Aposta na anistia: os cálculos de Bolsonaro e seus aliados para escapar da cadeia
Enquanto bolsonaristas buscam no Congresso uma anistia ampla para livrar Jair Bolsonaro da prisão, resistências institucionais, jurídicas e políticas colocam em xeque a viabilidade do plano
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Desde a condenação de Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e 3 meses de prisão, o ex-presidente e seus aliados têm investido numa estratégia política para evitar o cumprimento da pena – seja em regime fechado, na carceragem da Polícia Federal ou em unidades como a Papuda. A peça central dessa estratégia é uma anistia penal que abranja ele próprio, os demais condenados nas ações referentes ao 8 de janeiro de 2023, e, possivelmente, os crimes que remontam ao inquérito das fake news, iniciado em 2019.
O que se está propondo
O texto-base pressionado pelo PL inclui anistia eleitoral, perdão de penas e abrange todos os crimes desde 2019, com a versão defendida por Sóstenes Cavalcante e outros bolsonaristas. Há uma articulação para aprovar o PL 2858/2022, apresentado inicialmente por Vitor Hugo (PL-GO), como veículo legislativo. O texto pode sofrer modificações antes da votação, e versões mais restritas (“light”) já são objeto de negociação.
Bolsonaro já admitiu interlocutores de abrir mão, por ora, da reversão imediata de sua inelegibilidade, focando primeiro na anistia penal para evitar prisão.
Resistências e obstáculos
No Centrão há forte resistência a uma anistia ampla, geral e irrestrita. Hugo Motta, presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre, presidente do Senado, já indicaram preferência por projetos que limitem o alcance da anistia, reduzindo penas ou excluindo crimes graves, em vez de perdoar automaticamente todos os condenados.
O governo federal, liderado por Lula, sinaliza que vetaria proposta que ultrapasse terreno constitucional ou institucional considerado inaceitável, bem como observa que uma anistia que alcance decisões transitadas em julgado pode ser declarada inconstitucional pelo STF.
Há forte oposição pública. Pesquisas recentes (Genial/Quaest, Datafolha) mostram que a maioria da população rejeita anistia para Bolsonaro. Por exemplo, apenas 36% defendem anistia que inclua o ex-presidente, enquanto 54% são contrários.
Chances de sucesso
Analisando o quadro político, jurídico e institucional, as probabilidades de que uma anistia que beneficie integralmente Bolsonaro prospere são relativamente baixas, embora não sejam nulas. Eis os fatores que pesam:
A favor:
1 – Compartilhamento de interesses dentro do Centrão. Mesmo entre partidos que não desejam ver Bolsonaro de volta imediatamente à disputa eleitoral, existe o consenso de que tirá-lo da situação de prisão, ou ao menos aliviar penas, pode servir como moeda política e estabilizar apoios para 2026.
2 – Janela política impulsionada pela condenação recente. Como mostrou reportagem da CNN e outros veículos, a condenação do STF funciona como incentivo para que bolsonaristas intensifiquem a pressão e tentem aprovar o pedido de urgência para tramitação rápida.
3 – Possível acomodação em versão moderada. Uma versão “light” de anistia – com alcance restrito, sem inelegibilidade restabelecida ou sem perdoar crimes mais graves – tem chances muito maiores. É esse meio-termo que muitos no Centrão parecem preferir.
Contra:
1- Barreiras jurídicas. A Constituição brasileira impõe limites claros: não é possível anistiar crimes contra cláusulas pétreas, golpes ao Estado democrático de direito ou abolir decisões transitadas em julgado apenas por lei ordinária. O STF já sinalizou que uma anistia ampla pode ser questionada.
2 – Resistência política ampla. A sociedade e parcelas significativas do Congresso e da oposição vêem a anistia para Bolsonaro como um ataque institucional — é entendida como tipo de “premiação” ao golpismo, algo incompatível com democracia. Essa percepção política gera custo elevado para quem apoiar o texto amplo.
3 – Incerteza sobre quórum e votações. Para aprovar o projeto, são necessários 257 deputados na Câmara e, depois, votação no Senado. Mesmo que existam cálculos otimistas de bolsonaristas, lack of consenso no Centrão, bem como a possibilidade de vetos presidenciais ou cortes pelo STF, tornam o projeto vulnerável a derrotas ou a modificações significativas.
Prognóstico
É improvável que uma anistia ampla e irrestrita – que inclua a volta imediata dos direitos políticos de Bolsonaro, liberação plena de sua prisão, reversão de condenações já transitadas – seja aprovada nos termos desejados pelos mais próximos ao ex-presidente.
A versão mais plausível é uma anistia parcial ou moderada, com foco em reduzir penas, acelerar a progressão de regime ou garantir prisão domiciliar permanente, mas sem restabelecer automaticamente elegibilidade ou derrubar completamente condenações.
Também é bastante provável que, mesmo que aprovado, esse texto enfrente crescente contestação no STF ou que seja vetado pelo Executivo, gerando longas disputas judiciais e atrasos (pelo menos até 2026, ano eleitoral).
Sendo assim, a empreitada bolsonarista de conquistar uma anistia para escapar da prisão depende de múltiplos fatores que vão além do Congresso – envolve clima social, impactos simbólicos, constituição e judicialização do tema. Embora seus aliados estejam empenhados e vejam “janela de oportunidade” aberta, a soma de resistências jurídicas e políticas torna o sucesso de uma anistia ampla algo incerto. A realidade provável é de concessões: texto moderado, anistia parcial, talvez com Bolsonaro fora da elegibilidade ou sem reversão completa das condenações.