionárias e anticapitalistas.
Como foi reafirmado no último congresso mundial, continuamos a sustentar que, na maioria dos casos, a construção da organização revolucionária passa por fazer parte de processos mais amplos que já existem e que certamente continuarão a surgir no próximo período. Hoje temos o PSOL, o DSA muito mais dinamizado e menos cristalizado, o que pode ocorrer na Inglaterra com a formação do Novo Partido. A situação mundial vai decantar cada vez mais vanguardas antigas e novas que, fora do reformismo, rompem com a conciliação de classes e buscam um novo rumo. Esses são os processos nos quais temos que participar principalmente para construir lealmente essas alternativas, construindo dentro delas as alas conscientemente socialistas revolucionárias.
Não é fácil construir um programa anticapitalista e ecossocialista que permita conquistar a vanguarda ampla e mobilizar os trabalhadores. O velho modelo socialista fracassou e, diante da crise, é difícil vislumbrar um novo. Como diz o manifesto ecossocialista, o método do programa de transição tem grande atualidade.
Com base nesse método, temos que articular um sistema de consignas que avancem para a ruptura com o capitalismo esgotado. Não é fácil construir um novo modelo econômico para os 99%, mas há consignas que ajudam nisso. A realidade nos dá alguns pontos de partida. Um setor da nossa classe está compreendendo o confronto com o neofascismo e o imperialismo. Slogans de transição, alguns mais tímidos do que outros, foram colocados na ordem do dia, como a tributação dos bilionários, popularizada por Sanders e Mandami, nos EUA (e também presente no Brasil e em outros países); a nacionalização dos bancos sob controle social e dos trabalhadores, medida indispensável para frear a especulação e evitar a fuga de capitais; a auditoria das dívidas públicas; contra o livre comércio, defendemos a nacionalização do comércio exterior; para recuperar o controlo popular sobre o processo de formação de ideias alienado para as grandes empresas tecnológicas americanas, propomos a sua nacionalização; para combater o neo-extractivismo, afirmamos a nacionalização da exploração mineira com controlo popular.
Ao mesmo tempo, é urgente ligar este programa à luta ecossocialista contra o neofascismo e o seu negacionismo científico. O imperialismo e a extrema-direita, com o seu negacionismo climático, guerras e corrida armamentista, ameaçam a vida e a natureza. Trump e os seus aliados são também os principais inimigos do clima. A chamada “transição energética”, impulsionada por setores da burguesia, é uma resposta tímida e enganosa: substitui fontes fósseis por renováveis, mas sem questionar a lógica da acumulação e do consumo ilimitado. Na realidade, trata-se de uma reconversão de negócios, em que as grandes empresas energéticas, mineiras, automotivas e tecnológicas se reposicionam como “verdes”, apropriando-se de subsídios e novos mercados.
A proposta ecossocialista defende o contrário: uma transição energética justa, democrática e planejada, sob controle social e não corporativo, como parte de uma ruptura com o atual modelo capitalista de produção. A construção do nosso programa relaciona as demandas do período, une as mais imediatas, a luta contra o neofascismo, às anti-imperialistas, anticapitalistas e ecossocialistas muito bem colocadas no Manifesto Ecossocialista da IV, nossa organização internacional. Em síntese, somos antifascistas, anti-imperialistas e anticapitalistas e lutamos pelo poder popular dos trabalhadores e do povo para realizar um mundo ecossocialista. Tarefa difícil, mas não impossível.
12. O internacionalismo cresce nesta nova situação
Nossa entrada na Quarta Internacional foi um passo qualitativo para a construção do MES. E é muito significativo que tenha ocorrido às vésperas deste novo momento da luta de classes, de mais tarefas e mais compromissos internacionalistas, num momento em que cresce essa solidariedade internacional como resposta às barbaridades provocadas pelo neofascismo e sua política imperial. Neste momento, o centro da luta internacionalista está em Gaza e, entre as múltiplas manifestações, surge a Global Sumud Flotilla como exemplo internacionalista de solidariedade que une muitas organizações de 44 países, figuras políticas, artistas intelectuais e que, como dizem os três valentes companheiros que nela participam, se impregnam de coragem perante a grande repercussão mundial no meio da escalada sionista que avança no seu intento de limpeza étnica em Gaza. Esta Flotilha resgata a ideia das brigadas internacionais que têm como maior antecedente histórico as que foram criadas na guerra civil e revolução espanhola. É muito provável que, daqui em diante, novas ações internacionalistas, cada vez mais massivas, se repitam e nas quais a IV estará na linha da frente. A nossa tarefa mais imediata é trazer novas organizações para a IV, e este é um caminho que se abre. Certamente, nesse processo, surgirá uma nova internacional de massas, como defende a IV. Mas, para isso, agora é necessário fortalecer a IV para que seja a animadora mais ativa dessa tarefa.
A COP 30, com suas limitações políticas e de infraestrutura, será um novo encontro de internacionalistas ecossocialistas. E a principal atividade no próximo período é a construção da Conferência Antifascista a ser realizada em março em Porto Alegre, (sede dos primeiros Foros Mundiais), convocada pelo PSOL, PT e PCdB do Rio Grande do Sul com o apoio de diversas organizações, incluindo a Quarta Internacional. Nesse esforço, os anti-imperialistas têm a responsabilidade de transformá-la em um grande evento na luta contra o neofascismo e o imperialismo, um primeiro passo em direção a uma nova plataforma internacionalista de luta.