Gilmar Mendes atropela Legislativo e tenta impor retrocesso histórico aos direitos indígenas
Marco Temporal

Gilmar Mendes atropela Legislativo e tenta impor retrocesso histórico aos direitos indígenas

Ministro do STF propõe projeto de lei inconstitucional que ameaça demarcações, favorece grileiros e abre terras indígenas à exploração econômica

Redação da Revista Movimento 14 mar 2025, 10:44

Foto: Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) está à beira de uma decisão que pode representar um dos maiores retrocessos para os direitos indígenas no Brasil desde a redemocratização. Em uma movimentação bizarra e sem precedentes, o ministro Gilmar Mendes, que deveria zelar pela Constituição, está propondo um projeto de lei – uma prerrogativa exclusiva do Poder Legislativo. Sua proposta, conduzida na comissão de conciliação sobre o marco temporal, é amplamente denunciada por organizações indígenas e indigenistas como um ataque direto à Constituição e aos direitos fundamentais dos povos originários.

Após o Carnaval, os bastidores de Brasília fervilham com articulações para viabilizar a aprovação da minuta que será discutida pela comissão de conciliação em 26 de março e terá seu texto final concluído até 2 de abril. Se avançar, a proposta poderá alterar drasticamente o processo de demarcação de terras indígenas e abrir um perigoso precedente de exploração e violação de direitos.

A minuta de Gilmar Mendes extingue formalmente o marco temporal — tese ruralista já declarada inconstitucional pelo próprio STF — mas, em troca, impõe uma série de medidas devastadoras para os povos indígenas. O texto prevê a abertura de Terras Indígenas (TIs) para mineração, a imposição de entraves burocráticos para novas demarcações, a indenização de grileiros e fazendeiros pelo valor da terra nua, a realocação forçada de comunidades indígenas e o uso da Polícia Militar para despejos violentos de territórios retomados.

“Trata-se de uma reescrita arbitrária dos direitos indígenas garantidos na Constituição”, alertou Luis Ventura, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em entrevista ao portal Brasil de Fato. “Além de atropelar uma decisão já tomada pelo Supremo, essa proposta busca institucionalizar a violação dos direitos indígenas, abrindo caminho para a exploração predatória de suas terras.”

A manobra conduzida por Gilmar Mendes é vista como uma afronta não apenas aos povos indígenas, mas ao próprio STF. Em setembro de 2023, a Corte considerou o marco temporal inconstitucional. No entanto, em um ato de insubordinação ao Judiciário, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701, ressuscitando a tese e colocando em xeque a autoridade do Supremo. Em vez de reafirmar a decisão de inconstitucionalidade, Mendes optou por criar uma comissão supostamente conciliatória, ignorando o posicionamento histórico dos povos indígenas de que seus direitos não são passíveis de negociação.

As reuniões dessa comissão foram marcadas pela falta de legitimidade e representatividade. O movimento indígena, percebendo a farsa do processo, retirou-se em protesto logo no início, denunciando a tentativa de legitimar um acordo que, na prática, sacrifica seus direitos. Mesmo sem a presença indígena, a última reunião, em 14 de fevereiro, revelou um cenário de forte contestação: 83 dos 94 artigos da minuta foram questionados pelos membros da comissão, evidenciando a insustentabilidade da proposta.

Riscos

A minuta do ministro cria brechas perigosas para a retirada de povos indígenas de suas terras, com a alegação vaga de “interesse público”. Além disso, facilita a mineração em TIs, permitindo que, mesmo diante de uma negativa das comunidades afetadas, o presidente da República possa aprovar a exploração sob justificativas igualmente imprecisas.

Outro ponto alarmante é a indenização a grileiros e fazendeiros, permitindo que continuem ocupando terras indígenas até que o Estado finalize o pagamento. Isso pode levar a situações absurdas em que uma TI seja demarcada, mas os povos originários não tenham acesso efetivo a ela.

Além de institucionalizar essas injustiças, a proposta endurece a criminalização das retomadas, determinando a retirada imediata de indígenas que ocupem suas próprias terras sem autorização estatal. Com isso, autoriza o uso da força policial para reprimir essas ações, ignorando o fato de que muitas retomadas acontecem justamente porque o Estado falha em garantir a demarcação legal das TIs.

Caso a comissão de conciliação aprove qualquer versão do texto em 2 de abril, a proposta será submetida ao plenário do STF e, posteriormente, ao Congresso. O mesmo Congresso que, a serviço do agronegócio e dos interesses ruralistas, aprovou a Lei 14.701.

Diante desse cenário, organizações indígenas e indigenistas intensificam a mobilização contra esse ataque. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Cimi e o Instituto Socioambiental (ISA) trabalham para expor a ilegitimidade dessa proposta e pressionar o STF a concluir o julgamento dos embargos declaratórios da decisão que, em 2023, derrubou o marco temporal.

O que está em jogo não é apenas um dispositivo jurídico, mas o futuro dos povos indígenas no Brasil. A proposta de Gilmar Mendes representa um desserviço monumental, retrocedendo décadas na luta pelos direitos indígenas e entregando suas terras à exploração predatória. Se aprovada, consolidará um capítulo vergonhoso na história da justiça brasileira, violando não apenas a Constituição, mas os próprios princípios de dignidade e respeito aos povos originários.


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