Taxar as grandes fortunas: a urgência de uma reforma tributária emancipatória para o Brasil
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Taxar as grandes fortunas: a urgência de uma reforma tributária emancipatória para o Brasil

A reforma tributária será possível quando houver reformar política, ruptura dos pactos conservadores e mobilização popular

Fernanda Moll Comotti 17 jul 2025, 14:45

Introdução

A concentração de riqueza no Brasil é mais do que uma estatística econômica alarmante: trata-se de uma chaga histórica, enraizada na própria gênese da sociedade brasileira e perpetuada por séculos de estruturação desigual das relações sociais, econômicas e políticas. Desde a colonização, marcada pela pilhagem de recursos naturais e pela exploração violenta de povos indígenas e africanos escravizados, até os tempos atuais, observa-se a consolidação de uma elite econômica que acumula patrimônio em detrimento da ampla maioria da população. Essa elite, beneficiária direta de um projeto de país excludente, moldou e molda instituições a seu favor, incluindo o sistema tributário nacional, que tem servido mais à manutenção dos privilégios do que à promoção da justiça social.

O Brasil figura entre os países mais desiguais do mundo, e essa desigualdade não é um acidente, mas sim um produto de escolhas políticas deliberadas,o Estado brasileiro historicamente recaiu sobre os ombros das classes trabalhadoras, tributando severamente o consumo e o trabalho assalariado, enquanto poupa a renda do capital, os lucros e, sobretudo, os grandes patrimônios,a ausência de mecanismos eficazes de taxação sobre grandes fortunas é uma das expressões mais perversas dessa estrutura regressiva, que se recusa a tocar nas bases do poder econômico concentrado, mesmo diante da miséria que assola milhões de brasileiros.

Neste contexto, a luta pela taxação das grandes fortunas não é apenas uma reivindicação técnica ou uma proposta de ajuste fiscal é, sobretudo, uma bandeira política e ética,representa o enfrentamento direto da lógica neoliberal que submete os direitos sociais às amarras do mercado e que naturaliza a precariedade da vida como consequência inevitável da racionalidade econômica,é a afirmação de que o Estado deve ser agente de redistribuição de riquezas e promotor da equidade, rompendo com a neutralidade ideológica que oculta sua função de sustentação das elites.

A Construção histórica da desigualdade brasileira:

A desigualdade social no Brasil não é fruto do acaso nem resultado colateral de desequilíbrios pontuais no desenvolvimento econômico. Trata-se de um projeto histórico deliberado, estruturado desde os primórdios da colonização, moldado por relações de dominação racial, de classe e de gênero, e perpetuado por uma elite dirigente que sempre organizou o Estado em benefício próprio. O Brasil não apenas tolerou a desigualdade como a institucionalizou primeiro através da escravidão e da apropriação violenta da terra, depois pela exclusão sistemática da população trabalhadora dos processos de decisão política e distribuição de riquezas,a colonização portuguesa impôs uma lógica extrativista e mercantilista voltada à exploração intensiva do território e da mão de obra, alicerçada no escravismo e na concentração fundiária,a formação econômica e social brasileira, como analisado por Caio Prado Júnior (2000), teve seu eixo voltado para fora, isto é, para os interesses do mercado europeu, e jamais rompeu com essa lógica de dependência e subordinação,os ciclos econômicos (açúcar, ouro, café) consolidaram a aristocracia rural e a estrutura de latifúndio, impedindo a formação de uma burguesia nacional comprometida com reformas estruturais.

Florestan Fernandes (1999), ao analisar a transição do escravismo para o capitalismo no Brasil, denuncia a forma como o racismo estrutural foi mantido como instrumento funcional à reprodução da desigualdade,a abolição formal da escravidão não foi acompanhada por nenhum processo de reparação ou inclusão: os libertos foram lançados à marginalidade, enquanto os antigos senhores continuaram a comandar os aparelhos do Estado,o capitalismo brasileiro, portanto, não se constituiu rompendo com a ordem escravocrata, mas incorporando-a de forma adaptada à nova ordem econômica o que explica a permanência da exclusão racial, da informalidade e da superexploração do trabalho.

Inspirando-se na leitura de Karl Marx (2013), é possível compreender esse processo à luz do conceito de acumulação primitiva, ou seja, a separação violenta entre os produtores e os meios de produção como ponto de partida da formação capitalista,no caso brasileiro, essa acumulação não é apenas um momento superado, mas uma realidade permanente,a terra, os bens produtivos e os instrumentos de trabalho permanecem concentrados nas mãos de uma minoria, enquanto a imensa maioria da população continua vendendo sua força de trabalho em condições cada vez mais precarizadas, sem acesso pleno a direitos sociais ou estabilidade econômica.

Essa permanência da desigualdade estrutural é visível nas estatísticas contemporâneas. Segundo o relatório da Oxfam Brasil (2024), apenas 1% da população brasileira detém quase 50% da riqueza nacional, enquanto mais da metade da população vive com renda insuficiente para garantir condições mínimas de dignidade. Essa assimetria se traduz em desigualdade de acesso à saúde, educação, moradia, alimentação, cultura e participação política. Trata-se de uma desigualdade totalizante, que afeta não apenas o plano econômico, mas todas as esferas da vida social,além disso, a elite econômica brasileira historicamente recorre ao Estado para proteger seus interesses, por meio de isenções fiscais, sonegação legalizada, políticas monetárias restritivas e um sistema de justiça que reproduz privilégios de classe e raça,enquanto isso, o povo trabalhador é submetido a uma tributação regressiva, ao desmonte das políticas sociais e à criminalização da pobreza,a desigualdade, portanto, não apenas persiste ela é reproduzida e aprofundada por meio das instituições estatais, que deveriam, em tese, combatê-la,portanto, entender a desigualdade brasileira exige romper com narrativas liberais que a tratam como uma falha a ser corrigida com ajustes técnicos,é necessário reconhecer que se trata de um fenômeno sistêmico, que tem raízes históricas profundas e cuja superação requer um projeto de transformação radical das estruturas econômicas e políticas do país,a luta pela justiça social passa, inevitavelmente, pela redistribuição da riqueza, pela democratização do acesso à terra e à renda, e por um Estado que enfrente a elite econômica e coloque os interesses da classe trabalhadora no centro da sua ação.

Tributação: conceito, funções e contradições no capitalismo:

A tributação é o principal instrumento pelo qual o Estado arrecada recursos para financiar suas funções e redistribuir a riqueza produzida socialmente,é,portanto, fundamental para a construção do Estado social, garantindo acesso a direitos como saúde, educação e segurança.Marx (2013) vê a tributação sob o prisma da luta de classes, pois, no capitalismo, o Estado age para garantir a reprodução do capital, mas a tributação progressiva pode funcionar como mecanismo para limitar a concentração excessiva e garantir o financiamento das necessidades coletivas.

Thomas Piketty (2014) aprofundou essa visão ao demonstrar empiricamente que a tributação sobre patrimônio e grandes fortunas é a única forma sustentável de conter a desigualdade crescente que ameaça a própria democracia.

No capitalismo neoliberal, prevalece a redução da carga tributária sobre as grandes fortunas e o aumento sobre o consumo, um movimento regressivo que agrava a desigualdade e precariza a oferta dos serviços públicos.

O Sistema Tributário Brasileiro: estrutura, regressividade e iInjustiça:

O sistema tributário brasileiro é um dos mais regressivos do mundo. Segundo dados do Ipea (2023), cerca de 46% da arrecadação federal provém de impostos sobre consumo, como ICMS, IPI, PIS e COFINS, que incidem igualmente sobre ricos e pobres, onerando proporcionalmente mais a população de baixa renda,enquanto isso, os impostos diretos sobre renda e patrimônio são escassos e repletos de brechas,o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) concentra a tributação em salários médios e baixos, enquanto lucros, dividendos e grandes fortunas são pouco ou nada tributados. A renúncia fiscal sobre lucros e dividendos desde 1995 é um claro exemplo da captura do Estado pelas elite,o imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto no artigo 153, inciso VII da Constituição Federal de 1988, nunca foi regulamentado, deixando uma lacuna grave que dificulta o combate à concentração da riqueza. O Instituto Justiça Fiscal (2021) aponta que a implementação do IGF poderia gerar uma arrecadação adicional de até R$ 80 bilhões por ano.

A injustiça do sistema tributário é um dos principais fatores que impedem o avanço da justiça social e reforçam a desigualdade estrutural, ao mesmo tempo em que limita a capacidade do Estado de investir em políticas públicas essenciais.

A necessidade e urgência da taxação das grandes fortunas:

A taxação das grandes fortunas é mais do que uma medida técnica de ajuste fiscal trata-se de uma exigência histórica, ética e política para a refundação de um projeto de sociedade baseada na justiça social e na dignidade humana,emm um país marcado pela desigualdade estrutural, a existência de indivíduos e famílias que acumulam bilhões enquanto milhões sobrevivem em situação de miséria, fome e abandono estatal é, ao mesmo tempo, um escândalo moral e uma violência política legitimada pelo modelo de Estado neoliberal.

A Constituição Federal de 1988 já previa, em seu artigo 153, inciso VII, a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF),no entanto, passados mais de 35 anos, a regulamentação do imposto permanece emperrada por pressão direta do grande capital e de setores da elite política que defendem seus próprios interesses. A ausência desse instrumento evidencia a captura do Estado pelos detentores do poder econômico, que operam para manter intactas as estruturas de privilégio e isenção fiscal, enquanto impõem à classe trabalhadora o ônus do financiamento público.

Thomas Piketty (2014), ao analisar as dinâmicas do capitalismo contemporâneo, demonstra que, em contextos onde a tributação progressiva sobre renda e patrimônio é negligenciada, a desigualdade tende a se intensificar de forma acelerada, atingindo níveis insustentáveis,essa concentração extrema de riqueza não apenas aprofunda a exclusão social, mas mina os fundamentos da democracia ao permitir que o poder econômico controle os meios de comunicação, influencie as decisões políticas e se mantenha blindado de qualquer responsabilização.

No caso brasileiro, a urgência da regulamentação do IGF é inegociável. Trata-se de uma medida que rompe com a lógica da neutralidade tributária e afirma, com clareza, que quem mais tem deve contribuir proporcionalmente mais para o bem coletivo. Não se trata de punir a riqueza, mas de impedir que ela continue sendo construída às custas da exploração de milhões, da evasão fiscal e da sabotagem constante do pacto social. É uma questão de justiça redistributiva e de soberania popular sobre os rumos do país.Os recursos arrecadados com a taxação das grandes fortunas poderiam ser alocados de forma estratégica em políticas públicas voltadas à garantia dos direitos sociais fundamentais. Saúde pública, educação básica e superior, saneamento, mobilidade urbana, habitação popular e assistência social são áreas historicamente subfinanciadas, justamente porque a política tributária brasileira se recusa a tocar nos interesses dos super-ricos. A desigualdade não é uma consequência inevitável, mas sim o resultado da escolha de quem se tributa e de quem se perdoa.Ao contrário do discurso dominante que pinta a taxação das grandes fortunas como fuga de capitais ou desestímulo ao investimento , experiências internacionais demonstram que uma estrutura fiscal progressiva é compatível com economias dinâmicas, inovadoras e socialmente equilibradas. Países que aplicam impostos robustos sobre a riqueza, como Noruega, Suécia e Alemanha, conseguem manter elevados níveis de desenvolvimento humano sem abrir mão da justiça distributiva. No Brasil, a resistência à tributação do topo da pirâmide é expressão direta da força política das elites, não de qualquer racionalidade econômica sustentável.

A defesa do IGF, portanto, não pode ser feita apenas nos gabinetes técnicos ou nas cátedras universitárias,ela deve ser apropriada pela classe trabalhadora organizada, pelos movimentos sociais, pelas periferias e pelos territórios indígenas e quilombolas que historicamente sustentam o país e são sistematicamente excluídos da partilha da riqueza,q luta pela taxação das grandes fortunas é uma luta pela inversão das prioridades do Estado, pelo fim do mito da austeridade e pelo direito ao futuro digno para o povo brasileiro.

Enquanto crianças dormem com fome, mães enterram seus filhos pela ausência de políticas públicas e trabalhadores se aposentam sem nunca terem vivido com dignidade, não é admissível que o Brasil continue sendo um paraíso fiscal para seus bilionários. A taxação das grandes fortunas é uma linha divisória entre civilização e barbárie entre um país que se constrói com base na solidariedade e um país que colapsa pela indiferença de suas elites.

Resistências e Batalhas Políticas em Torno da Reforma Tributária:

A regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) e a construção de uma reforma tributária progressiva no Brasil não esbarram em limitações técnicas ou falta de viabilidade econômica, mas sim em resistências políticas estruturadas por uma elite econômica que historicamente se recusa a abrir mão de seus privilégio,esses grupos detentores do poder econômico exercem influência direta sobre o Congresso Nacional, o Poder Executivo, o Judiciário e, sobretudo, os grandes meios de comunicação, operando de forma articulada para barrar qualquer tentativa de redistribuição das riquezas,a reação à proposta do IGF revela o verdadeiro conteúdo de classe da política tributária no Brasil,as tentativas de regulamentar esse imposto, mesmo quando timidamente apresentadas no parlamento, são imediatamente bombardeadas por campanhas midiáticas que buscam associá-lo à “insegurança jurídica”, à “fuga de capitais” ou à suposta “punição do sucesso”. Essa narrativa serve para preservar os interesses do capital, ao mesmo tempo em que semeia o medo na classe média e confunde o senso comum sobre os reais objetivos da justiça fiscal.

O teórico marxista Antonio Gramsci (1971), ao desenvolver o conceito de hegemonia, nos oferece ferramentas fundamentais para compreender esse fenômeno,para Gramsci, a dominação das classes dirigentes não se dá apenas pela coerção, mas principalmente pela construção do consenso social por meio da cultura, da ideologia e da difusão de valores que tornam o injusto aceitável e o desigual naturalizado. É nesse terreno da ideologia que se trava a principal batalha: a luta contra a ideia de que a desigualdade é inevitável, de que o rico é rico porque “trabalhou mais” e de que qualquer tentativa de redistribuição é um atentado à “liberdade” individual e à “ordem econômica”.

A hegemonia cultural construída pelas elites brasileiras trabalha incessantemente para criminalizar a luta por justiça fiscal, qualificando os defensores do IGF como “radicais”, “populistas” ou “inimigos do progresso”. Essa estratégia não é nova é parte do aparato ideológico que sustenta o capitalismo dependente e periférico do Brasil, em que a maioria da população é ensinada a aceitar sua própria exclusão como parte de um jogo cujas regras não podem ser mudadas.Diante disso, a luta pela reforma tributária deve ser entendida como uma disputa política de fundo, que exige organização, formação crítica e mobilização popular. Não se trata apenas de aprovar uma medida legislativa, mas de construir uma nova consciência social sobre o papel do Estado, da tributação e da democracia. É preciso desconstruir as falácias neoliberais que associam impostos à ineficiência e que colocam o setor público como inimigo do desenvolvimento. A experiência internacional e os próprios dados brasileiros mostram que sem um Estado forte, financiado de forma justa, não há projeto nacional capaz de garantir bem-estar, soberania e igualdade.

Nesse contexto, o papel dos movimentos sociais, sindicatos, coletivos de juventude, militantes de base, organizações populares, intelectuais críticos e das universidades públicas é central. São esses atores que, historicamente, tensionam as estruturas do poder e propõem alternativas reais à ordem desigual. É necessário retomar a pedagogia política nos territórios, nos espaços de trabalho, nas escolas e nas redes sociais, explicando de forma clara e acessível por que os ricos precisam pagar mais e por que a justiça fiscal é uma condição para qualquer democracia real.

O avanço do IGF depende da capacidade dos setores populares de enfrentar não apenas o poder econômico, mas também o poder simbólico da elite. Isso significa construir alianças, disputar o imaginário coletivo e fortalecer as formas de organização social que desafiam a hegemonia conservadora. A reforma tributária progressiva é, antes de tudo, uma ferramenta de luta de classes, e sua conquista depende do acúmulo de forças políticas, ideológicas e sociais capazes de romper com o pacto de privilégios que sustenta a desigualdade brasileira.

Portanto, a batalha pelo IGF é parte de uma luta maior: pela democratização do Estado, pela radicalização da democracia e pela construção de um projeto popular que enfrente a dominação oligárquica do capital sobre as instituições. É uma luta que exige coragem política, consciência de classe e compromisso com o futuro do povo brasileiro.


Conjuntura Nacional em 2025: A permanência da hegemonia conservadora e os limites institucionais da reforma

A conjuntura brasileira em 2025 segue marcada pela contradição entre os anseios populares expressos nas urnas e a continuidade de uma correlação de forças desfavorável à classe trabalhadora no interior do Estado. O governo federal eleito com amplo apoio dos setores progressistas enfrenta um Congresso profundamente reacionário, capturado por interesses do capital financeiro, do agronegócio, da especulação imobiliária e de grupos empresariais que formam o núcleo duro da política de austeridade. O chamado “centrão” bloco fisiológico e patronal se fortalece como operador da ordem neoliberal, atuando como linha de contenção contra qualquer projeto de redistribuição real da riqueza.

A tão prometida reforma tributária, mesmo aprovada parcialmente em 2023, se mostrou insuficiente. A manutenção de privilégios fiscais sobre lucros e dividendos, a ausência de regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), e a tímida taxação das heranças e patrimônios expressam não uma incapacidade técnica, mas a força objetiva dos interesses que controlam o Parlamento brasileiro. A burguesia nacional, historicamente dependente, antinacional e antipopular, opera por meio de seus representantes parlamentares para manter intactas as estruturas que garantem sua reprodução. O Congresso, nesse sentido, não é apenas espaço de negociação: é trincheira de classe da elite econômica.

A hegemonia conservadora não atua apenas no plano legislativo. Ela se articula com o Poder Judiciário, com os monopólios da mídia,com as forças repressivas do Estado para impor ao conjunto da sociedade uma visão antissocial de política, criminalizando a luta popular e esvaziando o debate sobre justiça fiscal. A narrativa hegemônica que iguala impostos à corrupção, gasto público ao desperdício e redistribuição à “insegurança jurídica” é constantemente reproduzida para naturalizar a brutal desigualdade brasileira e deslegitimar qualquer projeto de ruptura com o status quo.

Em meio a esse cenário, o governo federal vacila. A coalizão ampla que sustenta o Executivo exige constantes concessões à direita institucional, e o que deveria ser um governo de reconstrução nacional acaba se moldando aos ditames da governabilidade burguesa. A esquerda institucionalizada enfrenta o dilema da moderação: ao buscar “diálogo” com quem nunca teve compromisso com a democracia, acaba diluindo seu próprio programa e desmobilizando a base popular que a sustenta.

Enquanto isso, a fome volta a assombrar os lares da classe trabalhadora. A precarização avança, os conflitos fundiários se intensificam, os direitos sociais seguem sendo atacados, e a elite segue blindada protegida por um sistema político que não representa o povo, mas o capital. A luta pela taxação das grandes fortunas, nesse contexto, não pode se restringir à institucionalidade: ela deve ser assumida como bandeira estratégica dos movimentos sociais, da juventude, das organizações de esquerda e da classe trabalhadora organizada.

Só haverá reforma tributária de fato quando houver reforma política, ruptura com os pactos conservadores e mobilização popular suficiente para forçar o Estado a sair da neutralidade de fachada e assumir um lado: o lado do povo.

Conclusão:

A taxação das grandes fortunas no Brasil constitui, antes de tudo, uma necessidade histórica inadiável e uma urgência política que se impõe diante da tragédia social representada pela desigualdade extrema,sua implementação vai muito além de um simples ajuste nas engrenagens da política fiscal: trata-se de um enfrentamento direto à arquitetura da dominação econômica que há séculos estrutura a sociedade brasileira em bases profundamente excludentes,taxar os muito ricos é afirmar que a riqueza não pode mais ser acumulada às custas da fome, da precariedade, da exclusão e da morte dos muitos.

O debate sobre a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto desde 1988 na Constituição Federal, não pode continuar sendo adiado sob pretextos tecnocráticos ou chantagens econômicas,cada ano de omissão equivale a bilhões que deixam de ser investidos em políticas públicas essenciais, aprofundando a miséria de milhões de brasileiros e fortalecendo a concentração patrimonial de uma elite que já detém poder suficiente para controlar os rumos da política nacional. Não se trata de uma questão técnica: é uma disputa de projetos.de um lado, a defesa do privilégio; do outro, a luta pela dignidade coletiva.

Implementar o IGF é um passo fundamental para reverter a lógica de um Estado refém das elites, que se recusa a tocar na renda do capital ao mesmo tempo em que penaliza, de forma brutal, o consumo e o trabalho. Significa romper com o mito da neutralidade fiscal e afirmar que o sistema tributário é, sim, uma arena de luta de classes, na qual as políticas públicas refletem as correlações de força entre quem lucra e quem sobrevive. É admitir que uma sociedade democrática e justa só pode se sustentar sobre um pacto fiscal redistributivo, progressivo e comprometido com os direitos sociais,.as nenhuma mudança estrutural virá de cima. A história ensina que os avanços populares sobretudo aqueles que desafiam os fundamentos do poder econômico só ocorrem quando há mobilização social, pressão organizada e enfrentamento político. A luta pela taxação das grandes fortunas exige que os movimentos populares, sindicatos, partidos de esquerda, coletivos periféricos, juventudes organizadas e intelectuais críticos construam, juntos, uma ampla frente de denúncia e proposição,uma frente que vá às ruas, que forme politicamente as bases, que dispute as narrativas na mídia e nas redes, que confronte o cinismo das elites e construa hegemonia popular.

É preciso, portanto, coragem,coragem para enfrentar a chantagem do mercado, para romper com os pactos de silêncio que protegem os bilionários e para dizer, em alto e bom som, que não é mais admissível que uma pequena minoria viva como imperadores enquanto a maioria do povo brasileiro amarga o desemprego, o desalento e a fomecoragem para recolocar a tributação no centro da agenda pública, não como ferramenta de austeridade, mas como instrumento de emancipação popular e redistribuição do poder econômico.

O Brasil que queremos não é compatível com a permanência da injustiça fiscal,A democratização da riqueza é condição fundamental para qualquer projeto de soberania nacional, de bem viver, de dignidade para todas e todos,a luta pela taxação das grandes fortunas é, nesse sentido, parte inseparável da luta por uma sociedade socialista, onde a riqueza seja socialmente produzida e coletivamente compartilhada, e não apropriada por meia dúzia de famílias.

Chegou a hora de fazer valer o que a Constituição prometeu,chegou a hora de confrontar os privilégios históricos, de reverter a pilhagem cotidiana dos recursos públicos, de fazer do Estado um instrumento da maioria.

A justiça fiscal é a ponte entre a democracia formal e a justiça social concreta,sem taxar os super-ricos, não haverá país justo,sem redistribuir a riqueza, não haverá povo livre.

REFERÊNCIAS:

FAGNANI, Eduardo. Reforma Tributária e Justiça Social. São Paulo: Boitempo, 2021.

FERNANDES, Florestan. O que é Revolução. São Paulo: Expressão Popular, 1999.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

MARX, Karl. O Capital – Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.

PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

INSTITUTO JUSTIÇA FISCAL. A reforma tributária progressiva. Porto Alegre, 2021.

IPEA. Sistema Tributário Brasileiro: Avaliação e Propostas. Brasília, 2023.

OXFAM Brasil. Relatório de Desigualdade Global 2024. Disponível em: https://oxfam.org.br

A indústria bélica como pilar do capitalismo global

A economia global está profundamente estruturada pela produção e comercialização de armamentos. A cada conflito intensificado, as ações das empresas militares se valorizam, gerando lucros bilionários para um seleto grupo de corporações transnacionais. Segundo o SIPRI (2024), os EUA continuam liderando o ranking dos países que mais investem em defesa — com mais de US$ 877 bilhões gastos em 2023.

Essa realidade revela o quanto o complexo industrial-militar é intrínseco ao modo de produção capitalista. Como analisa Chomsky (2017), os EUA não buscam a paz, mas sim a perpetuação da guerra como mecanismo de dominação geopolítica e acumulação. Não por acaso, grande parte dos conflitos atuais se dá em regiões ricas em petróleo, gás e recursos naturais — como Palestina, Irã, Síria, Líbia e Iêmen —, onde interesses econômicos e estratégicos justificam a militarização permanente.

A Palestina e o colonialismo sionista

O caso palestino é expressão clara do colonialismo de ocupação legitimado pelo imperialismo ocidental. Desde a Nakba, em 1948, o povo palestino sofre com deslocamentos forçados, apartheid territorial e extermínio sistemático. Organizações como a Anistia Internacional (2022) e a Human Rights Watch (2021) já classificaram o regime israelense como um sistema de apartheid — com leis e práticas que discriminam sistematicamente os árabes palestinos.

Israel, financiado e protegido diplomaticamente pelos EUA, atua como potência colonial armada no Oriente Médio. A cada bombardeio em Gaza, a indústria bélica americana lucra; a cada criança morta sob escombros, os Estados Unidos reafirmam sua lógica necropolítica. Como destaca o PSOL em diversas moções e manifestações, o Brasil precisa romper com a cumplicidade e reconhecer o genocídio palestino como um crime contra a humanidade (PSOL, 2023).

O Irã como alvo da demonização imperialista

O Irã, por sua vez, ocupa o papel do inimigo necessário na narrativa estadunidense. Desde a Revolução Islâmica de 1979, os EUA impõem sanções severas ao país, apoiam sabotagens internas e ameaçam com intervenções militares. Essa construção do “inimigo islâmico”, associada ao discurso de “segurança nacional”, mascara os reais interesses econômicos por trás das tensões: controle do petróleo, contenção da influência russa e chinesa, e o fortalecimento da presença militar ocidental no Golfo Pérsico.

A demonização do Irã serve para alimentar o discurso de medo e justificar os gastos bilionários com defesa. Como analisa Sabrina Fernandes (2019), o imperialismo atual é sustentado por um ecossistema ideológico que mistura colonialismo, racismo, militarismo e fundamentalismo neoliberal.

A falsa sensação de paz promovida pelos EUA

A diplomacia estadunidense vende ao mundo a imagem de guardiã da liberdade, defensora dos direitos humanos e promotora da paz. No entanto, a história recente demonstra o contrário: Vietnã, Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria e Palestina são marcos do fracasso moral da geopolítica dos EUA. Em todos esses contextos, o país atuou de maneira direta ou indireta para fomentar conflitos, derrubar governos, financiar milícias e desestabilizar nações soberanas.

O discurso pacificador é, portanto, uma farsa funcional ao sistema. Como lembra Angela Davis (2021), “a paz sem justiça é apenas uma continuação da violência sob outra forma”. O papel dos EUA na manutenção da guerra e no abastecimento do terror, via indústria bélica, não pode mais ser romantizado sob a lógica do “intervencionismo humanitário”.

Considerações finais

A análise dos conflitos no Oriente Médio, à luz do imperialismo capitalista e da atuação da indústria bélica, nos obriga a repensar a política internacional sob uma ótica crítica e descolonial. A Palestina e o Irã não são ameaças à paz, mas alvos do capital. Os EUA não são mediadores, mas agentes da guerra. Superar esse cenário exige coragem política, solidariedade internacionalista e a defesa intransigente da autodeterminação dos povos.

Referências

ANISTIA INTERNACIONAL. Israel mantém regime de apartheid contra palestinos. 2022. Disponível em: https://anistia.org.br. Acesso em: 27 jun. 2025.
CHOMSKY, Noam. Quem manda no mundo? São Paulo: Planeta, 2017.
DAVIS, Angela. Liberdade é uma luta constante. São Paulo: Boitempo, 2021.
FERNANDES, Sabrina. Sintomas mórbidos: a encruzilhada da esquerda brasileira. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.
HUMAN RIGHTS WATCH. A Threshold Crossed: Israeli Authorities and the Crimes of Apartheid and Persecution. Nova York, 2021.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018.
PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL. Resoluções sobre o genocídio do povo palestino. Rio de Janeiro: PSOL Nacional, 2023.
SIPRI – STOCKHOLM INTERNATIONAL PEACE RESEARCH INSTITUTE. Military Expenditure Database. 2024. Disponível em: https://www.sipri.org. Acesso em: 27 jun. 2025.


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