Dias difíceis para Trump
Três acontecimentos recentes desgastaram o governo Trump, que encarna um projeto de poder neofascista
Estados Unidos Hoje da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco
Política e performance andam lado a lado em se tratando de Donald Trump, que encarna um projeto de poder neofascista. Mas os últimos dias têm sido difíceis para o presidente dos Estados Unidos em sua tentativa permanente de demonstrar poder.
Três acontecimentos recentes desgastaram o governo: as manifestações de 18 de outubro (No Kings), o shutdown (paralisação orçamentária da máquina administrativa) e as eleições de 4 de novembro. Nos dois primeiros casos, os eventos tiveram dimensões inéditas, sendo o No Kings o maior dia isolado de manifestações na história dos Estados Unidos, e o shutdown, de 43 dias, o mais extenso já registrado. Os protestos expuseram uma maioria social de oposição a Trump. Em que pese seu perfil ter sido pouco disruptivo, levaram às ruas milhões de pessoas, movimentando a consciência política média no país e repercutindo no noticiário mundial. Já o shutdown acirrou a percepção negativa sobre o rumo do país e de sua economia. Ele acarretou demissões, atrasos em serviços e interrupção de programas federais, com destaque para o auxílio-alimentação que atende 40 milhões de estadunidenses de baixa renda.
Finalmente, as eleições foram uma clara derrota para o Partido Republicano. Nisso contou não só a vitória exemplar de Zohran Mamdani na cidade de Nova York, mas também os resultados para governador em Nova Jersey e na Virgínia. Na Califórnia, os eleitores aprovaram em plebiscito a reorganização estadual dos distritos eleitorais, favorecendo o Partido Democrata nas próximas eleições de meio de mandato, em contraposição ao que os Republicanos haviam feito no Texas, na Carolina do Norte e no Missouri. Trump pessoalmente reconheceu que as urnas castigaram seu partido.
Com menos de 1 ano de mandato e após um início frenético, agora as coisas parecem mais complicadas para o presidente e seu movimento, denominado MAGA. Medidas de fechamento de regime foram ensaiadas após o assassinato de Charlie Kirk em 10 de setembro, mas não se concretizaram. Mesmo assim, uma série de ações ultrarreacionárias permanece em curso e com desfecho em aberto, a exemplo da intervenção federal em cidades democratas para deportar imigrantes, da perseguição ideológica nas universidades ou contra organizações e movimentos “antifascistas”. Internacionalmente, o espetáculo infame em torno do anúncio da “paz” em Gaza revela inconsistência, e o deslocamento atual do eixo da política externa para a América Latina começa a gerar desgastes, diante das explosões criminosas de barcos em águas internacionais e da ameaça de guerra na Venezuela. Por fim, de volta ao cenário interno, novos documentos no caso Jeffrey Epstein foram revelados, potencialmente comprometedores para Trump.
Conforme Neal Meyer analisou recentemente (https://www.left-notes.com/p/trump-and-maga-are-down-but-not-out), o movimento MAGA sofre abalos, mas ele não cairá de maduro. E uma das contradições do momento político é a incapacidade do establishment do Partido Democrata de apresentar saídas reais para a crise do país.
Por isso, deve-se olhar com especial atenção para o que acontece à margem desse establishment, inclusive nas eleições. Em 4 de novembro, não foi apenas Zohran Mamdani em Nova York que venceu e surpreendeu o mundo político. Em Seattle (maior cidade do estado de Washington), confirmou-se a vitória de Katie Wilson à prefeitura. Assim como Zohran, ela é membro do Democratic Socialists of America (DSA) e derrotou o atual prefeito do Partido Democrata. Em Minneapolis, terra de George Floyd, o candidato do DSA, Omar Fateh, alcançou 44% dos votos e terminou em segundo. Mais de um membro do DSA foi eleito para a Câmara de Vereadores, mesmo fenômeno que aconteceu em outras cidades grandes, como Atlanta (Georgia) e Detroit (Michigan), além de municípios menores. Em Portland (Oregon), no final de 2024, o DSA conquistou 1/3 do total das cadeiras da Câmara de Vereadores.
Esses fatos demonstram espaço para uma política radical nos Estados Unidos, embora o peso conservador do sistema bipartidário se faça presente e atue para cooptar os independentes. Para aproveitar a janela de oportunidades e acumular para a derrota de Trump, é preciso desenvolver esse polo, cuja expressão mais avançada encontra-se no DSA.
O DSA, por sua vez, enquanto governa cidades pela primeira vez, tem o desafio de lidar com a contradição de atuar como um movimento semelhante a um partido, sem ser de fato um partido. É papel primordial da organização fomentar o mais amplo movimento anti-Trump nos Estados Unidos, inclusive nas eleições de 2026. Mas ao mesmo tempo, os socialistas democráticos estadunidenses devem refletir e aprimorar sua estratégia própria de poder e o seu programa, sem os quais até os mais dinâmicos movimentos populares terminam cooptados pelo Estado burguês e seus tentáculos.
O avanço contínuo de uma experiência radical de esquerda no coração do imperialismo é, sem dúvida, o maior temor da extrema-direita e dos bilionários. Já o sucesso da prefeitura de Zohran Mamdani, o fortalecimento das lutas e a consolidação de um projeto político baseado na independência de classe e na radicalidade — esses são os vetores que alimentam a esperança daqueles que querem derrotar Trump e construir dias melhores.