Retrospectiva 2025: a democracia cobra a conta
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Retrospectiva 2025: a democracia cobra a conta

Condenado por liderar a tentativa de golpe de Estado, ex-presidente já começou a cumprir pena de 27 anos de prisão

Tatiana Py Dutra 27 dez 2025, 07:00

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

A prisão definitiva de Jair Bolsonaro (PL), em novembro de 2025, encerrou um dos capítulos mais graves da história recente do país e abriu outro, igualmente decisivo: o da responsabilização penal de um ex-presidente por atentar contra a democracia. Condenado a 27 anos e três meses de prisão, Bolsonaro foi considerado culpado por liderar uma organização criminosa que tentou impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, após a derrota nas urnas em outubro de 2022.

A condenação, proferida pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu a responsabilidade direta do ex-presidente nos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e dano ao patrimônio tombado. O processo transitou em julgado após o ministro Alexandre de Moraes rejeitar os últimos recursos da defesa, considerados meramente protelatórios.

“Reconheço o caráter protelatório dos recursos e não conheço dos embargos infringentes”, afirmou Moraes ao negar a tentativa da defesa de levar o caso ao plenário do STF. O pedido se baseava no voto isolado do ministro Luiz Fux, único a defender a absolvição, o que não atende ao requisito legal mínimo de dois votos divergentes.

Da domiciliar à prisão na PF

Antes do trânsito em julgado, Bolsonaro já estava em prisão preventiva, inicialmente em regime domiciliar, por descumprir medidas cautelares impostas pelo Supremo, como a proibição do uso de redes sociais. A situação se agravou quando o ex-presidente tentou violar a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda, episódio que levou Moraes a decretar sua transferência para a Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, diante do risco concreto de fuga.

Segundo o ministro, a prisão preventiva visou “assegurar a aplicação da lei penal”, entendimento compartilhado por especialistas em direito penal. 

O plano frustrado de Eduardo Bolsonaro

Paralelamente à estratégia jurídica fracassada, a família Bolsonaro apostou em uma ofensiva política internacional. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), recentemente cassado, passou a atuar nos Estados Unidos, buscando apoio de parlamentares da extrema direita norte-americana para pressionar o Judiciário brasileiro, tentar impor sanções a autoridades do STF e sustentar a narrativa de perseguição política.

A manobra, no entanto, foi frustrada. Além de não produzir efeitos concretos sobre o processo, Eduardo acabou se tornando réu no Supremo por articular sanções contra o Brasil e suas instituições, numa tentativa de interferir no julgamento do próprio pai. O STF entendeu que a iniciativa configurava coação no curso do processo e ataque à soberania nacional.

O isolamento político de Bolsonaro também pesou. Setores expressivos da direita tradicional passaram a vê-lo como um passivo eleitoral e institucional, incapaz de liderar novos projetos de poder. Como observou um analista, “a direita não precisa mais de Bolsonaro”; ele teria cumprido o papel de radicalizar o campo conservador, mas se tornado um “encosto” após sucessivos surtos autoritários.

Repercussão e marco histórico

A prisão do ex-presidente teve ampla repercussão nacional e internacional. Movimentos sociais, juristas e lideranças políticas do campo progressista classificaram o momento como histórico, comparável à responsabilização de agentes da ditadura militar em outros países da América Latina. Para esses setores, trata-se de um recado claro de que não há mais espaço para golpes impunes no Brasil.

Nas ruas e nas redes, a avaliação predominante foi a de que a condenação reafirma o papel do STF como guardião da Constituição. Ao mesmo tempo, reacendeu o debate sobre os limites da tolerância institucional diante do autoritarismo, da desinformação e da violência política.

A prisão de Jair Bolsonaro não encerra os desafios da democracia brasileira, mas representa um divisor de águas: pela primeira vez, um ex-presidente eleito foi condenado e preso por tentar destruir o próprio regime que o levou ao poder. Para um país marcado por golpes, anistias e pactos de esquecimento, o episódio sinaliza que a história pode, enfim, começar a mudar de rumo.

PL da Dosimetria

Mesmo após a condenação definitiva de Jair Bolsonaro (PL), parlamentares da extrema direita seguem articulando no Congresso e nos bastidores do Judiciário para tentar reduzir ou contornar o tempo de prisão do ex-presidente. Um dos principais movimentos nessa direção foi a aprovação do chamado PL da Dosimetria, celebrada por aliados bolsonaristas como uma possível porta de saída para abreviar o período de encarceramento em regime fechado.

Nos dias que antecederam a votação, lideranças bolsonaristas chegaram a propagar a narrativa de que o projeto permitiria uma redução drástica da pena, fazendo o tempo de prisão em regime fechado cair de 6 anos e 9 meses para apenas 2 anos e 4 meses. A leitura, porém, não encontra respaldo nas análises técnicas do próprio Supremo Tribunal Federal.

De acordo com cálculos feitos por técnicos do STF com base no texto aprovado pelo Congresso, a eventual aplicação da nova regra reduziria o tempo em regime fechado para cerca de 5 anos e 4 meses — e, mesmo em cenários mais favoráveis à defesa, dificilmente ficaria abaixo de quatro anos. Um resultado muito distante das expectativas criadas pela base bolsonarista e que tende a frustrar o ex-presidente.

Diante desse quadro, aliados admitem reservadamente que a prisão domiciliar passou a ser o principal objetivo político e jurídico do bolsonarismo, mais do que a revisão da pena em si. Ainda assim, os obstáculos são numerosos.

Além da controvérsia jurídica, o PL da Dosimetria enfrenta um caminho institucional longo e incerto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já sinalizou que vetará o projeto. Caso o Congresso decida derrubar o veto, o que só deve ocorrer entre fevereiro e março, a nova legislação ainda precisaria ser regulamentada e invocada formalmente pela defesa de Bolsonaro em pedidos de revisão da pena.

Mesmo no cenário mais otimista para o ex-presidente, a análise desses pedidos só ocorreria meses depois, possivelmente a partir de abril. Ou seja, não há qualquer efeito imediato sobre a execução da pena, tampouco garantia de que o Judiciário acolherá a tese bolsonarista.

O episódio do PL da Dosimetria evidencia, mais uma vez, a estratégia recorrente da extrema direita: tentar, pela via legislativa, corrigir derrotas sofridas no Judiciário. No caso de Bolsonaro, trata-se de uma ofensiva política que esbarra não apenas nos limites legais, mas também no fato de que sua condenação já transitou em julgado — tornando inviável qualquer revisão do mérito ou da dosimetria da pena.


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