Nossa cidade é amiga ou inimiga das pessoas idosas?
São Paulo não será uma cidade para as pessoas idosas enquanto o orçamento da saúde for terceirizado, as política de urbanismo forem ditadas pelas incorporadoras imobiliárias e os direitos forem retirados da previdência social
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
São Paulo é uma cidade com contradições proporcionais ao seu tamanho – ao mesmo tempo que vivemos na cidade mais rica do país, percebemos que o luxo dos prédios da avenida Faria Lima não se reflete na imagem do restante das moradias e bairros da maior parte do território.
Estava num dia chuvoso e nublado – como tantos outros que significam o apelido de nossa “Terra da Garoa” – quando caminhando em minha frente estava uma mulher idosa desconhecida com sua bengala. Aparentemente tinha uma marcha instável, andava com dificuldade e ao mesmo tempo lutava contra o campo minado de buracos que havia na calçada e com o território hostil do bairro, dominado pelas incorporadoras imobiliárias e suas obras ensurdecedoras.
Confesso que sou um curioso por excelência – sempre num ônibus ou em outro meio de transporte fico pensando na vida e história de cada uma das pessoas ao meu redor – e me pergunto: quais são suas angústias? quem vive ao seu lado? Quais são seus amores?
E nesse sentido, continuei meu caminho atrás dela, imaginando como é viver aqui sendo uma pessoa idosa, possivelmente vulnerável. E me surpreendeu o fato também de nessa semana recebermos um selo da Organização Mundial da Saúde que atesta São Paulo como uma cidade amiga da pessoa idosa.
Trata-se de um conceito amplo, no qual o município deveria desenvolver ações em 8 eixos para adaptar o ambiente físico, social e de serviços de forma a promover o envelhecimento ativo, garantindo participação, saúde e segurança para as pessoas idosas.
Será que aquela mulher desconhecida também atestaria sua cidade como um local amigável para sua existência? Reflexão que convido todas e todos a realizarem também, já que uma cidade amiga da pessoa idosa é um território acolhedor a todas idades, com acessibilidade, oportunidades, garantia de direitos fundamentais, segurança, dignidade e solidariedade.
Nesse contexto, lembro da realidade do SUS de nossa cidade. Apesar de contar com trabalhadores tão necessários que batalham e adoecem contra a pressão de organizações sociais, demissões políticas, falta de integração com os territórios e pressão para apresentarem uma produtividade insana – como atender pessoas idosas com diversos problemas de saúde em 15 minutos – não são incomuns casos de indivíduos vulneráveis que não recebem os cuidados básicos necessários para promoção, proteção e recuperação de sua saúde.
Fora isso, essa mesma prefeitura que na foto de jornais quer ser amiga de pessoas idosas, fere o direito à previdência social de seus servidores. Vimos recentemente projetos de lei que vão na contramão de uma política de direitos previdenciários, que embasam sua justificativa na “falta de financiamento” e necessidade de cortes de gastos para garantir uma austeridade fiscal. Esquecem que por trás dos números existem pessoas, para as quais uma redução de poucos reais no final do mês já pode ser a diferença para terem que escolher entre o aluguel ou uma medicação em falta na Unidade Básica de Saúde.
Além disso, essa visão de que faltam contribuintes na previdência para garantir seu financiamento se ancora numa justificativa da década de 1980, na qual a pirâmide etária era outra. Hoje o envelhecimento populacional é uma realidade, ou seja, estamos vivendo mais e convivemos com muito mais pessoas idosas em nosso cotidiano. E isso não é e nunca deverá ser tratado como um problema.
Nossa sociedade deve fazer uma escolha sobre viver onde seria cada um por si e todos contra todos ou num local baseado na solidariedade, no qual podemos discutir fontes diferentes de financiar a previdência social para além da contribuição dos servidores que tanto necessitam desses valores para existirem numa cidade tão excludente e possivelmente hostil como São Paulo.
Ademais, sobram dados sobre a situação insegura das moradias de pessoas idosas e a falta de equipamentos como núcleos de convivência e instituições de longa permanência públicos para atender uma população que cresce a cada ano.
Por fim, retorno à nossa desconhecida que caminhava pela cidade e pergunto em minha imaginação se ela sente realmente viver numa cidade amiga para si. Infelizmente se meu caminho com ela foi realizado em Moema pode até ser que seja, mas com uma probabilidade maior de ser inimiga se esse mesmo trajeto foi realizado a poucos quilômetros de lá.
Assim, não existe a possibilidade de uma cidade ser amiga de todas as pessoas idosas se o orçamento da saúde é terceirizado para organizações sociais, se a política de urbanismo é ditada pelas incorporadoras imobiliárias e se a cada ano direitos são retirados da previdência social. Um outro modelo é urgente, não só para garantir uma vida com qualidade para as mais de 2 milhões de pessoas idosas da cidade, mas para todos os outros que sonham em envelhecer.