Neopentecostalismo, Dominação e Poder: uma perspectiva racial das religiões afro
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Neopentecostalismo, Dominação e Poder: uma perspectiva racial das religiões afro

Sobre a lógica colonialista presente nas expressões religiosas neopentecostais

Lucas Castro 28 jul 2025, 18:17

Foto: ReP/Reprodução

O fenômeno do neopentecostalismo, particularmente em sua relação com as religiões de matriz africana no Brasil, pode ser compreendido como uma sofisticada estratégia de dominação e poder, cujas raízes se entrelaçam com as estruturas raciais e coloniais da sociedade.

Em Pele Negra, Máscaras Brancas, Fanon coloca que “a desumanização do colonizado não se limita à subjugação física ou econômica, mas se instaura na esfera psíquica, implantando nele um complexo de inferioridade” . Nesse sentido, o discurso neopentecostal que demoniza orixás e entidades das religiões afro-brasileiras replica essa lógica colonialista. Tal discurso não se configura apenas como um combate a uma crença diferente, mas sim como um ataque à própria base da identidade e da ancestralidade negra. A “guerra espiritual” propagada por esses grupos serve como um véu para uma forma de violência simbólica que visa deslegitimar todo um universo cultural e religioso, promovendo a assimilação e a despersonalização do sujeito negro. A promessa de “libertação” ou “salvação” oferecida, muitas vezes condicionada ao abandono das práticas religiosas ancestrais, pode ser interpretada como uma forma de alienação, onde o sujeito internaliza a suposta inferioridade de sua cultura para buscar validação no modelo do dominador.

Já Lélia Gonzalez a particularidade do racismo à brasileira, “o racismo brasileiro é um racismo por denegação, que opera por um pacto narcísico branco” (Por um feminismo afro-latino-americano). Ao atacar as religiões afro-brasileiras, o neopentecostalismo não apenas fomenta a intolerância religiosa, mas também desmantela um dos principais pilares da resistência negra: a ancestralidade e a cosmologia africana. Ao minar a autoestima e a conexão com a herança africana, o neopentecostalismo colabora ativamente com a manutenção do poder branco e eurocêntrico, dificultando a organização e a conscientização política da população negra, essenciais para a luta por reconhecimento e justiça.

A consolidação do neopentecostalismo no Brasil se imbricam profundamente com a ascensão da direita política nas últimas décadas, estabelecendo uma relação simbiótica de poder e influência. Essa aliança estratégica é marcada por valores conservadores, especialmente as pautas morais e de costumes, como a defesa da família tradicional, o posicionamento contrário a direitos reprodutivos, a negação das violências raciais e o combate às discussões de gênero e sexualidade. O alcance das igrejas, com sua capacidade de mobilização de fiéis em massa, oferece à direita uma base eleitoral engajada e fiel, enquanto os políticos de direita, por sua vez, fornecem aos líderes neopentecostais uma plataforma para amplificar suas mensagens e influenciar a legislação, garantindo a proteção de seus interesses religiosos e econômicos e a propagação de sua cosmovisão na esfera pública.

A influência do neopentecostalismo contemporâneo transcende as fronteiras da fé, as igrejas acumulam vastos recursos financeiros, muitas vezes isentos de impostos, que são reinvestidos em mega templos, mídias de massa e, crucialmente, no financiamento de campanhas políticas. Essa articulação entre capital e poder permite que líderes religiosos exerçam uma pressão considerável sobre o legislativo e o executivo, influenciando a formulação de políticas públicas que, frequentemente, favorecem seus interesses e promovem agendas conservadoras que colidem e atacam vários direitos de outros grupos sociais. O poder econômico se converte em capital político, solidificando um ciclo de influência que distorce a representatividade e permeia a esfera pública com valores confessionais, em detrimento do pluralismo e da autonomia individual.

Nesse sentido, a religião se torna uma ferramenta de dominação que se perpetua através de diversas instituições. O neopentecostalismo, portanto, pode ser visto como uma das novas roupagens que o racismo assume na contemporaneidade. Ao prometer uma ascensão social e econômica em troca da adesão a uma fé que condena as práticas culturais e religiosas negras, desviasse a atenção das causas estruturais da desigualdade e da injustiça social.

Diante de tal cenário, a defesa intransigente do Estado laico torna-se um pilar fundamental para a salvaguarda da democracia e da liberdade. Um Estado laico garante que o governo não adote ou se alinhe a nenhuma religião, assegurando a igualdade de tratamento para todos os cidadãos, independentemente de suas crenças ou ausência delas. Ele protege a liberdade de consciência e de culto, impede a discriminação baseada em filiação religiosa e impede que dogmas religiosos sejam impostos como leis civis, garantindo que o espaço público seja um terreno neutro para o debate e a convivência de diferentes visões de mundo. A laicidade do Estado é, portanto, a garantia de um ambiente onde a diversidade é respeitada e os direitos de todos são protegidos, sem a interferência de poderes religiosos que buscam impor suas verdades particulares sobre a coletividade.


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