MC Poze e o racismo à brasileira: quando ser preto já é crime
Quando um jovem preto canta sobre sua vivência e isso é tratado como prova criminal, o que está sendo julgado não é a letra, mas sua identidade
Via Juntos!
Na última semana, o funkeiro MC Poze do Rodo foi preso em sua casa, no Rio de Janeiro, sob acusações de apologia ao crime e suposta ligação com o tráfico de drogas. Poze foi preso com base em suas letras de funk, músicas que narram a realidade das comunidades periféricas, mas, quando cantadas por corpos pretos, se tornam confissão. Esse é mais do que um episódio de injustiça: é a ponta visível de um sistema de opressão que opera diariamente, de forma estrutural, seletiva e violenta.
O racismo no Brasil não é um desvio; é parte constitutiva do funcionamento do Estado e do capitalismo. Ademais, é uma herança advinda de 300 anos de escravidão, “supostamente” finalizada pela soberania portuguesa, deixando o povo preto à mercê da mesma escravidão, já que a abolição não foi acompanhada de políticas de inclusão ou reparação, contribuindo para a perpetuação da desigualdade racial.
A cultura dominante no Brasil, historicamente branca e eurocentrada, desvaloriza e tenta embranquecer ou acabar com qualquer forma de expressão artística que expõe o real cenário que o capitalismo criou. Apesar disso, a cultura negra no Brasil é viva e resistente. O samba, axé, blues, reggae, manguebeat, funk, o movimento Hip Hop e as festas populares são ferramentas para que nosso povo resista e denuncie sua dura realidade.
Hoje, o encarceramento em massa da população negra, a violência policial, a falta de acesso a direitos básicos e a criminalização da cultura periférica são desdobramentos dessa lógica. O racismo funciona como um instrumento de fragmentação da classe trabalhadora, mantendo os setores mais explorados ocupando os postos mais precarizados, desmobilizados e vulneráveis à repressão. Enquanto isso, no mesmo país, os bilionários envolvidos em escândalos financeiros, como os investigados na CPI das Bets, seguem em liberdade. Com advogados de renome, entrevistas calculadas e uma justiça que hesita em agir, essas pessoas são tratadas como empresários, não como criminosos, fomentando também a necropolítica do nosso país. O contraste é expressivo: no Brasil, o crime não é o que se faz, é quem você é e de onde você vem.
A prisão de MC Poze não é um caso isolado, mas sim mais uma face da engrenagem de um país onde a justiça opera de maneira seletiva, punindo os que ousam existir fora do padrão branco, rico e silencioso. Quando um jovem preto canta sobre sua vivência e isso é tratado como prova criminal, o que está sendo julgado não é a letra, mas sua identidade. No Brasil, ser preto, periférico e artista é um ato de coragem e, muitas vezes, é tratado como um crime. Enquanto a sociedade não encarar o racismo como estrutura funcional do país, casos como o de Poze seguirão se repetindo, camuflados sob discursos legais, mas motivados por um preconceito tão antigo quanto a própria nação.