Itália: um projeto reacionário e liberal de restauração conservadora
A vitória da líder de extrema direita Georgia Meloni representa um grande retrocesso para o país.
Líder da Sinistra Anticapitalista, Franco Turigliatto foi militante do Partido Refundação Comunista desde 1991, e em 1996 tornou-se membro da liderança nacional, responsável pela construção do partido nas grandes fábricas. Ele foi expulso em fevereiro de 2007, porque como parlamentar não infrigiu a disciplina partidária ao votar contra a intervenção militar italiana no Afeganistão.
Giorgia Meloni, a líder do partido de extrema-direita Fratelli d’Italia (“Irmãos da Itália”), comenda o novo governo italiano com uma forte maioria parlamentar, apesar do fato de que a coalizão da direita obteve apenas 44% dos votos. Está determinada a realizar uma verdadeira restauração conservadora e identitária, utilizando os poderes políticos e institucionais à sua disposição.
É um governo de medíocres, reacionários e pós-fascistas declarados, de figuras (11 em 24) já presentes em governos anteriores que correspondem em grande parte à realidade política, ideológica e material da direita, daquela “pequena Itália” mesquinha e pequeno-burguesa que vem de longe, mas que ao mesmo tempo está bem ancorada nos mecanismos do poder capitalista, tanto nacional como internacional.
O Ministério da Economia foi confiado a Giorgetti, da Lega (a Liga Salvini), um homem de confiança dos patrões do Norte; o Interior vai a Piantedosi, que imediatamente mandou bater nos estudantes da Universidade de Roma. A nomeação de Eugenia Roccella, inimiga archi-declarada da lei sobre a interrupção voluntária da gravidez, para o “Ministério da Família, da Natalidade e da Igualdade de Oportunidades” é uma verdadeira declaração de guerra aos direitos da mulher; Marina Calderoni, consultora das empresas em políticas trabalhistas, torna-se a nova Ministra do Trabalho! O líder da Liga, Matteo Salvini, o perseguidor de migrantes, é agora o vice-presidente do governo; o outro vice-presidente é Antonio Tajani da Forza Italia, um colaborador de Berlusconi; na Justiça, encontramos Carlo Nordio, um magistrado conservador eleito nas listas de Fratelli d’Italia.
Meloni completou sua obra-prima nomeando seu alter ego, Guido Crosetto, presidente das indústrias militar e espacial e grande negociante de armas, para o cargo de Ministro da Defesa. Seu outro confidente, seu cunhado Francesco Lollobrigida, herdou a pasta da Agricultura.
“Deus, país, família e negócios”
No debate parlamentar que antecedeu o voto de confiança no novo governo, o líder do M5S (Movimento Cinco Estrelas) Giuseppe Conte disse que o discurso de Giorgia Meloni foi um “plano ambicioso para a restauração identitária da sociedade tanto no campo dos direitos civis quanto no do retorno aos modelos sociais reacionários expressos pela tríade ‘família da pátria de deus‘”. Isto e verdade. ainda que redutor, pois no projeto da direita pós-fascista encontramos não apenas um grave ataque aos direitos civis, mas também uma ameaça aos direitos econômicos e sociais da classe trabalhadora.
Uma quarta divindade deve ser acrescentada à tríade: a empresa. Esta deusa impõe uma continuidade total com as políticas econômicas neoliberais, assegurada pela própria Giorgia Meloni, que especificou que as atividades empresariais dos patrões não devem ser dificultadas e que o lema do governo será “não perturbar aqueles que querem fazer”. A lista de medidas a favor dos capitalistas, sejam eles pequenos, médios ou grandes, é longa: do “flat tax” à redução de impostos e contribuições sociais à liberalização da circulação de dinheiro liquido, o que abre a porta para a evasão fiscal e todo tipo de fraude.
“Liberdade, liberdade, liberdade”, recitou Meloni; ela deveria ter acrescentado “para explorar”.
Não foi dada nenhuma atenção, pelo contrário, aos cinco milhões de muito pobres, à extensão do desemprego e da precariedade, aos baixos salários e pensões dizimados pela inflação de 12%. Ao invés, são propostas as receitas do presidencialismo e da “autonomia diferenciada” das regiões, o que tornará o sistema ainda mais desigual.
O papel imperialista da Itália foi confirmado, apoiado pela presença de tropas italianas em muitos países do mundo para defender seus interesses. Este papel, no entanto, está intimamente ligado à coalizão imperialista ocidental liderada pelos EUA, e o novo governo garante plena adesão à Nato e total apoio aos projetos de rearmamento.
Em continuidade com os valores do fascismo, não apenas a pátria está sendo fortalecida, mas também a família, incluindo forte apoio e proteção para a família tradicional e “um plano maciço para redescobrir a beleza da parentalidade”.
Após a experiência sem precedentes de de três anos de uma pandemia que já custou 180.000 vidas e com um sistema nacional de saúde em colapso, o governo não está fazendo nenhum investimento no setor da saúde e parece estar abandonando qualquer medida significativa para combater uma epidemia que ainda está muito presente, enquanto os processos de privatização do hospital público continuam a se acelerar.
A tentativa de apagar a história e as lutas emancipatórias
Meloni prossegue com uma reconstituição farsesca dos temidos anos 70, esquecendo completamente os terríveis ataques perpetrados pelos fascistas para deter a ascensão do movimento operário. Ela quer apagar a história das grandes lutas sociais e democráticas e apagar o pensamento antifascista e os ideais de liberdade e igualdade que constituíram um senso comum de cidadania na opinião pública italiana, uma cultura social e política que os direitistas sempre odiaram e combateram.
Durante anos, a classe dominante e a mídia as ordens de seus interesses têm tentado fazer com que as pessoas esqueçam a história das lutas sociais e operárias para fazê-las recuar e derrotar o movimento operário; ao abraçar as doutrinas neoliberais, as forças de centro-esquerda também têm contribuído para este objetivo.
Hoje, a história exige responsabilidade frente á ascensão da extrema direita, que, beneficiando-se de um processo de banalização, pensa que pode reunir as condições para sua própria vingança: a de uma restauração identitária, “soberanista” e nacionalista do pais. Só nos resta é lutar até o fim contra este governo dos patrões.