Los Angeles: como as grandes petroleiras dificultaram a luta contra os incêndios

Los Angeles: como as grandes petroleiras dificultaram a luta contra os incêndios

As empresas de combustíveis fósseis se aproveitaram de uma isenção fiscal estatal que priva a Califórnia de 146 milhões de dólares de orçamento anual. Este montante poderia ser destinado a luta contra os incêndios florestais causados pela mudança climática, como o que atualmente assola Los Angeles.

Freddy Brewster e Lucy Dean Stockton 21 jan 2025, 14:02

Publicado em Viento Sur. Tradução: Júlio Pontes.

Segundo o novo relatório publicado em meio ao incêndio que assola atualmente Los Angeles, as empresas de combustíveis fósseis se beneficiam de uma opaca isenção fiscal que priva a Califórnia de 146 milhões de dólares em receitas fiscais anuais que poderiam ser utilizados para lutar contra os incêndios florestais agravados pela mudança climática. A isenção fiscal persistiu durante décadas neste Estado, controlado pelo democratas, inclusive quando a California enfrente déficits e cortes orçamentários para prevenção de incêndios, sobretudo no recente orçamento do Departamento de Bombeiros de Los Angeles.

Na primeira noite do incêndio, os bombeiros tiveram dificuldades para obter água dos hidrantes de Pacific Palisades, um bairro do oeste de Los Angeles devastado pelo fogo. Um vereador que representa o bairro de Palisades atribuiu a falta de água a uma “falta crônica de investimentos”.

Um novo relatório publicado quarta-feira pelo Cilmate Center, um grupo de reflexão sobre soluções climáticas com sede na Califórnia, detalha como as empresas petrolíferas e de gás e seus aliados utilizaram doações de campanha, lobby financeiro e pressões legais, para criar uma lacuna fiscal que permite às empresas reduzir seus impostos tributáveis no Estado evitando declarar os benefícios e perdas no exterior, se a empresa assim decidir.

Esta lacuna legal, conhecida como water´s edge election (eleições à beira d’água), é a isenção fiscal mais importante de que dispõem as empresas na Califórnia. Permite às empresas evitar o pagamento de mais de 4,3 bilhões de dólares em impostos sobre a sociedade cada ano e, segundo o informe, outorga às companias de petróleo e gás mais de 146 milhões de dólares em isenções fiscais anualmente.

Em 2023, ExxonMobil, Chevron e Shell obtiveram más de 83 bilhões de dólares em benefícios fiscais. Em 2024, Chevron anunciou que mudaria sua sede da Califórnia, mas que seguiria operando no Estado. A petroleira é também uma das maiores poluidores de gases de efeito estufa na Califórnia.

Segundo Ryan Schleeter, diretor de comunicações do Centro do Clima:

“Califórnia está em meio a uma crise climática. Seguimos recebendo avisos sobre estes incêndios, e um incêndio florestal em pleno mês de janeiro é algo realmente sem precedentes e bastante aterrador. Investir em soluções climáticas agora salvará mais vidas e mais dinheiro do que se atrasassémos”.

O relatório chega em um momento no qual os incêndios florestais devastaram muitas zonas do sul da Califórnia e provocaram evacuações massivas, queimando árvores e estruturas até o oceano. O relatório também chega em um momento em que o Estado enfrenta um déficit orçamentário estimado em 46 bilhões de dólares e a cortes de gastos no valor de 16 bilhões de dólares para prevenção de incêndios, iniciativas climáticas e outros muitos programas estatais.

Na quarta-feira, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, uma destacada figura democrata, propôs novos cortes na primeira proposta orçamentária do Estado. Estes cortes poderiam afetar o financiamento para preparação contra incêndios florestais, projetos de resiliência costeira, projetos solares e eólicos e outros planos, informa o meio de comunicação sem fins lucrativos CalMatters.

Enquanto o Meio Oeste e a Costa Leste são atingidos pela neve esta semana, Califórnia enfrenta-se contra a ira da mudança climática. O clima da Califórnia tornou-se cada vez mais árido, convertendo a temporada de incêndios de maio a outubro em um perigo permanente. Na atualidade, mais de 8500 bombeiros lutam contra 35 incêndios florestais que queimam mais de 2300 héctares em todo Estado.

“A lacuna fiscal water´s edge election permite às multinacionais de combustíveis fósseis evitar o pagamento de impostos que lhes correspondem e que poderiam ajudar a financiar projetos ambientais vitais, como a preparação contra os incêndios florestais”, declarou o membro da Assembleia da Califórnia Damon Connolly (Democrata) em um comunicado. “É absurdo seguir subsidiando estas empresas poluidoras, que obtém benefícios fiscais recordes, enquanto os governos estaduais e locais enfrentam grandes déficits e cortes em infraestruturas essenciais”.

A grande escassez californiana

Há décadas, a Califórnia sofre graves cortes orçamentários. Embora o Estado seja a quinta maior economia do mundo, tem enfrentado déficits orçamentários recorrente desde o início da década de 1990, que alguns especialistas atribuem aos cortes fiscais que tiveram o efeito de enfraquecer programas sociais ambiciosos.

Em 2023, o déficit orçamentário do Estado estava estimado em 46,8 bilhões de dólares, frente aos 32 bilhões de dólares do ano anterior. Atualmente, quase um terço do orçamento estatal advém de fundos federais, que poderiam ser cortados se o novo presidente, Donald Trump, mantiver suas promessas de redução de gasto.

Em 6 de janeiro, M. Newsom anunciou o orçamento estatal de 322 bilhões de dólares, que provavelmente incluirá cortes em programas sociais para evitar um novo déficit. Os detalhes da sua proposta orçamentária serão publicados na sexta-feira 10 de janeiro.

Em 2019, depois de prometer ampliar as iniciativas contra incêndios da Califórnia durante sua campanha para governador, o orçamento de Newson alocou 355 milhões de dólares para prevenção de incêndios florestais e para gestão de recursos. Mas em 2021, havia cortado desse orçamento mais de 40%, até 203 milhões de dólares. Quando os incêndios florestais assolaram o Estado esse ano, Newsom mudou de rumo e anunciou um investimento de 2 bilhões de dólares em prevenção de incêndios florestais para 2022, depois de um superávit orçamentário.

Agora, no início de 2024, com o orçamento da Califórnia abaixo da receita prevista, Newsom propôs importantes corte a projetos climáticos, incluindo uma redução de 100 milhões de dólares ao financiamento para prevenção de incêndios e para resiliência florestal, e um corte de aproximadamente 7% do financiamento de todos os programas climáticos.

Os esforços de prevenção de incêndios na Califórnia, que segundo especialistas são a única maneira de reduzir significativamente o crescente risco de incêndios florestais, tem sido vítimas das chicotadas orçamentárias do Estado em repetidas ocasiões.

Em 2024, o Estado alocou 4 bilhões de dólares ao Departamento Silvicultura e Proteção contra Incêndios da Califórnia (Cal Fire), quase o dobro do orçamento destinado ao departamento há 10 anos. O aumento do orçamento permitiu ao Cal Fire quase duplicar seu pessoal em comparação com a década anterior.

Los Angeles, onde as chamas arrasam os bairros mais remotos da cidade enquanto ventos com força de furacão agravam os efeitos da seca, enfrente sua própria crise orçamentária. Em janeiro de 2024, a oficina do Controlador de Los Angeles descobriu que a cidade estava a caminho de superar seu orçamento de 297 milhões de dólares, e que o fundo geral da cidade – que paga muitos serviços municipais como a extinção de incêndios – era uns 158 milhões de dólares inferiores aos que Los Angeles esperava arrecadar em receita fiscal.

A prefeita de Los Angeles, a democrata Karen Bass, também enfrenta as críticas pelos corte que realizou no Departamento de Bombeiros de Los Angeles. Em abril do ano passado, seu projeto de orçamento previa corte de mais de 23 milhões de dólares. Estes cortes se reduziram finalmente a 17,6 milhões de dólares como parte do processo orçamentário do parlamento.

O orçamento da Sra. Bass também incluía cortes na agência de gestão de emergências da cidade, que responde às crises como dos incêndios florestais. Estes cortes orçamentários são produzidos em um momento em que Los Angeles aumentou o financiamento do departamento de polícia da cidade em 123 milhões de dólares. Embora o risco de incêndios na região seja maior do que nunca, os crimes seguem tendo uma taxa relativamente baixa. Os críticos ao aumento de gastos dizem que grande parte do dinheiro se destinará a postos que provavelmente ficarão vazios em meio às dificultades de contratação de dito departamento.

Grande parte do déficit orçamentário atual da cidade está vinculado ao contrato de quatro anos que o sindicato que representa os membros da LAPD tem com a cidade em 2023. O controlador da cidade, Kenneth Mejía, também atribuiu os pagamentos excessivos à responsabilidade da polícia.

Enquanto os bombeiros lutam contra as chamas em Los Angeles, o serviço de bombeiros da cidade fez um chamado a todos os bombeiros fora de serviço da região e de cidade vizinhas como San Diego e outras de todo o Estado para que se unam ao esforço de luta contra as chamas.

Em uma coletiva de imprensa realizada na quarta-feira, Traci Park, vereadora e representante do bairro incendiado de Pacific Palisades, declarou:

“A crônica falta de investimento da cidade de Los Angeles em nossas infraestruturas públicas e em nossos trabalhadores de segurança pública ficou patente nas últimas 24 horas. Estou extremamente preocupada com essa situação. Estou trabalhando com minha equipe para examinar mais de perto a situação, e creio que neste momento temos mais perguntas do que respostas”.

Funcionários do Departamento de Água e Energia de Los Angeles disseram que a falta de água poderia estar relacionada ao aumento da demanda para combater os incêndios nas zonas baixas, o que há impedido que se preencham os depósitos de armazenamento de água nos bairros das encostas.

Uma lacuna legal que pesa sobre o orçamento

Enquanto a Califórnia luta contra a seca e os cortes orçamentários, a culpa pode ser da Lei Water’s Edge de 1986. Esta lei, que permite às multinacionais evitar o pagamento de impostos sobre os lucros que afirmam estar localizados fora das fronteiras do estado em que operam, custou à Califórnia milhares de milhões de dólares em receitas potenciais todos os anos.

A lei foi debatida pela primeira vez em 1978 e fui criticada de imediato pelas autoridades estatais. O controlador do Estado a qualificou então como “enorme lacuna jurídica… para beneficiar às multinacionais gigantes, em particular as grandes operadoras petrolíferas”, sinaliza o novo relatório do Centro do Clima. Naquele momento, as e os legisladores e funcionários públicos bloquearam com êxito as pressões da indústria para implantar esta lacuna.

Mais tarde, em 1983, a Califórnia Franchise Tax Board, organismo estatal encarregado de arrecada o imposto sobre aluguel, ganhou seu caso ante o Tribunal Supremo, que defendeu a capacidade dos Estados de tributar as multinacionais como uma entidade única, o que significa que os Estados podiam arrecadas receitas fiscais pelos benefícios obtidos no exterior pelas empresas. Esta senteça do mais alto tribunal levou os executivos da Exxon a se uniram a um grupo de trabalho dirigido pela administração de Ronald Reagan em 1984 para encontrar formas de evitar a nova sentença e explorar qualquer resquício legal.

A investigação do Climate Center descobriu que Shell e Exxon financiaram numerosos grupos que tentaram se aproveita desta lacuna legal na Califórnia. A chamada legislação water’s edge foi aprovada finalmente em 1986 e desde então forma parte fundamental das lacunas fiscais da Califórnia.

Esta política fiscal “aparentemente se afiançou no sistema tributário da Califórnia em um momento em que o uso da contabilidade separada para as transações com filiais extrangeiras se converteu em objeto de uma considerável controvérsia a nível federal”, disse um relatório da California Franchise Tax Board.

As e os legisladores californianos tomaram medidas para fechar a lacuna, mas os setores afetados se defenderam. Em 2024, a Califórnia aprovou um projeto de lei que proíbe as empresas de petróleo e gás de retirarem receitas de dividendos de afiliadas estrangeiras das suas declarações fiscais, gerando cerca de 17 milhões de dólares em receitas fiscais para o estado.

Mas a Associação de Contribuintes da Califórnia, um grupo que faz campanha a favor da redução de impostos e em cuja junta diretiva há representantes de Chevron, Koch Industries, Marathon Petroleum, BlackRock e outras empresas, apresentou uma demanda em agosto para impugnar a constitucionalidade do novo projeto de lei. Este processo segue em curso.

No ano passado, Novo México fechou algumas de suas lacunas fiscais, mas a nova legislação estatal não se aplica a empresa com sede nos Estados Unidos como Chevron e ExxonMobil, afirma o relatório do Climate Center.

As assembleias legislativas de Vermont e Minnesota estudaram leis para fechar esta lacuna ou para autorizar um estudo sobre o impacto econômico que teriam o encerramento das isenções da water´s edge. Alasca, onde os impostos sobre a indútria do petróleo e do gás representam até 85% das receitas de Estado, proíbe as empresas petrolíferas e de gás a utilizarem tal lacuna.

Para Califórnia, o encerramento desta lacuna poderia melhorar significativamente a instável situação orçamentária do Estado.

Em um comunidade de imprensa que acompanhava o relatório, o Diretor Executivo da Climate Center, Barry Vesser, afirmou:

“Cada dólar que se perde por este presente fiscal é um dólar que poderia ser investido em soluções climáticas que salvem vidas e economizem dinheiro. Eliminar todas as isenções fiscais e subsídios dos combustíveis fósseis não só seria coerente com os objetivos climáticos da Califórnia, como também liberaria centenas de milhões de dólares para fazer a dupla crise climática e financeira do Estado”.


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