Professora Ângela fica!
Denúncia aceita por comissão da Câmara Municipal de Curitiba pode cassar o mandato da Professora Ângela (PSOL), após debate legítimo sobre redução de danos tornar-se alvo de retaliação institucional
Foto: Felipe Roehrig/Divulgação
A vereadora Professora Ângela (PSOL) vê seu mandato sob grave risco no município de Curitiba, em um episódio que denuncia o avanço de retaliações políticas contra agentes que buscam ampliar o debate democrático sobre saúde, justiça e direitos humanos. Na última quarta-feira (12), a Comissão Processante da Câmara Municipal de Curitiba aceitou a denúncia por quebra de decoro parlamentar contra Ângela, encaminhando ao plenário um Processo Ético-Disciplinar (PED) que pode levar à cassação de seu mandato.
A origem do processo foi a apresentação, em 5 de agosto, durante audiência pública na Câmara, de uma cartilha sobre a política de redução de danos ao uso de drogas – incluindo substâncias como maconha, cocaína e ecstasy – elaborada pelo mandato da vereadora. O material, segundo a defesa, tinha caráter educativo, voltado para profissionais de saúde, assistência social e segurança pública, e para usuários adultos.
No entanto, parlamentares conservadores apontaram o conteúdo como apologia ao uso de drogas. O vereador Da Costa (União Brasil) classificou a cartilha como “gravíssima e deplorável”, afirmando ter lido trechos como “conheça a substância e inicie em pequenas quantidades” – supostas orientações sobre LSD no material.
Os relatores da comissão, entre eles o vereador Olimpio Araújo Júnior (PL) como relator, decidiram pela admissibilidade da denúncia. Outros membros que acompanharam o parecer foram Renan Ceschin (Podemos) e Zezinho Sabará (PSD).
A defesa da vereadora aponta que o processo é marcado por falhas e motivações políticas. Em suas alegações finais, manifestadas em 21 de outubro, a defesa argumentou que o rito da comissão possui “inconsistências jurídicas”, que o processo não deveria substituir o Ministério Público nem servir como instrumento de “disputa ideológica”.
Para Ângela, “a Política de Redução de Danos é séria, reconhecida mundialmente e orientada pelo SUS”.
A própria parlamentar afirmou:
“Não há nada de ilegal ou de quebra de decoro em trazer debates como esse para dentro desta Casa”.
Mas o episódio expõe, na visão de setores da esquerda, como pautas de direitos – sobretudo ligadas à saúde pública, à autonomia e à crítica ao modelo punitivo – podem ser transformadas em alvo de perseguições institucionais. O fato de o Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas (CONESD-PR) ter aprovado, em agosto, uma “Nota de Repúdio” à cartilha, por “não alinhamento às diretrizes do Plano Estadual de Políticas sobre Drogas”, reforça o ambiente de cerco político.
O que está em jogo vai além de uma disputa interna na Câmara de Curitiba. Trata-se da liberdade de expressão parlamentar, da autonomia de mandato e do espaço para debater políticas progressistas de saúde pública em um cenário que prefere criminalização, estigmatização e censura. Quando o simples ato de distribuir material educativo – ainda que controverso – passa a ser tratado como motivo para cassação de mandato, abre-se um precedente perigoso para a democracia local.
Além disso, há o risco de seletividade política: ao passo que eventos organizados por vozes conservadoras ou pela extrema direita seguem sem viveiros institucionais equivalentes, a vereadora da esquerda é submetida a processo de cassação por exercer seu mandato e propor pauta de transformação.
A vereadora agora aguarda a votação em plenário da Câmara, cujo agendamento depende do presidente da mesa, Tico Kuzma (PSD). Ainda não foi marcada data para a deliberação.
No Brasil contemporâneo, em que a extrema direita recupera espaços institucionais e a crítica às políticas proibicionistas é tratada com hostilidade, o caso de Professora Ângela assume contornos simbólicos. É um alerta para todos que defendem que o parlamento – e não apenas os tribunais ou o Executivo — seja um espaço de disputa de ideias, sobretudo aquelas que questionam privilégios, castigos e estigmas.
Quem acompanha o episódio deve ficar atento: trata-se de uma vereadora eleita que, ao invés de ser avaliada por sua obra ou propostas de mandato, enfrenta ameaça de cassação por incômodo político — e não pela prática de crime definido. A aproximação de saúde, direitos humanos e políticas sociais, quando posta em cena, parece continuar incomodando o poder conservador. É hora de mobilização em todos os níveis para defender o mandato da Professora Ângela!