Senado aprova ameaça aos povos originários
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Senado aprova ameaça aos povos originários

PEC do marco temporal viola direitos históricos de indígenas, quilombolas e ribeirinhos; avanço atende agronegócio e serve de retaliação institucional ao STF

Redação da Revista Movimento 10 dez 2025, 03:01

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Em uma manobra política que escancara a correlação de forças no Congresso e a pressão do agronegócio, o Senado aprovou nesta terça-feira (9), em dois turnos e no mesmo dia, a PEC que institui o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A votação acelerada – autorizada por um “calendário especial” apresentado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura – é tratada por entidades e lideranças indígenas como um ataque direto aos direitos constitucionais dos povos originários e como retaliação do Legislativo ao STF, que julga esta semana quatro ações sobre o tema.

Com 52 votos a favor e apenas 14 contrários, o plenário aprovou um texto que restringe o reconhecimento de territórios indígenas àqueles ocupados ou em disputa em 5 de outubro de 1988. 

“É uma tentativa de reescrever a história e apagar séculos de violência, expulsões e massacres cometidos justamente antes da Constituição”, afirmam organizações ligadas aos povos originários.

Retaliação ao STF e ofensiva contra direitos fundamentais

A pressa em aprovar a PEC escancara a disputa entre Senado e Supremo. Após o ministro Gilmar Mendes limitar a aceitação de pedidos de impeachment de ministros da Corte – tirando do Senado esse poder – o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), passou a pautar projetos que confrontam diretamente decisões do STF, entre eles o marco temporal. É a política como retaliação, com os povos indígenas servindo de moeda de troca.

Não por acaso, a tese do marco temporal já foi considerada inconstitucional pelo STF em 2023. Mas setores do agronegócio e da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a maior bancada do Congresso, insistem em reverter a decisão e blindar seus interesses econômicos – especialmente diante dos quase 11 mil requerimentos de mineração incidentes sobre terras indígenas.

Impactos devastadores para povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos

Embora focada nos povos indígenas, a PEC tem efeitos indiretos profundos sobre quilombolas e populações ribeirinhas, que enfrentam processos semelhantes de disputa territorial e pressão de grandes empreendimentos. A Câmara dos Deputados – onde a bancada ruralista é ainda mais expressiva – tende a aprofundar os retrocessos, segundo organizações de direitos humanos.

Observadores denunciam que a PEC:

  • Inviabiliza novas demarcações, atingindo sobretudo povos que foram expulsos de suas terras antes de 1988;
  • Ameaça territórios já demarcados, pois incentiva disputas judiciais e pressões políticas para rever processos concluídos;
  • Facilita a mineração e o garimpo, ao abrir caminho para regularizações posteriores, como tem defendido setores próximos ao relator;
  • Aumenta conflitos no campo, ao alimentar a falsa ideia de que fazendeiros teriam “direito adquirido” sobre áreas tradicionalmente ocupadas;
  • Ataca a autonomia da Funai, ao obrigar que proprietários rurais, municípios e estados participem de todas as etapas da demarcação – um mecanismo que especialistas descrevem como “co-governo da terra indígena pelo agronegócio”.

“É uma política de morte”

Entidades que atuam com povos indígenas e minorias reagiram com indignação. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) classificou a aprovação como “um dos maiores ataques legislativos aos povos originários desde a ditadura”. Segundo a organização, “o marco temporal institucionaliza a violência, legitima expulsões e abre as portas para a devastação”.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirmou que o Senado promove “um retrocesso civilizatório que viola a Constituição e ameaça a sobrevivência física e cultural de centenas de povos”. A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) alertou que a violência pode aumentar também sobre quilombolas, porque o precedente jurídico do marco temporal tende a ser usado para restringir a titulação de territórios negros.

Organizações socioambientais, como o Instituto Socioambiental (ISA), lembram que a tese beneficia diretamente setores interessados em avançar sobre áreas protegidas: mineradoras, madeireiras e grandes propriedades voltadas à exportação.

“A PEC cria insegurança jurídica e abre caminho para novos desmatamentos”, destacou o Instituto.

Interesses em jogo: a bancada ruralista avança

A FPA comemorou o resultado, revelando o real motor da PEC: a pressão do agronegócio exportador, aliado a grupos políticos que enxergam terras indígenas como “entraves ao desenvolvimento”. 

No relatório aprovado, o senador Esperidião Amin (PP-SC) incluiu dispositivos que vetam ampliação de terras já demarcadas; criam indenizações milionárias a fazendeiros — inclusive por “terra nua”, nunca explorada; incluem proprietários rurais em todo o processo de demarcação.

Para organizações de direitos humanos, trata-se de uma “captura do Estado pela bancada ruralista”.

A aprovação da PEC do Marco Temporal não é apenas uma disputa jurídica – é a reafirmação de um projeto político que privilegia interesses econômicos sobre vidas, culturas e direitos constitucionais. Um projeto que transforma povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos em obstáculos a serem removidos. A resistência agora se desloca para a Câmara – e para as ruas.


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