PEC da Blindagem transforma Congresso em bunker contra a Justiça
Aprovada pela Câmara, proposta amplia privilégios de parlamentares e presidentes de partidos, criando um escudo para corruptos e enfraquecendo o combate ao crime
Foto: Lula Marques/Agência Brasil
A Câmara dos Deputados aprovou, na noite de terça-feira (16), a chamada PEC da Blindagem, um retrocesso institucional que ameaça transformar o Congresso em um verdadeiro bunker para proteger parlamentares e presidentes de partidos das investigações da Justiça. A proposta foi aprovada em dois turnos, com 353 votos a 134 no primeiro e 344 a 133 no segundo.
Na prática, a PEC cria obstáculos inéditos para que deputados e senadores respondam por crimes. A partir da mudança, caberá à própria Câmara ou ao Senado decidir se uma ação contra parlamentares poderá ou não ter início no Supremo Tribunal Federal (STF). O texto ainda garante que presidentes de partidos com representação no Congresso, mesmo sem mandato eletivo, passem a ter foro privilegiado, blindando nomes como Valdemar Costa Neto (PL), já condenado no mensalão, e Antonio Rueda (União Brasil).
O relator da proposta, Cláudio Cajado (PP-BA), negou que a medida seja uma forma de autoproteção, mas o resultado prático é cristalino: parlamentares investigados por corrupção e desvio de recursos públicos, como o deputado Elmar Nascimento (União-BA), citado pela Polícia Federal em esquema de fraudes em contratos de obras, podem ser diretamente beneficiados.
Para garantir a votação, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), liberou o registro remoto de votos – medida excepcional que atropelou regras da própria Casa – e mais uma vez adiou a análise da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, prioridade do governo Lula, além de ignorar medidas que beneficiariam milhões de brasileiros, como a ampliação da tarifa social de energia elétrica.
A manobra escancara o pacto de impunidade que une setores do centrão e bolsonaristas. Motta ainda condicionou parte dos votos ao avanço da anistia para os golpistas de 8 de janeiro, consolidando o que já é visto por analistas como um projeto político de autopreservação.
A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) qualificou a PEC como “salvo conduto para cometimento de crimes”.
“É um tapa na cara do Brasil”, resumiu a parlamentar
A reação, no entanto, já começou no Senado. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Otto Alencar (PSD-BA), foi categórico:
“Nunca imaginei que deputados tivessem essa sem-cerimônia. Essa PEC não passa aqui. Não passa de jeito nenhum. Isso é inimaginável”. O senador foi além: “Nós vamos criar para o nosso eleitor também o direito de não responder ao Judiciário? De escolher se quer ou não responder à lei?”.
Se a PEC avançar, o Congresso deixará de ser a Casa do Povo para se tornar um escudo institucional contra a Justiça, blindando poderosos enquanto a maioria da população segue sem direitos básicos. A luta contra esse retrocesso agora está nas mãos do Senado — e da pressão popular para impedir mais um capítulo de impunidade na história política do país.