Só o povo nas ruas pode barrar a Lei da Devastação
Lei da Devastação consolida retrocessos ambientais inéditos em quatro décadas e mostra que só a mobilização popular pode barrar o colapso
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
A tramitação do Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, que culminou na sanção da Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025), demonstra a incapacidade de enfrentamento dos desafios impostos pela crise climática a partir dos meios de ação dispostos na atual forma de gestão do capitalismo brasileiro.
O objetivo desse texto é trazer reflexões, explorando a forma como o setor empresarial pressiona por desregulação ambiental em um momento de crise climática e como a opção do governo por vetos parciais numa tentativa ilusória de conciliação reforça a lógica do capital, enquanto o Congresso, expressão direta dos interesses dos que lucram com a devastação ambiental, impõe sua agenda.
Três movimentos recentes marcaram a tramitação desse projeto de lei que, originado como PL 3.729/2004, circula no congresso há 21 anos buscando sua concretização: (i) a proposta original de alteração da legislação ambiental; (ii) os vetos parciais do Executivo; e (iii) a derrubada da maioria dos vetos pelo Congresso, restaurando quase integralmente o texto original. Essa sequência revela uma disputa mediada pelo Estado, onde os interesses econômicos prevalecem sobre os da coletividade e sobre o consenso científico.
O PL 2.159/2021, originado como PL 3.729/2004, foi apresentado com o objetivo de criar uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental, regulamentando o art. 225 da Constituição Federal. A proposta buscava uniformizar regras para concessão de licenças ambientais em todo o país, mas trouxe dispositivos que eliminam significativamente o controle ambiental. Entre os pontos mais polêmicos do texto original aprovado pelo Congresso destacam-se:
- Dispensa de licenciamento para diversas atividades agropecuárias e obras consideradas de baixo impacto, sem análise técnica prévia.
- Licença por Adesão e Compromisso (LAC): modalidade baseada em autodeclaração do empreendedor, permitindo licenciamento simplificado inclusive para empreendimentos de médio impacto.
- Licença Ambiental Especial (LAE): criada para projetos estratégicos, com possibilidade de emissão em fase única, concentrando poder decisório no Conselho de Governo.
- Transferência ampla de competência para estados e municípios definirem critérios de licenciamento, sem padrões nacionais mínimos.
- Redução da participação social e restrição à consulta de comunidades indígenas e quilombolas, caso seus territórios não estivessem formalmente demarcados.
- Flexibilização para supressão da Mata Atlântica e enfraquecimento da obrigatoriedade de pareceres técnicos de órgãos gestores de unidades de conservação.
Essas medidas representam o maior retrocesso ambiental em 40 anos, pois fragilizam instrumentos de prevenção e controle de impactos, abrindo espaço para desmatamento, insegurança jurídica e riscos a direitos territoriais.
Em 8 de agosto de 2025, o PL da Devastação foi sancionado na forma da Lei nº 15.190 com 63 vetos aos quase 400 dispositivos aprovados pelo Congresso. O governo decidiu seguir com vetos parciais, não totais, como estratégia de governabilidade, evitando confronto direto com o congresso, apesar das manifestações a favor do veto total vindas da sociedade civil, comunidade científica e movimentos sociais. A decisão, segundo o governo, buscou preservar princípios constitucionais de proteção ambiental e direitos de povos tradicionais, além de garantir segurança jurídica. Os vetos foram definidos após análise técnica e diálogo com sociedade civil, visando evitar retrocessos e alinhar a legislação aos compromissos climáticos assumidos pelo Brasil na COP30. Os principais pontos vetados foram:
- Autolicenciamento para empreendimentos de médio impacto: a LAC ficou restrita a obras de baixo impacto, evitando licenciamento por mera autodeclaração para atividades mais complexas.
- Modelo monofásico da LAE: vetada a emissão de todas as licenças em uma única etapa; manteve-se a possibilidade da LAE apenas para projetos estratégicos, com equipes dedicadas, mas sem eliminar fases de análise.
- Transferência irrestrita de competência para estados e municípios: vetada para evitar “guerra ambiental” e garantir padrões nacionais mínimos.
- Supressão da Mata Atlântica: vetada a retirada do regime especial de proteção.
- Restrição à consulta de indígenas e quilombolas: vetada para assegurar participação mesmo em territórios em processo de reconhecimento.
- Dispensa de licenciamento para produtores rurais com CAR pendente: vetada para evitar brechas regulatórias.
- Limitação de compensações apenas a impactos diretos: vetada para manter mitigação também de impactos indiretos.
Menos de quatro meses após a sanção da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, em 27 de novembro de 2025, o Congresso Nacional derrubou 56 dos 63 vetos presidenciais em sessão conjunta, restaurando grande parte do texto original do PL. A decisão ocorreu sob forte pressão da bancada ruralista e setores empresariais, uma semana após a COP30, gerando críticas internacionais. Os principais vetos derrubados foram:
- Licenciamento simplificado para empreendimentos de médio impacto via LAC, ampliando autodeclaração e reduzindo análise técnica.
- Flexibilização de exigência de EIA/RIMA para obras consideradas estratégicas ou de utilidade pública.
- Redução do peso dos pareceres de órgãos ambientais sobre impactos em áreas indígenas, quilombolas e unidades de conservação.
- Proteção da Mata Atlântica é afrouxada com supressão de vegetação nativa em certos projetos pode ser autorizada com menos condicionantes, abrindo brechas para desmatamento em áreas sensíveis.
- Maior autonomia para estados e municípios definirem critérios de licenciamento, sem padrões nacionais rígidos.
- Órgãos de Unidades de Conservação perdem poder de veto técnico. Projetos que interfiram na área protegida ou na zona de amortecimento poderão avançar mesmo sem anuência do órgão responsável, como o ICMBio e a Fundação Florestal.
- Liberou geral para os grandes bancos! A derrubada do veto enfraquece a exigência de que bancos verifiquem se o empreendimento financiado possui licenciamento ambiental regular.
Sete vetos permaneceram suspensos, incluindo o modelo monofásico da LAE, que ainda será analisado. A derrubada dos vetos representa um retrocesso histórico, visto que promove o aumento dos riscos de desastres ambientais, insegurança territorial e impactos climáticos irreversíveis.
A atuação do Congresso, sob pressão da bancada ruralista e setores empresariais, confirma a hegemonia do capital sobre o Estado. Essa vitória legislativa aprofunda conflitos socioambientais, fragiliza direitos territoriais e compromete metas climáticas. Tais retrocessos não são acidentes, mas parte da lógica de acumulação que subordina a natureza à valorização do capital. A derrubada dos vetos pelo congresso contraria o consenso científico sobre mitigação de riscos e compromissos climáticos aprofunda as desigualdades já existentes no Brasil, visto que comunidades vulneráveis sofrem com a maior probabilidade de serem afetadas pelos impactos do desmonte ambiental enquanto o capital se apropria dos benefícios de curto prazo da desregulamentação.
No contexto que vivemos hoje sob a ameaça de extinção da vida no planeta devido à crise climática, quando se observa a forma como se deu a tramitação do PL da Devastação, fica claro que a atuação institucional é insuficiente, pois limita-se à gestão da crise, não à sua superação. O Executivo, ao não vetar totalmente o PL, atua como mediador, mas não como antagonista daqueles que têm interesse em promover a devastação da natureza em prol de lucros no curto prazo. O governo sabe que seus vetos serão derrubados, mas finge oposição para preservar sua imagem. Esse cinismo reforça a ilusão de que é possível compatibilizar desenvolvimento e sustentabilidade sem romper com a lógica do lucro. No longo prazo as consequências do desmonte ambiental serão a deterioração cada vez maior das condições de funcionamento da vida em geral e das sociedades humanas, o que acarretará também na crise desses mesmos setores que hoje pressionam o governo para manter a lógica de expansão de seus negócios. A crise ambiental é inseparável da crise do capital e não pode ser resolvida por ajustes normativos, sua superação exige uma ruptura com a lógica do lucro.
Diante desse cenário de retrocessos ambientais e de captura do Estado pelos interesses do capital, torna-se evidente que apenas a atuação institucional não basta para barrar a destruição em curso: é na força coletiva e organizada do povo nas ruas que reside a possibilidade real de transformação. É importante a ação do PSOL e de organizações ambientalistas de acionar o STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei da Devastação, isso porque abre mais um momento de possibilidade de frear a devastação total pretendida pelo Congresso, o agronegócio e o grande capital. Porém, para vencermos não basta apostarmos só nas instituições e no STF, que via de regra decide em defesa dos interesses dos capitalistas, por isso, é urgente que a sociedade se mobilize, faça valer sua voz e fortaleça a luta pelo veto total ao PL da Devastação, demonstrando que a defesa da vida, dos territórios e do futuro climático do país não pode ser negociada. Que cada pessoa consciente da gravidade do momento ocupe os espaços públicos, manifeste-se dentro dos marcos democráticos e faça frente à política que sacrifica o planeta em nome do lucro imediato, afirmando que não aceitaremos a devastação como destino, porque ainda há tempo de reverter essa trajetória, desde que nos unamos e atuemos coletivamente.
Por isso, convocamos todos e todas para o ato no domingo 30 de novembro às 14h, no Masp, contra a Lei da Devastação!