Bolsonaro e os direitos humanos
Para a extrema direita, os direitos humanos não são um princípio ético, mas mero recurso teatral
Foto: Marcos Correa/Reprodução
O fotógrafo Diego Bresani, um dos nomes mais reconhecidos de Brasília em seu ofício, relatou recentemente em seu perfil no Instagram uma experiência que escancara o desprezo de Jair Bolsonaro pelos direitos humanos muito antes de chegar à Presidência da República. Bresani foi contratado por uma revista para fotografar o então deputado federal e, ao chegar para a sessão, testemunhou um episódio revelador: Bolsonaro pediu que ele e sua assistente registrassem uma camiseta recém-produzida, ainda na caixa, onde se lia em letras azuis garrafais: “Direitos Humanos: esterco da vagabundagem”, seguida do endereço de seu site. Ao oferecer a peça à assistente do fotógrafo, que reagiu com repulsa, Bolsonaro riu às gargalhadas, satisfeito com o efeito de choque que lhe era tão caro.

Esse episódio não foi isolado. Durante sua trajetória política, Bolsonaro colecionou declarações e gestos de hostilidade contra o conceito de direitos humanos. Em sua campanha à presidência, prometeu fuzilar adversários, banir militantes de partidos de esquerda e exaltou criminosos ligados à ditadura militar. Quando votou pelo impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, uma mulher que sobreviveu à tortura, dedicou seu voto ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos maiores símbolos da repressão autoritária do regime, saudado por ele como “o terror de Dilma Rousseff”. Em seu gabinete, estampava com orgulho um cartaz que dizia: “quem procura osso é cachorro”, numa agressão direta às famílias que ainda buscavam restos mortais de desaparecidos políticos da ditadura.
Hoje, o mesmo Bolsonaro enfrenta a justiça no maior julgamento de sua vida: responde por participar da tentativa de golpe de Estado que buscou sufocar a democracia brasileira em janeiro de 2023. A investigação da Polícia Federal reuniu provas robustas, o Ministério Público Federal formulou a acusação e o Supremo Tribunal Federal conduz o julgamento. Ao contrário do que Bolsonaro desejou a seus opositores, ele não foi torturado, não corre risco de ser metralhado e não será banido do país. Seu direito à defesa, sua integridade física e legalidade do processo estão plenamente assegurados.
Mesmo diante dessa realidade, vozes de sua base política tentam reverter a lógica dos fatos ao reclamar da ausência de direitos humanos para Bolsonaro. A deputada Bia Kicis fez perguntas retóricas sobre onde estariam esses direitos; a senadora e ex-ministra Damares Alves repetiu o discurso, agora na posição de defensora de um acusado que, ao longo de décadas, desdenhou do tema quando não era ele próprio a depender da igualdade jurídica. Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, o deputado Thiago Manzoni levou à tribuna a mesma retórica acusatória, encenando indignação. Todas essas manifestações demonstram mais uma vez que a defesa dos direitos humanos, para essa ala, não é princípio ético, mas mero recurso teatral.
O paradoxo é evidente: se Bolsonaro e seus aliados tivessem conseguido implantar de fato o regime de exceção que projetavam, não haveria espaço para julgamento legal, contraditório processual, garantias individuais. O Brasil teria assistido a perseguições políticas, prisões arbitrárias e torturas — exatamente aquilo que Bolsonaro prometia em comícios e entrevistas. O que acontece hoje é o contrário: as instituições democráticas aplicam a lei dentro dos marcos constitucionais ao responsabilizar aqueles que atentaram contra a democracia.
Os direitos humanos não são uma licença retórica que pode ser invocada para salvar aliados e negada a inimigos. São uma tradição política, jurídica e filosófica construída ao longo de séculos, a partir da ideia de que todo ser humano, independentemente de quem seja ou do que faça, possui uma dignidade básica que precisa ser respeitada. Quando setores bolsonaristas, que tanto atuaram contra esse legado, agora recorrem a ele como ferramenta de autopreservação política, jogam com cinismo contra a memória histórica e contra o alcance profundo desse conceito.
A grande ironia é que Bolsonaro, agora processado e julgado, pode constatar na prática a força dos direitos humanos que tanto atacou: não para protegê-lo da lei, e sim para garantir que até mesmo um homem que agiu contra eles em toda sua vida política seja julgado com justiça, dignidade e dentro do Estado democrático de direito.