Um socialista prefeito. E agora?

Um socialista prefeito. E agora?

Como desenvolver uma política socialista no contexto da eleição de Zohran Mamdani? Ou melhor: como uma prefeitura pode se articular com uma estratégia socialista mais ampla?

Foto: O prefeito eleito de Nova York, Zohran Mamdani. (Reprodução)

Via FLCMF

A dimensão do feito eleitoral de Zohran Mamdani na cidade de Nova York tem sido discutida mundialmente. De fato, trata-se de algo distante de um acontecimento ordinário: um autodenominado socialista democrático será prefeito da capital financeira do capitalismo mundial. Sozinha, Nova York abriga 123 bilionários em seu território — cerca de 4% do total no mundo e mais do que o dobro do número existente no Brasil.

Como desenvolver uma política socialista nesse contexto? Ou melhor: como uma prefeitura pode se articular com uma estratégia socialista mais ampla?

Estas são perguntas que agora povoam o pensamento da vanguarda que se envolveu na campanha, um universo de ativistas medido na escala de uns poucos milhares, se muito. Já a massa de cidadãos que votou em Zohran anseia, é claro, por resultados práticos: a realização das promessas eleitorais que podem melhorar a qualidade de vida e o bem-estar material dos trabalhadores. 

A teoria marxista nos mostra que existe uma diferença entre os conceitos de Estado, regime e governo. O Estado é um ente amplo composto por um conjunto de instituições e controlado por uma classe social. No capitalismo, o Estado é burguês e representa os interesses materiais de uma minoria abastada, mesmo quando busca se apresentar como “imparcial” ou representante “de todos”. Regime político é a forma como a classe dominante exerce seu domínio. No caso dos Estados Unidos, o regime é a democracia burguesa, profundamente degenerada e desigual, mas que, ainda assim, permite de vez em quando conquistas eleitorais pontuais dos trabalhadores. Finalmente, governos são pessoas e partidos que administram o Estado e seu regime.

A tradição marxista não acredita ser possível alcançar o socialismo por meio de eleições, mas sim por meio de revoluções. Mas disputar eleições é uma tarefa central para os socialistas projetarem suas ideias sobre as massas em meio ao regime democrático burguês. E como quem disputa eleições pode ganhar, cabe aos socialistas discutirem o que fazer na rara hipótese de assumirem governos. 

No caso de Mamdani, trata-se de um governo municipal — portanto, de alcance limitado. Não está sobre a mesa a hipótese de decretar o socialismo em Nova York, tampouco é possível, a partir da gestão de uma prefeitura, alterar a natureza do Estado e do regime político. Mas é necessário discutir a melhor forma de governar sem ser cooptado pela lógica do Estado burguês e sem abandonar a estratégia de uma transformação mais ampla. Do contrário, mesmo o melhor dos socialistas pode se normalizar, passando de força contestatória a simples gestor do status quo. Destacam-se três princípios básicos:

  1. O governante socialista deve colocar os interesses materiais da classe trabalhadora em primeiro lugar. Em uma sociedade de classes, para uma classe ganhar, outra deve perder. E cabe ao governo de um socialista fazer esses enfrentamentos. Ao fazê-lo, ele pode melhorar as condições de vida dos trabalhadores e acumular mais apoio para o socialismo. A boa notícia é que o programa eleitoral de Mamdani é um ótimo ponto de partida para tal: congelar os aluguéis, instituir tarifa zero e universalizar o acesso gratuito às creches. Para financiar isso, taxar os ricos. 
  2. O governante socialista deve atuar para elevar o nível de consciência dos trabalhadores a partir de um modo de fazer político diferente do establishment do regime burguês. Isso significa governar mobilizando movimentos e sindicatos e ser um polo avançado de educação política. Será impossível uma prefeitura perfeita sob o capitalismo. Mamdani enfrentará dificuldades. Poderá não conseguir fazer todas as coisas que quer. Poderá precisar firmar acordos desagradáveis. Mas é obrigação dele comunicar a verdade para as pessoas, contribuindo para o avanço da consciência e da organização popular.
  3. O governante socialista, na escala municipal, deve buscar projetar um exemplo em escala nacional — e até internacional. Isso significa que a agenda econômica do governo é importante, mas, sozinha, ela não basta. É preciso conectá-la com uma visão mais geral sobre a sociedade e os seus impasses. Mamdani fez isso durante a campanha, enfrentando Trump e apoiando a causa Palestina. Agora, deve manter a postura ao governar. Sua prefeitura deve contribuir para elevar, e não para limitar, as aspirações dos trabalhadores e o horizonte de emancipação.

Vale lembrar que princípios devem guiar também os parlamentares socialistas, além dos movimentos e organizações de classe. No caso de parlamentares, isso inclui a atuação permanente junto aos movimentos, a hierarquia da ação extraparlamentar sobre a ação parlamentar, o internacionalismo, a denúncia constante do regime político e a chamada disciplina partidária, que nada mais é do que o fato do parlamentar ser, também, um militante comum da sua organização. 

Na linguagem adotada nos Estados Unidos entre os ativistas do Democratic Socialists of America (DSA), parlamentares devem ser “organizadores” e “quadros” — pelo menos em estágio de formação. Esses conceitos foram bem trabalhados por Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna, deputadas federais brasileiras pelo PSOL, em entrevista à revista Jacobin em 2019: https://jacobin.com/2019/08/brazil-psol-bolsonaro-strike-protest-fernanda-melchionna-samia-bomfim. Nos Estados Unidos, cada vez mais o DSA tem seus exemplos próprios, entre os quais Mamdani (atualmente deputado estadual) ou Alexa Avilés (vereadora de Nova York). Jesse Brown (vereador em Indianápolis), JP Lyninger (vereador em Louisville) e Richie Floyd (vereador na Flórida) também se destacam, entre outros.

Quanto aos movimentos, a tarefa principal é permanecer mobilizados, avançar o nível de consciência e sempre, obrigatoriamente, manter independência em relação ao Estado burguês e ao governo. Em Nova York, a fundação do movimento Our Time (“É a nossa vez”) após as eleições é uma boa novidade, embora alguns ativistas já apontem que a iniciativa poderia ser mais ambiciosa e aberta a um controle pela base. 

De toda forma, os movimentos devem manter viva a ideia de que a correlação de forças e as transformações políticas se dão, acima de tudo, pela ação nas ruas, mesmo quando, ou especialmente quando, um socialista está no poder. Devem, além disso, articular os problemas práticos no nível municipal a um programa nacional mais amplo. Para usar a linguagem de Bernie Sanders, não haverá saída para os impasses da classe trabalhadora estadunidense sem uma profunda revolução política no país, capaz de produzir mudanças estruturais na economia e no regime político. Os movimentos e suas representações políticas devem estar preparados, ainda, para pressionar e enfrentar o prefeito socialista quando necessário. 

Serão tempos desafiadores para o DSA e para os socialistas nos Estados Unidos. Conectar demandas mínimas a objetivos máximos, em uma dinâmica permanente de mobilização orientada à conquista do poder — eis a síntese de uma estratégia socialista em geral. Ela não estará na ordem do dia da prefeitura de Mamdani como uma regra abstrata. Tampouco deve ser esquecida no curso das tarefas práticas.


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