Nossa luta por democracia real em Porto Alegre
A necessidade de se governar através da participação popular e de que o povo tenha canais de decisão para além do simples voto durante a eleição municipal.
O desafio de governar Porto Alegre está colocado. Para isto estamos nos preparando. Nossa busca por construir uma democracia real na cidade se expressa na própria construção de nosso programa de governo. Para esta construção chamamos a população da cidade, através de uma plataforma de internet, e também através de inúmeras reuniões presenciais que juntaram milhares de pessoas, desde especialistas em segurança pública até donas de casa que lutam pela moradia. Neste processo buscamos conexão com as experiências novas que vêm sendo desenvolvidas pelos governos de “confluências cidadãs” na Espanha.
No final de maio estive em Madri, onde fui convidada a participar da conferência “Cidades Democráticas”, organizada pela prefeitura da cidade, em parceria com diversas entidades que lutam por democracia real. A prefeita da capital espanhola, Manuela Carmena, disse, no evento de que participei com ela, algo que me parece uma direção fundamental na construção de um governo popular realmente democrático. Precisamos rever o rótulo da prefeita enquanto uma “política” no sentido tradicional do termo. Devemos redefinir a relação do povo com o poder, estimulando a cidade inteira a “fazer política” e geri-la de forma conjunta, através de confrontos, disputas e sínteses. A prefeita deve ser uma cidadã a mais, que tem o dever de gerir a cidade, mas, acima de tudo, de partilhar os espaços públicos com a cidadania, lutando para que as pessoas gostem da cidade, sintam-se acolhidas na sua diversidade, reivindiquem, e também sejam parte da gestão da cidade.
A tecnologia pode ser uma grande aliada nesta construção democrática. Nossa geração vivencia um processo de transformação gigantesco, e precisamos utilizar as novas possibilidades abertas pelo desenvolvimento tecnológico e pela emergência de uma cidadania mais crítica e participativa para operar uma transformação profunda no processo democrático, revolucionando as instituições e aproximando-as das pessoas e, desta forma, construindo uma democracia mais real.
O evento de que participei em Madri me possibilitou conhecer mais de perto a experiência espanhola de construção do que eles chamam de “confluências”, uma unidade política e eleitoral de diferentes fluxos político-sociais, e de como isso desenvolve-se, uma vez no poder municipal, em governos plurais, com uma participação mais direta da cidadania na sua gestão, e menos reféns das castas políticas tradicionais.
A primeira evidência trazida pela experiência espanhola é que precisamos fugir das velhas lógicas de partido e construir novos espaços que possam ir além da mera soma aritmética das partes, construindo confluências que integram movimentos reais que lutam em defesa da cidade como um “bem comum”, seja no âmbito do lazer, da moradia ou da mobilidade urbana, por exemplo, e desta confluência apresentar candidaturas cidadãs democráticas que representem estas lutas.
Sabemos que a disputa contra o status quo é muito dura. Para termos chances de vencer é preciso tecer uma rede humana e descentralizada, conectando com a campanha eleitoral as praticas através das quais se luta pela (re)conquista dos direitos e do que é comum. Se nos organizarmos a partir de objetivos e práticas concretas poderemos alcançar vitórias que pareciam impossíveis.
Precisamos gerar um “transbordamento cidadão”, um novo ecossistema político do qual não teremos controle e que deverá desenvolver-se livremente no processo de mobilização. Este sistema de rede de pessoas deve gerar uma “autopoiésis” isto é, um mecanismo que possibilita a um sistema vivo se reproduzir de forma auto-organizada, ter sua vida própria, autônoma, sendo massa crítica e ao mesmo tempo massa de construção política.
Temos o desafio, portanto, de impulsionar um “acontecimento aumentado” que se desdobre em uma “multidão conectada” e gere um “sistema de rede”. Javier Toret Medina explica o conceito de “multidão conectada”, como “a capacidade de conectar, agrupar e sincronizar, através de dispositivos tecnológicos e comunicativos e em torno de objetivos, os cérebros e corpos de uma grande número de sujeitos em sequencias de tempo, espaço, emoções, comportamentos e linguagem” e que este tipo de multidão emerge em conexão com “acontecimentos aumentados”, que estão na base da geração ou reativação do que ele define como “sistema de rede”1.
Neste cenário o PSOL pode e deve ser um motor desta confluência, junto com os demais partidos políticos que venham a se unir em torno da nossa candidatura, e a cidadania e os movimentos sociais serão as células autopoiéticas que mantêm este novo ecossistema vivo.
Neste processo nossa tarefa de tomar a cidade e suas instituições de baixo para cima e de fora para dentro torna-se possível e, ao mesmo tempo, torna-se também possível que o resultado desta “tomada de poder” seja algo radicalmente distinto do que existe hoje, pois o processo de conquista já terá sido o início da experiência diferenciada.
O resultado deverá ser um governo que não compreenda a cidadania apenas como um espaço para consulta e validação de decisões já tomadas, mas sim que constrói ferramentas que possibilitam a organização e a participação dos que desejam, tornando suas decisões vinculativas e não apenas consultivas.
Isto significa um governo que “manda obedecendo”, no qual os representantes eleitos são “expropriados” do poder absoluto, pois estão sob controle permanente da cidadania organizada, como diz Pablo Soto, vereador pela confluência Ahora Madrid e programador responsável pela plataforma decide.madrid.es, através da qual a população madrilena participa das principais decisões da prefeitura. É isto que queremos construir em Porto Alegre: uma democracia real, onde o governo “mande obedecendo” à cidadania, titular soberano do mandato da prefeita.
1 MEDINA, Javier Toret. Tecnopolítica y 15M: la potencia de las multitudes conectadas. Um estudio sobre la gestación y explosión del 15M. UOC Ediciones, Barcelona, 2015. pp. 34-35.