Um giro histórico na situação mundial
A crise econômica de 2008 deu início a um novo período no capitalismo, mais propício à construção de alternativas anti-sistêmicas.
A eclosão da crise econômica mundial foi detonada pela inadimplên- cia e bancarrota dos empréstimos imobiliários nos EUA, em julho de 2007. Mas como veremos, o detonador não é a causa. Meses depois, em setembro de 2008, a crise foi visivelmente agravada no norte do Rio Bravo, quando um dos maiores e tradicionais bancos, o Lehman Brothers, simplesmente quebrou – atingindo, aliás, o território brasileiro como um tsunami, o oposto da marolinha do presidente Lula e seu ministro da Fazenda. Nesta conjuntura o sistema de crédito mundial paralisou. Os esforços de resgate não estão garantindo nem intensidade nem fôlego para a retomada. A crise, como define o ideograma chinês, significa risco e oportunidade. Nossa hipótese é que tenha sido aberto um novo período histórico cujos desdobramentos carregam perigos gigantescos, catástro- fes sociais e ecológicas e oportunidades de confrontos de classes e lutas sociais e políticas decisivas.
Em novembro de 2008 mais de 500 mil pessoas ficaram sem traba- lho nos EUA. Em dezembro, outros 500 mil, fazendo com que 1 milhão de trabalhadores perdessem o emprego em apenas dois meses, o maior corte desde 1945, no fim da Segunda Guerra. Por sinal, no Brasil, em dezembro de 2008, mais de 600 mil pessoas foram desempregadas. As cifras nos EUA chegam já a 9% em Estados como a Califórnia, termômetro da dinâ- mica geral. A expectativa do PIB mundial em 2009 é de zero, ou até mesmo negativo, com algumas projeções cravando menos 3%. A Alemanha, prin- cipal economia européia, estagnou em 2008 e neste ano pode perder 4% do PIB. No Reino Unido, o trimestre do final de 2008 foi o de maior queda da atividade econômica de quase 30 anos. Para ser preciso, a economia retrocedeu 1,5% em relação ao trimestre anterior, o que não ocorria desde 1980. Pela primeira vez o país entra oficialmente em recessão desde 1991, e as estimativas da revista “The Economist” são de que o Reino Unido, a sexta maior economia do planeta, tenha um recuo de 3% a 4% neste ano. A produção do Japão também está em recessão, com a economia encolhendo, segundo previsões do Banco Central do país, em cerca de 2%.
Tudo isso ocorrendo no mundo quando os governos usaram, como há muitas décadas não se via, medidas de natureza antidepressivas do arsenal keynesiano – desde redução a zero na taxa de juros, até políticas fiscais que drenaram muitos bilhões de dólares do Estado para os bancos e empresas – passando por medidas de apoio (em menor escala, é certo), para o consumo direto da população. Os valores ultrapassam 7 trilhões de dólares, metade do PIB norte-americano. São recursos fiscais superio- res aos gastos efetuados nas maiores crises financeiras da história, muito maiores que os gastos de qualquer uma das muitas crises financeiras da década de 90. É possível que estas novas medidas evitem uma depressão prolongada, mas nem isso está garantido. Trata-se de uma recessão não apenas do tipo V, caída brusca e rápida recuperação mas, no mínimo, da chamada U, quer dizer, uma queda brusca que demora mais de um ano para começar a se recuperar – pode ser dois ou três anos – e já não se descarta a possibilidade de uma depressão em L, isto é, uma queda sem recuperação pelos próximos anos.
O certo é que se trata da maior crise desde 1929, quando o desem- prego chegou a 30% nos EUA. Mas em dois sentidos podemos dizer que é ainda mais grave. Agora os governos não têm como usar com a eficácia das décadas de 30 e 40 os instrumentos keynesianos. O maior deles foi a Segunda Guerra Mundial, quando os EUA dinamizaram sua indústria bélica exportando para os países europeus, até entrar com suas próprias forças no conflito. Foi graças à produção bélica que os EUA se recupera- ram da crise de 1929. Uma conflagração geral das grandes potências com a destruição de capitais, que resultou depois no boom do pós-guerra, isto é, derivou numa acumulação de capitais impressionante, não pode mais ser executada. O caminho da guerra geral é uma hipótese difícil para ser trilhada, tendo em vista que os capitalistas – mesmo na irracionalidade de suas ações – temem o perigo e a possibilidade de destruição física dos países e da humanidade.
A atual ocupação do Afeganistão e do Iraque não é suficiente para impulsionar um novo ciclo de acumulação do capital. Além do mais, no caso do Iraque, os EUA encontram-se em um atoleiro e, no Afeganistão, apesar de Obama dar a entender que renovará a aposta bélica, a situação da ocupação é, no mínimo, crítica. As grandes guerras, portanto, não es- tão dadas para salvar o capital. Também a crise atual é maior do que a crise de 29 porque tem um componente novo: a destruição da natureza coloca cada vez mais riscos de catástrofes ecológicas e põe em perigo a própria existência do planeta. O escritor marxista francês François Ches- nais é quem melhor tem alertado para a combinação das crises econômi- ca e ecológica como expressão de uma crise de civilização, uma ameaça de novo tipo, mais grave que as anteriores. Toda e qualquer análise da si- tuação mundial deve partir, então, do que já é uma constatação: estamos, pelo menos, na principal crise do capitalismo desde 1929. Uma crise que deve ser profunda e longa. E que atinge o mundo todo.
Uma das graves contradições do sistema é que imensas massas de recursos econômicos/financeiros não encontram onde se alocar para se reproduzir de modo ampliado; em outras palavras, isso significa que há dificuldades de encontrar canais de investimentos com lucros suficien- tes. Os ganhos financeiros até então tinham sido a opção preferencial na acumulação do capital, com grandes empresas apostando cada vez mais nas bolsas de valores. Nos EUA, por exemplo, os capitais fictícios, isto é, os títulos, ações e dividendos, que não encontram correspondência na produção de mercadorias, superam em várias vezes a produção. O fato é que há no mundo uma acumulação impressionante de poupança cujos ga- nhos são meramente financeiros, com a desregulamentação dos últimos anos facilitando com que o dinheiro gerasse dinheiro sem passar pela produção. Mas isso não tem como continuar indefinidamente. A sobre acumulação de capital se revela com força na crise, onde o capital e a mais valia são queimados em grande quantia, única forma capaz de per- mitir a retomada da acumulação capitalista em outro patamar.
Então, a economia atual, dominada pelo capital financeiro, fusão do capital bancário e industrial, encontra-se numa situação difícil, na me- dida em que a enorme desvalorização das ações das bolsas (as empresas negociadas nas principais bolsas mundiais perderam US$ 17 trilhões em 2008, a soma do PIB dos EUA e da Alemanha) e dos capitais fictícios, de modo geral, obriga os capitais a encontrar ramos concretos de produção para que se abra um canal capaz de drenar os recursos hoje parados, sem aplicação rentável segura. Fundos de previdência privada, seguros de saúde, aposentadoria, recursos oriundos de privatizações, enfim, massas de recursos financeiros que durante anos encontraram na bolsa o lugar da sua valorização sem o risco de passar pela produção, perderam recursos. O capital torrado era fictício, mas daí derivavam rendimentos nada fic- tícios de milhões de famílias e promessas de aposentadorias para outros tantos milhões. Tampouco são fictícios os capitais destruídos pela indús- tria automobilística – com sua superprodução de carros, o que demonstra que existe hoje uma superprodução de mercadorias e uma redução de canais para investimentos produtivos.
Além do mais, não se pode perder de vista que há uma demanda tanto de famílias, quanto de empresas e, sobretudo, dos fundos de todos os tipos pela forma líquida de capital, a saber, por manter o capital na forma dinheiro. Para isso, nos últimos anos os melhores locais foram as bolsas de valores. Foi por isso também que o dinheiro especulativo mun- dial, somado aos recursos dos fundos, alimentou as bolsas, sobretudo a dos EUA, com novos compradores, permitindo que os preços das ações subissem constantemente, retirando sua rentabilidade da entrada de no- vos compradores. Até que veio a crise. E agora, para onde vão?
Depois da crise de 1974-75, a primeira recessão mundial genera- lizada do pós-guerra, o capitalismo logrou um novo salto de acumulação, sem por isso deixar de ter ciclos econômicos, como a crise de 1980-82, que foi uma crise muito grave. Ambas foram crises de superprodução cuja primeira expressão foi o esgotamento dos mercados de automóveis. Mas o capitalismo conseguiu superar estas crises precisamente porque surgiu um novo ramo de produção, o setor da informática e das teleco- municações que permitiu um canal de fortes investimentos. Estes inves- timentos, durantes os anos 80 e sobretudo nos anos 90, realizaram-se na esteira da restauração do capital na China e dos países do leste, a partir do qual o capitalismo ganhou novos mercados, permitindo o domínio global do regime de produção de mercadorias, a atual globalização do capital. Como encontrará suas novas fontes de expansão? Qual a dimensão e por onde pode encontrar canais de destruição de forças produtivas para reto- mar sua acumulação em novo patamar?
Como a destruição de capitais não será tão violenta, nem tão abrupta, nem profunda e extensa como na Segunda Guerra e, tampouco, há um novo ramo de produção para permitir uma nova onda de produção em massa, a recuperação da acumulação do capital tende a ser mais demo- rada, arrastada, mais difícil do que as recessões das últimas cinco décadas. O que ainda não é previsível é até que ponto a China conseguirá compen- sar a queda da economia nos países capitalistas centrais. Todos sabem que o crescimento aí será reduzido, o que em números deve se traduzir numa redução do atual crescimento do PIB de 10% ou 9% para 6% ou 5%. Concretamente, impõe-se uma pergunta: até que ponto a China seguirá sendo uma fábrica do mundo, permitindo a reprodução do capital das empresas capitalistas que lá investem, mantendo a sustentação dos títulos do tesouro norte-americano, atualmente o principal refúgio dos capitalistas? Não está claro quando a China terá sua crise de superprodução, mas já está claro que tampouco passará incólume na crise mundial, particularmente com a redução das suas exportações para os EUA e para a Europa.
Enfim, há uma situação mundial de crise tão profunda que os ju- ros do tesouro norte-americano estão negativos, ou seja, o dinheiro neles investidos se reduz ao longo do tempo e, mesmo assim, é considerado o porto seguro dos investidores. Diga-se de passagem, esta estabilidade encontra-se justamente na China, que detém, junto com o Japão e as bur- guesias Árabes, grande parte dos títulos norte-americanos. Este fato em si mesmo mostra as possibilidades de desestabilização do regime capita- lista. Mas antes de seguir vejamos mais de perto uma explicação sintética da teoria marxista sobre as crises.
A teoria marxista das crises, uma primeira aproximação
É sabido que Marx não desenvolveu uma teoria completa da crise. Ademais, a teoria geral não substitui a análise empírica necessá- ria para compreender cada crise concreta do capital. Sem recorrer à armação teórica de Marx, sem as leis da estrutura e do movimento do capital por ele formuladas, porém, não há como o concreto, síntese de múltiplas determinações, para usar a expressão de Hegel, ser pensado e compreendido. Seus textos são repletos de dicas, de explicações das mais diversas determinações, sem as quais não teríamos possibilidade de assimilar as transformações e os movimentos da realidade econômi- ca. Atualmente as livrarias da Alemanha anunciaram procura recorde das obras de Marx. Até os capitalistas estão buscando em seus livros a explicação do que ocorre.
A doutrina econômica de Marx começa com a explicação do que é a mercadoria. A produção capitalista é a produção generalizada de mer- cadorias, isto é, produção de valor e de mais valia. Vamos por partes. Os trabalhadores produzem valor de uso, a saber, objeto útil para atender às diversas necessidades humanas e base material da riqueza em qualquer sociedade. Mas no capitalismo o valor de uso produzido tem como obje- tivo ser vendido, isto é, ser produto que se converte em mercadoria.
Ao falar de valor de uso e valor de troca nos remetemos aos con- ceitos tão importantes em Hegel: qualidade e quantidade. O valor de uso envolve qualidade. Sua produção demanda um determinado tipo de tra- balho, com determinada capacidade técnica, específica, que produz um objeto determinado, com determinada utilidade, com uma qualidade con- creta. Seja um carro, um computador, ou, para usar o exemplo típico de Marx, um casaco. Mas a mercadoria é produzida para ser trocada. Para a produção de valor de troca, do mero valor, o valor de uso é apenas sua substância material. O valor de troca envolve quantidade, e revela-se, segundo Marx, na relação de troca, relação quantitativa entre valores de uso de espécies diferentes, na proporção em que se trocam as mercado- rias sujeitas a mudanças constantes no tempo e no espaço.
Qual a base do valor de troca? Como estabelecemos a relação de troca, a proporção entre os valores de uso? É lógico que para serem tro- cados os valores de uso precisam ser comparados e, portanto, ter algo em comum. Não pode ser sua utilidade concreta. Alguém vende algo de que não tenha necessidade imediata e compra aquilo que tem necessidade. Assim, a mercadoria que é um não valor de uso para o proprietário, que detém a mercadoria para ser vendida, é valor de uso para o não proprie- tário que necessita comprar a mercadoria. Logo, sua qualidade comum não pode ser seu valor de uso concreto, já que a utilidade diferente delas é o que motiva a troca. Marx chega à conclusão de que a qualidade que as mercadorias têm em comum é ser produto do trabalho humano, dis- pêndio humano de músculos, nervos, inteligência, energia. Ou seja, são produtos do trabalho humano geral, abstrato.
A qualidade comum das mercadorias, já vimos, é ser produto do trabalho. Assim, a quantidade de uma mercadoria é medida em tempo de trabalho. A mercadoria é um determinado valor cuja medida é o tempo de trabalho humano gasto em sua produção, mas não um tempo particular, específico de cada mercadoria. Marx explica que não é qualquer tempo, mas o tempo de trabalho socialmente necessário, isto é, o tempo de tra- balho social médio necessário para produzi-la nas condições de produção socialmente normais. Isto quer dizer que uma mercadoria que é produzi- da em 2 horas, enquanto a média social da produção desta mesma mer- cadoria é de 1 hora, teve 1 hora de trabalho desperdiçado. No mercado, o que vale é a produção média.
A esta questão é agregada a definição de que o valor de uso apenas se realiza no consumo, sem o qual o trabalho empregado na sua produção revela-se trabalho inútil, improdutivo. Ou seja, o tempo de trabalho social implica também que a mercadoria se realize no consumo para que não seja considerada desperdício de trabalho humano. Isto tem particular impor- tância para se compreender o papel da circulação, porque na circulação a mercadoria entra no mercado para ser vendida, para ser realizada, razão pela qual o capital comercial recebe uma parte da mais valia mesmo sem participar de sua produção direta. Mas o que é exatamente a mais-valia?
A mais-valia
O segredo da acumulação capitalista, a genial descoberta de Marx, a partir da qual, segundo Engels, o socialismo adquiriu um caráter científico, está na exploração da única mercadoria que tem como valor de uso a propriedade de criar valor: a força de trabalho humana. Tendo comprado a força de trabalho, o proprietário dos meios de produção pode usufruir desta força, consumi-la ao máximo. Quando compra a força de trabalho, o marxismo admite que o capitalista possa comprá-la pelo seu valor de mercado. E qual o valor da força de trabalho?
Como toda a mercadoria, vale o tempo necessário para garantir sua produção (e reprodução, para que novos assalariados substituam os antigos na velhice e na invalidez), quer dizer, vale o equivalente ao valor das mercadorias necessárias para o trabalhador restabelecer suas forças e poder voltar a vender sua força de trabalho, garantindo o mínimo para sua família. São, portanto, as mercadorias ligadas à ali- mentação, ao vestuário, aos transportes, moradia etc. as fundamentais na determinação do valor da força de trabalho. Na prática, sabemos que os capitalistas pagam menos do que o necessário, como vemos muito bem quando anunciam a cada ano, por exemplo, o salário mínimo no Brasil, como de resto ocorre com os salários de várias categorias. Mas no Brasil trata-se da superexploração.
O segredo da exploração, porém, está já no pagamento da força de trabalho mesmo que seja por seu real valor, na medida em que os capitalistas sugam ao máximo os trabalhadores na produção, para além da reposição dos salários. Com seu trabalho, o trabalhador restitui ao capitalista o equivalente ao seu salário, pago pelo capitalista, e ainda lhe garante um valor a mais, um trabalho que excede o tempo de trabalho necessário para reproduzir o valor de sua própria força de trabalho: eis aí a mais valia. Ou seja, dada uma jornada de trabalho de 8 horas, digamos que em quatro horas o trabalhador produza o equivalente ao que recebe como salário, as quatro horas restantes representam o trabalho excedente, a mais-valia do capitalista.
A contradição entre valor de uso e valor
Quando as mercadorias entram no processo de troca, sua manifes- tação mais clara e acabada aparece: o dinheiro. Gerado pelo pro- cesso de troca, o dinheiro serve para equiparar os diferentes produtos do trabalho, já que todas as mercadorias, antes de poderem se realizar como valores de uso, necessitam realizarem-se como valores através da troca entre equivalentes. Aí se produz a separação entre a mercadoria e o dinheiro e a oposição imanente da mercadoria entre o valor de uso e o valor de troca.
Nesta contradição básica está posta a primeira possibilidade da crise, embora as condições completas para a mesma ainda não podem se desenvolver no nível da produção simples. “O comprador passa a ter a mercadoria, o vendedor o dinheiro, isto é, uma mercadoria que entra em circulação a qualquer tempo. Ninguém pode vender sem que alguém compre. Mas ninguém é obrigado a comprar imediatamente, apenas por ter vendido. A circulação rompe com as limitações do tempo, de lugar, e individuais, impostas pela troca de produtos, ao dissociar a identidade imediata que, nesta última, une a alienação do produto próprio e a aqui- sição do alheio, gerando a antítese entre venda e compra” (Volume I do Capital, p.128 )
Marx ensinou que apenas num determinado estágio de desenvol- vimento da produção de mercadorias o dinheiro se transforma em capital. A fórmula da circulação de mercadorias no estágio inicial da produção mercantil, que era M (mercadoria) – D (dinheiro) – M (mercadoria), isto é a necessidade de vender uma mercadoria para poder comprar outra, passa a ser agora D-M-D’, isto é, compra para a venda com lucro. Este aumento não pode vir da circulação, porque a troca de mercadorias se dá entre equivalentes. O ganho não pode ter vindo do fato do comprador comprar a mercadoria abaixo do seu valor, nem de tê-la vendido acima do seu valor. Neste caso, perderia por um lado o que ganharia por outro, já que o comprador é também vendedor e vice versa.
Até aqui a primeira possibilidade da crise foi percebida na in- trodução do dinheiro na relação de trocas. Sua introdução nas relações humanas representou, é óbvio, um grande progresso. Sem o dinheiro as sociedades não poderiam realizar a troca das mercadorias de modo sis- temático e generalizado. Para que um produtor pudesse trocar sua mer- cadoria por outra teria que encontrar no mercado alguém que tivesse ne- cessidade de sua mercadoria e fosse possuidor de uma mercadoria na qual produtor estivesse interessado. Nas condições simples, portanto, a troca era entre mercadoria e mercadoria (M-M). Com o dinheiro, o ato de troca pode ser dividido em duas partes. Não precisa, para efetuar a troca, encontrar alguém que tenha o produto que ele quer adquirir e que, ao mesmo tempo, queira adquirir o produto que ele produziu. O dinheiro passa a ser o intermediário. O produtor pode vender seu produto em troca de dinheiro e comprar outro produto com o dinheiro que recebeu. Trata- se do M-D-M, a venda da mercadoria em troca do dinheiro e o dinheiro comprando a mercadoria.
Os limites do capital
Como vimos, segundo Marx, nesta ampliação da troca está já a possi- bilidade da crise. Afinal, com a separação entre o ato de venda e de compra está a possibilidade de que ao ato de venda não se suceda um de compra. Por algum motivo qualquer que seja interrompida a circulação de mercadorias, teríamos um quadro de mercadorias inventáveis. Mas esta é a questão mais simples. Trata-se apenas da possibilidade da crise, mas não da sua explicação, ou pelo menos de sua explicação completa. Nas determinações anteriores visualiza-se uma contradição fatal. Ela está relacionada com a medida que o capital tem de sua própria valorização. Nas escolas de economia dirigidas por Nahuel Moreno, o dirigente revolucionário argentino ensinava como Marx pescava de He- gel para entender o conceito de medida, fundamental na definição do valor e das contradições do capital. Em Hegel a medida é justamente a síntese da qualidade e da quantidade. Moreno explicava que um sujeito não pode ir ao armazém e pedir simplesmente açúcar: “quero açúcar”, sem dizer quanto, é um pedido sem sentido. Da mesma forma não pode simplesmente dizer quero 10k, sem dizer 10k do que. Então, a medida é unidade da quantidade e da qualidade. Assim, a mercadoria tem que ter qualidade e quantidade comum para ter medida. E o tempo de trabalho consiste justamente na medida de valorização do capital, isto é, quanto maior o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção das mercadorias maior é seu valor.
E o que estes conceitos tem a ver com a crise? Eis a questão. O capital é um regime de produção cujo objetivo é sua auto valorização e que tem como contradição justamente o fato de que seu desenvolvimento tende a sua desvalorização. Vejamos melhor. Partimos de que é a utili- zação específica da força de trabalho, sua exploração como mercadoria, que valoriza o capital, isto é, que garante a produção com lucro. O valor do capital aumenta com a ação do trabalho vivo na mesma proporção em que se reduz o trabalho necessário que o trabalhador realiza para si mesmo, pois a mais-valia nasce do mais trabalho, do trabalho que excede o trabalho necessário. Assim, para o capitalista aumentar a exploração das forças de trabalho, necessita reduzir o valor da força de trabalho em relação ao conjunto da produção. Precisa reduzir o valor desta mercado- ria que é a única que gera valor. Quanto mais reduzidos os gastos com a força de trabalho e, portanto, quanto menor o valor do tempo de trabalho necessário para que os trabalhadores continuem produzindo e se reprodu- zindo, melhor para o capitalista.
É lógico que aqui a acumulação do capital tem seus limites: “o capital não pode se apropriar de toda a jornada, pois uma parte dela preci- sa ser permutada pelo trabalho objetivado no trabalhador” (Roman Ros- dolsky, Gênese e Estrutura do Capital, p. 198). Mas antes disso e mais importante é considerar que “quanto menor for a fração que corresponde ao trabalho necessário e maior a que corresponde ao mais-trabalho, me- nor será a redução do trabalho necessário proporcionada pelo incremento da força produtiva, até o ponto de não reduzi-lo sensivelmente, pois o denominador cresceu enormemente” (idem)
Ao mesmo tempo, também para vencer a concorrência dos de- mais, os capitalistas não podem parar de aumentar a produtividade do seu próprio capital, buscando sempre diminuir o trabalho necessário e, portanto, aumentar o trabalho excedente. Desta forma aumenta a massa de mercadorias produzidas e aumenta a produção do chamado capital constante, isto é, os gastos em máquinas, equipamentos, matérias primas e auxiliares, relativamente ao gasto em salários. Diante da concorrência, porém, os capitalistas necessitam não apenas a redução dos custos com a mão-de-obra, mas também reduzir o tempo de trabalho gasto na produ- ção das mercadorias, de todas as mercadorias, na produção das matérias- primas, nos equipamentos, máquinas e matérias auxiliares.
Ocorre que o capital não tem como escapar de sua antinomia bá- sica, podendo apenas ultrapassar seus limites por meios que lhes impõe estes limites de forma ainda mais potente. O fato é que o capital tem o tempo de trabalho como medida de valor das mercadorias, como medida da riqueza. Sendo seu objetivo limitado se valorizar, tem que para tanto aumentar sempre, constantemente, de modo ilimitado, sua capacidade de produção, cuja resultante é a diminuição cada vez maior do tempo de trabalho necessário para completar o processo de produção. Produzir mercadorias com preços cada vez mais reduzidos, aliás, é considerada por Ernest Mandel, na esteira de Marx, a missão civilização do capital, embora a existência dos monopólios relativize esta tendência.
Assim, um regime de produção que necessita aumentar a produ- tividade, ou o que é apenas outra forma de dizer a mesma coisa: tem que reduzir o tempo de trabalho necessário para a produção de mercadorias e, ao mesmo tempo, tem o tempo de trabalho como medida de riqueza, sofre a contradição de produzir e se desvalorizar ao mesmo tempo, ten- do que, mais uma vez, produzir para poder se valorizar e novamente se desvaloriza na medida em que produz em cada vez menor tempo de tra- balho, isto é, com cada vez menor medida de sua valorização e riqueza. Uma contradição que se agrava mais sempre que o capital se reproduz de modo ampliado, já que reduz sua própria medida de riqueza. As crises, portanto, são funcionais à existência do capital. São justamente o mo- mento em que o capital se desvaloriza de modo rápido e de modo quali- tativo, uma queima de capitais e de valor em proporção capaz de permitir novamente a valorização do capital. É um momento em que as riquezas são destruídas. De cada crise, segundo Marx, aumenta a concentração e a centralização dos capitais nas mãos de um número mais reduzido de capitalistas que, além de explorarem os trabalhadores, expropriaram os capitalistas mais fracos. Ao mesmo tempo, é nas crises do capital que se evidencia o caráter reacionário e irracional do sistema, do ponto de vista dos interesses da humanidade, quando se evidencia a existência comum da superprodução de capitais e mercadorias de um lado, e a miséria das massas de outro.
A queda tendencial da taxa de lucro
É a partir da compreensão acerca dos limites do capital que Marx per- cebe uma das determinações mais relevantes da crise: a tendência à taxa de lucro se reduzir. O desenvolvimento crescente da produtividade do trabalho, das forças produtivas, leva a uma expansão cada vez maior do investimento em capital constante, em máquinas, equipamentos, ma- térias-primas e, relativamente, a uma redução do capital variável, isto é, dos gastos com mão-de-obra, justamente o fator que valoriza o capital e que garante o lucro, razão pela qual leva o nome de variável, especifica- ção do fato de que são os trabalhadores que fazem variar o capital, mais concretamente aumentando seu valor. Como a taxa de lucro é a razão entre a mais-valia e a soma dos gastos com capital variável, isto é, os gastos com salários, mais os gastos com capital constante, sua tendência é cair à medida que aumenta a acumulação do capital e em que aumenta, portanto, o trabalho excedente em relação ao trabalho necessário.
Os fatores contrastantes, as contra tendências a esta lei, como o aumento da população e o desenvolvimento técnico, para citar apenas dois, com os quais a produtividade do trabalho aumenta a quantidade de mercadorias e reduz o valor unitário das mesmas, e logo, do próprio capital constante, adiam a efetivação da lei, podem ajudar na retomada do crescimento e da acumulação do capital, mas não anulam a lei, já que ao aumentar a produtividade – e portanto reduzir a jornada de trabalho necessário – e ao aumentar a quantidade total de capital e das mercadorias produzidas aproximam o capital de seus próprios limites e reduzem as oportunidades de investimentos produtivos.
E aqui vem uma segunda determinação fundamental da contradi- ção do capital. Marx nunca sustentou uma explicação monocausal para as crises capitalistas. Também a ausência de demanda efetiva está na raiz das crises. À medida que a produtividade aumenta, aumentando a quan- tidade de capital e, portanto, de mercadorias, crescem as dificuldades da realização da mais-valia, isto é, a realização do lucro. Não basta produzir valor de uso. É preciso produzir valor de troca, ou seja, produtos para a venda. E a mercadoria não se realiza sem o consumo. “ A razão última de toda verdadeira crise é sempre a pobreza e a capacidade restringida de consumo das massas, com o que contrasta a tendência da produção capi- talista a desenvolver as forças produtivas como se só tivessem por limite a capacidade absoluta do consumo da sociedade”, afirmava Marx.
A demanda insuficiente
Sobre este ponto, a explicação de Lauro Campos nos parece excelente: “Marx afirma que a demanda é insuficiente porque é capitalista: a re- muneração dos trabalhadores (V) e o pagamento aos outros empresários (C) criam rendas monetárias que podem designar-se por D1 e D2. Os em- presários criam demanda monetária correspondente a D1 + D2 quando incorrem em seus custos de produção (preço de custo). Mas, como a pro- dução é capitalista, ainda que o total de dinheiro lançado pelos empresá- rios em circulação, como pagamento aos fatores e aos outros empresários retornasse como demanda efetiva, ela seria insuficiente. Será insuficiente porque as mercadorias são compostas do valor pago (C + V) e do valor não pago (S), a mais-valia, correspondente à valorização do capital, ao lucro líquido. O lucro é lucro porque não tem custo, não corresponde a nenhum pagamento e, portanto, não gera demanda alguma”
O que Lauro Campos está dizendo é simples: o que os trabalha- dores produzem a mais do que recebem, isto é, a mais-valia, é o valor que falta para a realização da demanda das mercadorias. “O valor da mercadoria é igual a C+V+S do qual apenas os dois primeiros têm uma contrapartida monetária, um preço, que poderá ser usado na demanda de valor equivalente (C+V). Mas falta a demanda monetária para realizar, para adquirir, o valor de S – da mais-valia – valor não pago” (Lauro Cam- pos, Crise completa, p. 158)
Assim, para tentar compensar a falta de demanda operária, a troca entre os capitalistas tem que aumentar sempre, sendo a indústria a fonte de demanda da própria indústria, aumentando as contradições de uma expansão produtiva que, cedo ou tarde, esbarra na limitada capacidade de consumo solvente. O keynesianismo, hoje novamente a corrente domi- nante da economia mundial, sempre chamado a socorrer o capitalismo nos momentos de graves crises, tratou de responder precisamente a esta con- tradição entre a capacidade ilimitada da produção e a limitada capacidade de demanda efetiva, isto é, da demanda que responde não às necessidades em absoluto, mas às necessidades com real poder de compra. Além da tro- ca entre os capitalistas, em última instância, a demanda deveria vir do Es- tado, da moeda inconversível e da dívida pública. Desta forma se estaria ampliando a capacidade de demanda, com a criação do Departamento III, de mercadorias – como a produção armamentista e a espacial, por exemplo cuja absorção maior é garantida pelo próprio Estado.
A combinação entre os dois limitadores
Temos visto até aqui que o capitalismo, para prevenir uma redução de sua rentabilidade, deve acumular capital de forma ininterrupta. Isso quer dizer obter mais-valia crescente, o que pressupõe aumentar a produtividade, revolucionar a produção e conquistar novos mercados. E neste processo, à medida que o capital se acumula, o desenvolvimento e o funcionamento do sistema vai ficando mais difícil. Trocando em miúdos, o capitalismo desenvolve uma contradição que tem dois aspectos: por um lado, a tendência à redução da taxa de lucro dificulta os investimentos produtivos. Para superar esta tendência, e pela pressão da concorrência, os capitalistas precisam apostar em mais do mesmo, quer dizer, aumentar a produtividade, isto é, aumentar o mais trabalho e reduzir o tempo de trabalho necessário.
Mas com o tempo, no seu desenvolvimento, o aumento da pro- dutividade, a capacidade de produção maior, por um lado pressiona a taxa de lucro para baixo e, por outro lado, esbarra na limitada capacidade de demanda efetiva, conduzindo à superprodução de mercadorias. Neste momento o capital não pode, por óbvio, aumentar a demanda com o au- mento do valor da força de trabalho. Tal medida comprimiria os lucros. Por isso, seu movimento é como uma fuga para frente interrompida nas crises, quando capitais são queimados, capitalistas maiores absorvem os menores e o capital se concentra e se centraliza para recomeçar a acumu- lação num novo patamar. Ou seja, a violenta aniquilação do capital nas crises é a condição para sua autoconservação. Trata-se de um movimento cíclico.
Quanto mais as crises demoram a aparecer, adiadas por mecanis- mos de crédito, por exemplo, mais graves elas estouram. A crise atual do capital, em seu movimento concreto, começou com a crise dos créditos imobiliários norteamericanos. Foi a ponta do iceberg. No início dos anos 2000 os capitais acumulados necessitavam encontrar um lugar para se valorizar. O boom imobiliário foi um destes canais. Depois de um tempo, o crédito já era tão generalizado e sem lastro que a inadimplência deu um sinal de alerta. A bolha de crédito sem lastro seguro estourou. Os preços das casas desabaram. A renda de centenas de milhares de famílias caiu. Mas o movimento de calote estava muito longe de se resumir aos consumidores subprime. Os maiores fundos de investimentos e bancos em várias partes do mundo estavam e estão comprometidos. O sistema de crédito mundial entrou em xeque. Ningúem ao certo sabia – e ainda não está claro – quantos e quem serão os próximos bancos e empresas a declarar calote e a pedir falência. A crise chegou ao ponto em que um país até então considerado um dos centros da estabilidade e da riqueza capi- talista, paraíso dos investimentos financeiros, a Islândia, simplesmente entrou em bancarrota em questão de dias.
Marx e um novo período histórico
Com a crise econômica atual, podemos considerar que entramos num novo período histórico? O famoso prefácio de Marx no qual sua con- cepção sobre a história é esquematizada segue útil para clarificar nossas idéias. “Na produção social de sua existência, os homens entram em re- lações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a um grau determinado de desen- volvimento de suas forças materiais de produção. O conjunto destas re- lações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas determinadas de consciência social. Em um certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que a expressão jurídica disso, com as relações de propriedade no seio das quais se haviam movido até então. De forma de desenvolvi- mento das forças produtivas que eram, estas relações transformam-se em seus entraves. Abre-se então uma época de revolução social”.
Marx insistia que “suas relações materiais – as relações mate- riais dos homens – estão na base de todas as suas outras relações”. Logo, quando se alteram as forças produtivas, também são pressionadas para se modificar as relações sociais. “Pela descoberta de um novo engenho de guerra, a arma de fogo, toda a organização interna do Exército foi modificada”, afirmava. Quando as mesmas entram em contradição com as relações de produção, entra-se numa época de lutas e revoluções para que estas relações de produção ou de propriedade sejam superadas. Creio que é justo afirmar que estamos num período deste tipo.
Vale dizer, porém, que como todo o esquema, o prefácio citado de Marx abre janelas para unilateralidades. Por estas janelas entraram to- dos os que, incapazes de compreendê-lo ou interessados em distorcê-lo, transformaram um esquema numa definição pronta e acabada para explicar toda a história, num dogmatismo que substitui o estudo pela repeti- ção de fórmulas e num pensamento que separa as relações de produção da superestrutura política como se fossem blocos sem interligação, sem interação, isto é, relações de reciprocidade, que consistem precisamente em efeitos que são reciprocamente causas, e causas que inversamente são também efeitos.
Marx sabia das relações de imbricações das forças produtivas, das relações de produção e das superestruturas, o quanto as superestru- turas podem ser determinantes em momentos concretos e decisivos. Não poucas vezes os homens com suas superestruturas objetivas e subjetivas, seus partidos, suas representações e paixões, modificam as relações de produção e atuam sobre as forças produtivas. E isto está em sintonia com a letra do prefácio.
Por outro lado podemos dizer que há momentos em que as re- lações de produção acabam se impondo por mais tempo, aumentando o período de não correspondência entre forças produtivas e relações de produção, isto é, momentos em que as relações de produção são cada vez mais antagônicas ao desenvolvimento das forças produtivas, impedindo um maior desenvolvimento das mesmas ou até conduzindo-as à estag- nação. Trata-se também da superestrutura humana atuando, só que des- ta vez, ao invés de revolucionando, conservando. Em função da própria manutenção de uma ideologia conservadora, ou por uma debilidade mais prolongada ou a falta de uma consciência de classe das classes domina- das, e até da ausência de uma direção revolucionária para a sociedade, as relações de propriedade acabam entravando por mais tempo o desenvol- vimento do conjunto das forças produtivas. É aí que as forças produtivas começam a se converter em seu contrário, em forças destrutivas.
Não há dúvida de que a situação do mundo tem sido marcada por esta conservação das relações de produção, mesmo depois de cho- ques entre as mesmas e as forças produtivas, como os que ocorreram da segunda década do século XX até a metade do mesmo século. Do resul- tado destas lutas e de mudanças nos processos produtivos, o movimento operário acabou sofrendo um debilitamento nas últimas décadas e pra- ticamente perdeu sua intervenção internacionalista. Então, nem sempre há correspondência entre as forças produtivas e as relações de produção, havendo também não correspondência, tempos discordantes – expressão do filósofo argentino Milcíades Pena – quando a contradição entre forças produtivas e relações de produção não logra ser superada, quando um impasse se arrasta.
Correspondências e não correspondências, tempos discordantes, combinações e desigualdades. Forças produtivas que se convertem em forças destrutivas. Ideologias do passado e tradições preservadas. São questões que exigem mais do que simples fórmulas. Marx não foi alheio a estas possibilidades. Então, para o marxismo, compreender a história exige hierarquizar as relações de imbricações, as influências mútuas, ação e reação, percebendo a realidade social como um sistema relacional, para usar a expressão de Piaget.
Porém – sempre há um porém – a base destas relações encontra- se na economia, e está nas contradições objetivas desta base a origem do desencadeamento das mudanças revolucionárias. Marx explica que as relações sociais da Idade Média, por exemplo, correspondiam às forças produtivas e ao estado social anterior, do qual emergiram as corporações, os privilégios, as instituições dos grêmios, enfim, todo o regime regu- lamentado. “Sob a tutela do regime corporativo e regulamentado, acu- mularam-se capitais, desenvolveu-se o comércio marítimo, fundaram-se colônias; e os homens teriam perdido estes frutos da sua atividade se se tivessem empenhado em conservar a sombra das quais aqueles fru- tos amadureceram. Daí o ruído de dois trovões: as revoluções de 1640 e 1688” (página 207, do Livro Miséria da Filosofia – carta a AP.V An- nenkov, de 28 de dezembro de 1846). Ou seja, as forças produtivas, num quadro determinado de relações de propriedade e de produção, ganharam impulso até que as relações de produção passaram a ser freios para seu posterior desenvolvimento e a exigência posta é a superação destas rela- ções de propriedade e de produção. Neste caso as revoluções burguesas vieram para destruir o regime corporativo e conquistar liberdade para o capital. Os trovões de que fala Marx.
O capital conquistou seu espaço e organizou seu domínio. No final do século XIX o capitalismo ainda vivia uma época de reformas porque a ascensão dos monopólios permitiu um acelerado desenvolvi- mento das forças produtivas. A redução dos custos de transportes e as invenções revolucionaram a produção, com o motor a combustão interna, a navegação a vapor, o surgimento do telefone e do telegráfo. A acumula- ção de capital, de uma forma ou outra, derramava benefícios para toda a coletividade, garantindo um maior controle do homem sobre a natureza, um aproveitamento da natureza para o progresso do nível de vida e da capacidade produtiva, o que permitiu inclusive concessões econômicas para as massas trabalhadoras.
Em 1905 os primeiros sinais de inversão de signo foram dados e em 1914 uma nova época irrompeu: a guerra mostrava que as forças produtivas haviam se desenvolvido tanto que entraram em choque vio- lento com as relações de produção. As fronteiras nacionais limitavam os capitais que buscavam expansão mundial. A disputa entre os capitais pelas colônias do final do século XIX deu um salto em crescimento. Os conflitos interimperialistas e a primeira grande Guerra Mundial do século XX expressaram que as fronteiras nacionais se constituíam em obstáculo para forças de produção cada vez mais socializadas, baseadas em gran- des fábricas, uma produção que ia arruinando a pequena propriedade, engolindo os capitalistas mais fracos e aumentando a massa trabalhadora despossuída. Aumentavam ao mesmo tempo as pressões e as tensões en- tre os operários e assalariados contra os capitalistas. Com o advento da revolução russa em 1917, os trovões de Marx apareciam.
Foram cerca de 30 anos a partir da segunda década do século passado, quando o mundo foi marcado por crises econômicas, depres- são, duas guerras mundiais, revoluções e contrarrevoluções. Estabele- ceu-se uma luta de massas para superar o modo de produção capitalista. Nestes conflitos, o capitalismo perdeu terreno, com seu modo de produ- ção sendo negado em um terço dos países. Depois da revolução russa, a revolução chinesa de 1949 representou o trovão mais contundente de lutas sociais nas quais as relações de produção e de propriedade capi- talista foram derrotadas. Foram, porém, derrotas em países atrasados. Os principais países capitalistas da Europa foram preservados e tiveram seus estados e economias reconstruídas. O capital logrou seu papel do- minante na economia-mundo.
Ato seguido, o capitalismo ganhou um novo impulso. O nazis- mo tinha cumprido seu papel de política a serviço do capital financeiro ao reduzir brutalmente o valor da mão-de-obra, permitindo um salto na extração da mais valia. A guerra tinha queimado capitais como nunca. Os EUA haviam reativado a indústria com a produção bélica e uma forte repressão interna colocou nas cordas o movimento operário. Na esteira desta realidade veio a reconstrução capitalista européia do pós-guerra. O pacto entre os EUA e os soviéticos garantiu as condições políticas da reconstrução e permitiu a abertura de um novo período histórico. Estes fa- tores políticos e sociais se combinaram com os gastos estatais e os novos avanços tecnológicos, a continuidade da redução dos custos de transpor- te, a massificação do automóvel, da TV, dos bens de consumo duráveis, o transplante de indústrias dos países centrais para alguns periféricos e, mais do que nada, a corrida armamentista e espacial, conduzindo nova- mente ao crescimento das forças produtivas nos países centrais, sempre trazendo mais desigualdade em outros países e continentes e incremen- tando suas próprias contradições internas.
O fato é que as forças produtivas voltaram a crescer de modo contundente, sem beneficiar cerca da metade da população mundial, so- bretudo nos países atrasados, mas garantindo concessões econômicas nos países centrais, na Europa Ocidental, no Japão e nos EUA. O novo perí- odo iniciado nos anos 50 do século XX e que perdura até os nossos dias, hipótese esta aberta por Chesnais, pode ser definido pela enorme expan- são econômica capitalista com razoável estabilidade política.
Em verdade, o período iniciado nos anos 50 não foi todo igual. Talvez tenha se que dividi-lo em momentos ou ondas. O primeiro, mar- cado pelo boom do pós-guerra, foi claramente uma onda longa de cres- cimento. Esta onda começou a perder força no final dos anos 60, até meados dos anos 70, e esgotou-se na recessão mundial generalizada de 1974-75. A partir dos anos 60 irrompeu um novo ascenso de lutas sociais, anti-capitalistas e anti-coloniais, com um vigor capaz de mudar inúmeras aspectos da vida social, em particular da cultura e do comportamento. Fo- ram mudanças revolucionárias extraordinárias, que marcaram as décadas seguintes mas foram insuficientes para derrotar o regime do capital, de tal forma que a situação desaguou numa nova onda capitalista expansionis- ta, inaugurada no final dos anos 80, cujo fôlego foi dado pela aplicação da revolução tecnológica dos microprocessadores, com a conseqüente aceleração das comunicações e também pelos primeiros passos firmes da incorporação de países como a China e outros ao mercado capitalista.
Assim, creio que se pode dizer que no início dos anos 80 entra- mos numa nova onda expansionista do capital. Desta forma sustento que entre a recessão de 1974-75 e a queda da Bolsa de Nova York em 1987 tivemos uma onda de declínio ou um interregno entre duas ondas expan- sionistas. Em nível mundial é provável inclusive que estes últimos vinte anos se confirmem como os anos de expansão e de restauração do capital,
sejam eles encarados como uma onda expansionista aparte, seja como um período mais longo de acumulação do capital iniciado nos anos 50. Esta nova onda de acumulação derivou, como dissemos, da ampliação do mercado capitalista para os países então equivocadamente chamados so- cialistas (na tradição marxista e trotkista, estados operários degenerados) e também da extensão da aplicação dos resultados da revolução tecnoló- gica da microeletrônica na economia.
As descobertas das propriedades elétricas dos semicondutores de silício ocorreram logo depois da Segunda Guerra Mundial. Demorou dé- cadas, entretanto, para sua utilização alterar totalmente a economia e a sociedade. A moderna era da informação – a revolução tecnológica – ini- ciou quando a Intel introduziu o microprocessador – o cerne do computa- dor – num único chip, em 1971. De lá para cá os custos e o tamanho dos circuitos integrados foram ficando cada vez menores. Foi apenas no final da década de 80 (no Brasil nos anos 90) que se produziu uma verdadeira revolução nas condições de produção capitalista. No início dos anos 90, aliás, o fax foi uma novidade impressionante na comunicação de dados do Brasil, aumentando a velocidade das comunicações. Poucos anos depois o fax já estava superado. A tecnologia digital revolucionou a comunica- ção de dados e de voz, contribuindo para mudanças profundas nas rela- ções espaciais e temporais, uma redução das distâncias como nunca antes vista. Estas mudanças produziram melhorias claras na produtividade e na capacidade de realização de uma produção verdadeiramente global. A combinação entre a restauração capitalista e a revolução tecnológica permitiu, portanto, o salto dos investimentos capitalistas em países como a China, hoje considerada consensualmente como pilar fundamental do regime do capital.
Posto isso, é evidente que não nos satisfaz a compreensão de que o modo de produção capitalista está em crise crônica ou estrutural desde os anos 60. É evidente que as contradições do modo de produção ca- pitalista se acumulam cada vez mais, num crescimento em espiral, um período se desdobrando do anterior. Mas assinalar o caráter permanente da crise da década de 60 até os nossos dias dilui precisamente as peculia- ridades da situação atual, marcada por uma recessão mundial generaliza- da, não apenas por crises financeiras nos países periféricos, como as que ocorreram na década de 90, mas por uma crise generalizada iniciada nos principais países imperialistas, mais precisamente nos EUA, cuja gravidade está relacionada com a longa expansão anterior baseada em avanços produtivos mas também em mecanismos de crédito, na dívida pública e na ampliação artificial da demanda, como recentemente ocorreu com as bolhas da internet e a bolha imobiliária.
Nahuel Moreno (1923-1987), analisando a economia mundial num texto que foi seu último publicado sobre o tema, abria a hipótese de uma nova onda de expansão do capital, embora não prognosticasse seu surgimento. “Se houvesse grandes ramos de produção novos, como quando surgiu o ramo automobilístico, produzir moedas daria um re- sultado extraordinário, como deu aos EUA depois de superar a crise de 1930… O problema atual é que não há novos ramos de produção onde investir de forma massiva e que estes novos ramos dinamizem toda a produção capitalista. Estes novos ramos já existem, porém em estado de investigação e experimentação”. E em seguida completou: “Há vários ramos nos quais se jogam as esperanças do capitalismo: a informática, o espacial, a engenharia genética, a automação. Alguns dizem que todos os problemas vão se resolver a partir de 1990, quando estes novos ramos comecem a produzir em quantidades imensas para um mercado ávido. Aí sim poderia servir a máquina de fazer bilhetes. Porém, veremos se o movimento de massas deixará o imperialismo fazer esta experiência” (Correio Internacional, abril de 1986, p. 9). Confirmando como teste- munha o que disse Hegel, pelo menos de minha parte, o conhecimento de fato somente ocorre no crepúsculo. Olhando as coisas para trás, pos factum, me parece claro que os novos ramos de produção não resolveram tudo para o capitalismo, mas permitiram uma expansão nos últimos vinte anos. O movimento de massas, ao contrário das expectativas de Moreno, permitiu que o imperialismo fizesse a experiência.
Concluímos que, pelo menos que nos últimos vinte anos, o capi- talismo expandiu suas fronteiras para o leste europeu e, sobretudo, para a China, expandindo suas fronteiras para todo o globo, sendo pela primeira vez uma totalidade sistêmica, graças às vitórias políticas e também às tecnologias avançadas, cuja utilização combinada permitiu novos ramos de produção, novos mercados e garantiu uma impressionante capacida- de produtiva. Do ponto de vista político, a resultante mais visível deste período de restauração foi a ausência de um modelo alternativo ao ca- pitalismo, o descrédito completo aos olhos do movimento de massas de qualquer possibilidade de superação deste modo de produção.
Nossa hipótese justamente é que este período esteja se encerran- do. Com isso estaríamos no início de um novo giro histórico, onde as contra tendências não estão mais conseguindo se impor como antes, tanto à lei da queda tendencial das taxas de lucro, quanto tampouco ao sub- consumo das massas. Mais uma vez se impõe a contradição dupla, entre, por um lado, a capacidade de produção maior do que a demanda efetiva, e, por outro lado, a tendência à redução da taxa de lucro, dificultando os investimentos produtivos. Neste contexto, a crise atual é completa, já que engloba também a crise do Departamento criado após a II guerra, o Departamento III, baseado nos gastos bélicos, espaciais, na crise do cré- dito e da dívida pública.
A base da fraqueza atual do modo de produção é que as forças produtivas levaram novamente um baque. Num sentido, como afirmamos acima, esta nova crise é superior às anteriores. Afinal, para dinamizar a acumulação do capital nas últimas décadas, os capitalistas usaram e abusaram dos gastos estatais e desenvolveram forças produtivas e forças destrutivas conjuntamente. Forças produtivas para o capital, porque pro- duziam mais-valia e lucro, ao mesmo tempo em que, muitas vezes, eram destrutivas para a humanidade, como a imensa produção armamentista, sempre crescente, drenando recursos públicos. Assim foram décadas de crescimento contraditório, carregando e desenvolvendo poderosas for- ças destrutivas, mas, ao fim e ao cabo, dinamizando a acumulação do capital e possibilitando o desenvolvimento também de sua ideologia e das ilusões em multidões humanas ávidas em se beneficiar dos frutos do “progresso”.
Ademais, as forças produtivas mais desenvolvidas ao longo dos últimos anos representaram também uma retomada mais elevada das con- tradições com as relações de produção, isto é, com o regime de proprie- dade privada e com as fronteiras nacionais. Na Europa, a criação do Euro em 1999 foi uma resposta a estas contradições nos marcos do capitalis- mo. A globalização econômica foi outro desdobramento deste processo, aumentando a liberação dos capitais. Mas com isso a economia ficou ain- da mais concentrada, com poucas gigantescas corporações dominando a economia mundial, disputando os mercados e subjugando países.
Ao mesmo tempo, nas últimas décadas, a expansão do crédito foi impressionante, fator que Marx já analisara como determinante para a expansão do capital. No caso concreto foi o crédito que permitiu, grosso modo, grande parte do consumo das famílias norte-americanas, consumo este que tem 70% de participação no PIB da maior economia do mundo. Diga-se de passagem, o consumo norte-americano foi também a garantia dos superávits comerciais de inúmeros países, entre eles a China, e o próprio Brasil, razão pela qual se pode considerar o déficit comercial dos EUA existente até então como fator de equilíbrio do crescimento mun- dial. Como todos sabem, na crise atual a bola da vez foi o crédito fácil para a compra das casas e o consumo norte-americano elevado, baseado no aumento dos preços das ações que seguiam crescendo porque novos compradores seguiam entrando com seus recursos na bolsa de valores.
Com o dito acima queremos sublinhar que o capitalismo respon- deu às tremendas pressões de forças produtivas que se chocam com as fronteiras nacionais e com a propriedade privada dos meios de produção, desenvolvendo como nunca antes a liberação do capital em escala mun- dial, produzindo e realizando esta produção globalmente, simultaneamen- te em países diversos – eleitos de acordo com o preço da mão de obra e a divisão internacional do trabalho – ao mesmo tempo em que desenvolveu como nunca o sistema de crédito, isto é, garantindo a concentração de recursos nas sociedades por ações, o que não deixa de ser uma superação, nos marcos do capitalismo (e cujos beneficiários são os capitalistas), da restrita propriedade privada de uma única família ou união de famílias de capitalistas. E também foi uma resposta à limitação da demanda.
Mas agora é justamente este sistema de crédito e esta globaliza- ção que entraram em crise, uma nova crise que combina superprodução de capitais e de mercadorias e dificuldades crescentes para a valorização continuada das massas de capital acumuladas financeiramente. Agora não se trata de crises financeiras na periferia. Ocorreu no centro do sis- tema. Podemos dizer que o castelo de cartas desabou? É difícil saber por quanto tempo a crise se arrastará. Mas dificilmente o capitalismo consiga um crescimento como obteve nos últimos 20 anos e, menos ainda, como o das duas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial. Podemos agora então dizer que há uma crise permanente ou crônica? Utilizar este con- ceito só tem sentido se considerarmos que “o mecanismo da crise não logra restabelecer as condições para uma economia capitalista expansi- va” (Paul Mattick/Marx y Keynes, México, 1975, p. 95). De nossa parte, nossa certeza é que, mesmo quando, e se as forças produtivas lograrem retomar seu impulso de crescimento, tal impulso se dará provocando contradições cada vez maiores com as relações de produção, à medida que, como vimos, a expansão do capital encontra no próprio capital limites cada vez mais intransponíveis.
O certo, portanto, é que estamos num período de crise econômica grave, quando a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção se manifesta de modo claro, visível, contundente; período em que aumentam as possibilidades de situações revolucionárias nas quais se pauta a questão do poder político e a necessidade da superação do modo de produção.
A hipótese de periodização que apresentamos combina os movi- mentos econômicos com as lutas sociais e políticas do século XX. Trata- se, é óbvio, de uma tentativa de aproximação para buscar visualizar pers- pectivas. Para os revolucionários, as previsões não são apenas exercícios de especulação, mas apostas de luta, lutas que são, em última instância, elementos constitutivos fundamentais do reforço ou não de uma ou outra das hipóteses que as determinações do presente abrem.
As reflexões sobre estas décadas e a busca pela periodização não têm como não nos lembrar o economista russo Kondratieff. Aqui estamos fora do enquadramento de sua teoria, alicerçada essencialmente nas gran- des mudanças estruturais da economia que, segundo ele, produziam on- das expansivas e ondas de estagnação e decadência na economia mundial, períodos de mais ou menos 25 anos cada. Segundo sua teoria, durante as ondas de expansão do capital, a curva do desenvolvimento capitalista e das forças produtivas era ascendente, os ciclos recessivos eram mais cur- tos e menos profundos e as recuperações mais duradouras e intensas. Nas ondas de estagnação ou retrocesso, o quadro era o oposto, isto é, a curva decrescente, recessões mais longas e profundas e recuperações mais rápi- das e menos intensas. Não deixa de ser curioso que, pelo quadro das on- das longas de tonalidade expansionista e das ondas longas de tonalidade estacionária, ou de decadência (apresentadas por Ernest Mandel em seu Capitalismo Tardio), se mais ou menos adotássemos seus tempos, tería- mos que estar agora saindo de uma onda longa expansionista para uma estacionária. E quem pode negar que ocorreu uma onda expansionista após a Segunda Guerra? Quem pode negar que esta onda teve um corte pelo menos na crise econômica generalizada de 74-75 até mais ou menos 1987? Dificilmente se pode negar também a globalização do capital, a generalização da utilização de tecnologias revolucionárias e a expansão dos mercados, pelo menos nos últimos 20 anos. É difícil negar, portanto, que presenciamos uma onda longa de tonalidade expansionista durante as últimas duas décadas. Estaríamos entrando na onda longa de tonalidade estacionária como definia Kondratieff? Não sabemos ao certo.
O provável, porém, é que o modo de produção capitalista deverá viver uma tentativa de recuperação que tende a ser arrastada. A seu favor, conta com a continuação de uma herança do passado recente: a ausência de uma consciência socialista em amplos setores de massas. Entretanto, como reação à globalização capitalista, há um crescente movimento na- cionalista em distintos países, sobretudo nos países atrasados, surgidos ao longo destes anos e que farão valer sua resistência contra uma nova tentativa dos países imperialistas de lhes passar a fatura da crise. E a tendência é que as forças contrárias, embora com suas heterogeneidades, espaços diferentes de lutas, dificuldades de conexões, de ligações en- tre suas lutas econômicas, sociais e democráticas, se afirmem com mais energia na negação do sistema. Há, ademais, um movimento operário com força estrutural, tanto na Europa quanto nos EUA, que oferecerá uma resistência que pode se converter em ofensiva social e política do movimento de massas.
Num primeiro momento, embora não tenhamos perspectiva rá- pida de extremos definidos, de dois pólos positivos claros em confronto, teremos a ação de classes e até de países possibilitando blocos e alianças que ainda não se apresentam como alternativa definida – e provavelmente muitos nem tenham como compor uma alternativa comum -, mas cuja negação ao capital, claramente determinada, acabe também sendo uma afirmação: movimentos populares, operários, camponeses, indígenas, massas imigrantes; reivindicações sociais e democráticas, ideologias na- cionalistas e/ou socialistas, países atrasados e dependentes com sua di- versidade cultural, econômica, étnica e religiosa.
O que temos como evidente é que terminou qualquer elemen- to de estabilidade capitalista. Produziu-se um salto qualitativo nas con- tradições, choques, buscas e combates, guerras e revoluções. A situação atual do Oriente Médio é hoje sua máxima expressão, sendo o Estado de Israel o representante direto do atual imperialismo dominante. Num sentido, portanto, continuamos num período inconcluso, já que mesmo nos anos de restauração tivemos todas estas características. Mas agora tudo tende a se acelerar e intensificar, já que os mecanismos keynesianos não têm mais a mesma eficácia e capacidade de antes. Mais importante ainda: a confiança no sistema ruiu. Agora também a ideologia da classe dominante está em crise, não apenas a ideologia socialista, mas também a ideologia liberal e capitalista foi posta na defensiva, sem capacidade de convencer os povos do mundo a defender seu modelo.
Os avanços na comunicação, em particular a internet, podem permitir – e de certa forma já começam a fazer – uma aceleração da comunicação das forças de resistência. Os inúmeros protestos de mas- sas que ocorreram no mundo, em países como Espanha e nos Estados Unidos, mostram o potencial da rede. É também nos EUA, onde muitas das contradições mundiais hoje se concentram, que se operou uma mu- dança sinalizadora deste novo período histórico. Independentemente do que venha a ocorrer com o governo de Obama, e de seu caráter favorável ao regime dos monopólios capitalistas, é evidente que sua eleição não ocorreria se a crise econômica não tivesse estourado com a gravidade que estourou. Sua eleição foi expressão da busca de milhões de pessoas por profundas mudanças políticas e sociais.
Seria um erro grave definir que a saída positiva é sempre a que se dá. A crise de 1929, por exemplo, terminou no maior conflito bélico da história. Ocorrerão confrontos inevitáveis e intensos, mas o resultado deles depende da luta, das estratégias e táticas das classes, e mesmo dos estados em confronto. Existem perigos para o planeta como, por exem- plo, um eventual conflito bélico entre Israel e Irã.
Assim, a crise econômica combinada com a crise ecológica atua- liza uma vez mais o Manifesto Comunista. Neste programa Marx subli- nha que os conflitos de classes de uma determinada sociedade podem ter- minar na construção de uma nova sociedade ou na destruição recíproca das classes em luta. Estamos em pleno curso desta luta e desta disjuntiva sem solução por ora.
Risco e oportunidade no Brasil, as dinâmicas de recessão e ascenso
A nova realidade econômica mundial terá fortes repercussões nas
relações entre as classes, no ânimo da população, possivelmente na própria atividade política e social do movimento de massas. As crises, por si mesmas, não apontam caminhos progressistas para serem resolvidas. Mas as crises sacodem consciências e exigem reflexões e mudanças. A questão são seus conteúdos e seus tempos.
A história recente do Brasil mostra que, depois dos ataques sofri- dos ao seu nível de vida durante as crises, o povo trabalhador pode tirar conclusões políticas destas angústias, sofrimentos e desrespeito aos seus direitos, e aumentar sua atividade social e política. Assim foi durante a crise de 1974-75, cujo desdobramento foi o ascenso estudantil de 1977 e a luta pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita. O mais importante foram as greves operárias do ABC, que impulsionaram a formação do PT e di- namizaram a resposta política que foi se acumulando até estourar a crise de 1980-1982, cujo desdobramento foi um salto maior na atividade e po- litização do movimento de massas com o ensaio de greve geral de 1983 e, em seguida, a campanha das Diretas Já, de 1984, quando os governos militares foram derrotados.
Os desdobramentos da crise também se expressam no crescimen- to do apoio aos partidos políticos que representam projetos de mudança. Nesta conjuntura, o, PMDB, PT, PDT, os partidos de oposição ao regime militar se fortaleciam. Um período, aliás, que culminou nas primeiras eleições diretas para presidente da República, nas quais Lula chegou ao segundo turno com um discurso de esquerda radicalizado.
Logo após a vitória de Collor, o país entrou numa nova recessão, de 1990 a 1991. Em 1992 veio o impeachment. Com a posse de Itamar e, sobretudo, com a vitória eleitoral de Fernando Henrique e a derrota da greve nacional dos petroleiros, em 1995, a crise de dominação burguesa que se arrastava desde 1984 foi fechada. O PSDB assumia o carro chefe da dominação política hegemônica da burguesia e o PT já se incorporava de mala e cuia na defesa do regime democrático burguês. O regime burguês estabilizado não pode, contudo, evitar os ciclos de crises econômicas.
A crise seguinte foi a de 1999, depois de seis anos de estabilida- de. Na sua esteira, a atividade do movimento de massas não aumentou de modo digno de nota. Neste período tivemos a marcha dos 100 mil em Brasília, mas nada que colocasse o movimento de massas no centro da conjuntura. Isso havia ocorrido dois anos antes, quando um processo gre- vista generalizado nas Polícias Militares em inúmeros estados assustou as forças burguesas. Foi, entretanto, uma exceção. Foi nesta conjuntura, por sinal, apoiando as greves da PM de Alagoas, que Heloísa Helena se fortaleceu enormemente como liderança em Alagoas. Apesar de não ter como desdobramento um aumento da atividade social, parcelas do povo tiraram conclusões políticas. Foi daí que veio a aposta em Lula e a base de sua vitória nas eleições presidenciais seguintes, de 2002.
Com este resumo esquemático da evolução política do país, traçan- do uma relação entre o ciclo das crises econômicas e as mudanças políti- cas, queremos marcar a importância de que se acompanhe a nova situação aberta com o início desta crise. Primeiro o governo disse que era uma crise dos EUA, que não tinha nada a ver com o Brasil. Isso já foi desmentido. Depois disse que era uma marola, desmentido novamente. A grande mídia patronal fez coro com as mentiras do governo até setembro de 2008. Mas a partir de então a velocidade das mudanças enterraram as estatísticas que supostamente lhes dava razão.
É provável que em outubro de 2008 o Brasil tenha entrado em re- cessão econômica. Em dezembro de 2008 foram mais de 600 mil trabalha- dores que perderam o emprego. No último mês do ano, o consumo de ener- gia caiu 5% em relação ao mesmo mês de 2007. Também na comparação de dezembro de 2008 com dezembro de 2007, outro dado alarmante mostra o quadro recessivo: caiu em 50% a produção de veículos.
Até setembro de 2008 o fluxo de capital externo para o Brasil era positivo em US$ 17,2 bilhões, mas no último trimestre do ano inverteu-se, e ao todo a saída líquida de dólares, isto é, a perda de dólares do Brasil, chegou a 48,9 bilhões, a maior desde 1982, quando o Banco Central co- meçou a divulgar este tipo de dado. A balança comercial também revelou a crise. O comércio com o mundo foi pesadamente afetado nos últimos dois meses de 2008. Caíram as exportações e as importações. A expansão das exportações em novembro-dezembro caiu 29 pontos percentuais em rela- ção ao período janeiro-outubro; e a quantidade exportada caiu ainda 16% em relação aos meses de novembro e dezembro de 2007. As importações desabaram também nos dois meses finais do ano, uma queda de 46,6 pon- tos percentuais em relação ao período janeiro-outubro. Ou seja, o Brasil tem comprado e vendido menos.
O superávit comercial, fator que tem sido decisivo nos últimos anos para o crescimento econômico neste modelo concentrador de renda, recuou em 38%, para US$ 24,7 bilhões, quando em 2007 tinha sido de US$ 40 bilhões. Foi o pior resultado em seis anos. O saldo vai cair mais em 2009. Também caíram as perspectivas de gastos do consumo das famílias e se aponta para uma redução de 2% a 3% do PIB em relação ao crescimento de 2008, e na realidade pode ser mais.
Está claro que o Brasil viverá, portanto, um período de clara redu- ção do crescimento, de aumento do desemprego, da miséria, da inseguran- ça. A crise será pesada. Suas repercussões políticas são imprevisíveis, mas serão inevitáveis. A desestruturação produtiva dos anos 90, o crescimento da marginalidade e, sobretudo, o controle policial, paramilitar e o papel do próprio tráfico nas favelas são fenômenos novos atuando pesadamente con- tra a auto-organização independente e democrática do movimento de mas- sas. Elementos objetivos com desdobramentos subjetivos desfavoráveis para que esta crise seja respondida de modo positivo pelos trabalhadores, como ocorreu em crises da história recente. Há, por outro lado, processos favoráveis, em particular a dinâmica de esquerda e nacionalista revolucio- nária na América Latina, além da experiência mais ou menos desenvolvida da população brasileira com muitas das instituições da democracia bur- guesa, em particular seus partidos políticos. O surgimento do PSOL como força política crítica e revolucionária contra o regime burguês não deixa de ser também uma expressão das potencialidades do momento. Cabe ao próprio PSOL e as forças de esquerda se postularem como alternativa.
Postular-se como alternativa significa construir no dia a dia do movimento de massas um pólo de reorganização da luta política e social. Diante das dificuldades da centralização das ações do movimento de mas- sas, o partido tem uma obrigação redobrada de contribuir como elo das diversas lutas, apresentando, ao mesmo tempo, a necessidade de um novo modelo político e econômico para o país. Estamos num momento especial onde o sujeito político tem uma enorme responsabilidade de contribuir na construção da identidade de classe do sujeito social, da classe trabalhadora e dos setores médios.
Temos que atuar, ademais, conscientes de que se houver confirma- ção de que a crise econômica mundial atual tem gravidade apenas compa- rada com a de 1929, então podemos realmente estar diante da possibilidade de profundas mudanças no Brasil. É óbvio que aqui estamos apenas no terreno das hipóteses. Mas nossa obrigação é lutar para realizar as hipóte- ses que sejam favoráveis para o povo trabalhador. Tratam-se de mudanças que não se realizarão no curto prazo, mas cuja demanda é imediata. Neste sentido, temos que ser realistas e, para usar a expressão dos estudantes re- volucionários do maio de 68 francês, exigir o impossível. Temos que ousar defender um programa de mudanças estruturais.
Desafios programáticos, apontamentos para um programa de transição ao socialismo
Ao longo do século XX o Brasil mudou muito. No início do sécu- lo ainda a classe trabalhadora assalariada estava em seus primeiros passos. A industrialização já havia começado, mas o país era majorita- riamente rural. Foi a partir dos anos 30 que o Brasil deu um salto em sua industrialização. Tal processo foi comandado por uma burguesia he- gemonizada por frações nacionalistas que levaram adiante o processo de industrialização, aproveitando a própria crise, na brecha aberta pelo enfraquecimento imperialista e no hiato entre o domínio inglês, já totalmente em crise, e o domínio norte-americano, ainda não consolidado.
Seja no hiato entre guerras imperialistas, seja na esteira dos paí- ses adiantados, reproduzindo e fortalecendo laços de dependência, com o transplante das indústrias de bens de consumo duráveis dos países cen- trais para cá, tivemos desenvolvimento das forças produtivas no Brasil tanto no final do século XIX quanto no decorrer do século XX, notada- mente com muito dinamismo até o final dos anos 70. Este salto industrial e seu lugar especial como produtor de matérias-primas cada vez mais importantes para o mundo – inclusive com suas novas descobertas de pe- tróleo – garantiu ao país um lugar fundamental na defesa da estabilidade capitalista da América Latina e, por esta via, uma lugar importante na política mundial, cumprindo atualmente um papel de freio dos processos revolucionários latino-americanos.
Mas as históricas contradições sociais não foram equacionadas. Ao contrário, se intensificaram. De fato, a burguesia brasileira pôde levar adiante a tarefa histórica da industrialização. No início ela foi conduzida com relativa independência do imperialismo e, depois, de forma associa- da, sobretudo a partir do golpe de 1964 e de lá para cá. Mas agora não se trata de retomar o caminho da burguesia dos anos 30. A questão não se resume a industrializar o país com relativa independência. Trata-se de melhorar a vida da maioria do povo, de erradicar a fome, a miséria, o abandono da saúde e da educação pública e conquistar uma verdadeira e definitiva independência nacional, integrando o Brasil com os países da América Latina e do Caribe. Também se trata de avançar na construção da infra-estrutura, na urbanização e na industrialização do país, todavia incompletas, como mostra a brutal carência habitacional e a pauta de exportações assentadas ainda em commodities.
Neste sentido, um dos novos desafios agora é romper com a de- pendência e subordinação do país em relação ao imperialismo, único ca- minho para realmente se priorizar o mercado interno de massas. Esta hi- pótese se abriu. Não queremos dizer que se realizará, mas que está posta a luta pela sua realização como uma tarefa necessária historicamente e reforçada pela conjuntura de crise aberta no mundo e no Brasil.
Cabe, então, a elaboração de uma plataforma para o país. Para isso é preciso realizar entre os socialistas um mínimo de acertos de contas teórico para, em seguida, definir quais as medidas urgentes que estão pos- tas para a construção de um programa de transição rumo a uma sociedade independente e controlada pelos trabalhadores.
A relação entre economia planificada e mercado
Defendemos estrategicamente a planificação da economia. Mas tal defesa implica em construir esta perspectiva levando em conta a experiência das revoluções e do plano econômico dos países atrasados. Não se trata de lamentar estas experiências, mas de compreender o que ocorreu. As revoluções realizaram-se no elo mais fraco da cadeia impe- rialista e uma das genialidades de Lênin foi não se prender ao que os so- cial-democratas consideravam um dogma: que a revolução começaria na Alemanha, França e Inglaterra. Começou na Rússia. Teve um preço. Era determinante expandir-se para triunfar. Lênin rejeitava a idéia de socia- lismo num só pais. Era marxista. Sabia que o socialismo se construía ten- do como base as forças produtivas mais desenvolvidas pelo capitalismo. Segundo Marx, se não fosse assim, a luta pelas necessidades terminaria reproduzindo a disputa na escassez e toda a merda seria reproduzida.
As lutas socialistas da história, por razões cuja explicação ultra- passa o objetivo mais modesto deste ensaio, não tiveram a sorte de triun- far nos países centrais. Mesmo assim, a expropriação nos países atrasa- dos permitiu avanços extraordinários. Porém, na esmagadora maioria dos países em que o capitalismo foi expropriado, surgiu uma burocracia e uma casta social cada vez mais corrupta e parasitária, que se impôs sobre a sociedade e conduziu estes países para a restauração do capitalismo; “a volta da velha merda”, como dizia Marx.
Não se trata aqui de fazer uma avaliação de qual a exata situação atual destes países. O fato é que tivemos a restauração e com isso uma ruptura com a revolução de 1917, isto é, o elo histórico foi rompido. A resultante destas experiências não foi exitosa. No leste deixaram de acre- ditar no socialismo, identificado com a casta burocrática. No ocidente, os trabalhadores perderam a confiança. Em países do Oriente Médio, seja na Ásia e no norte da África, embora qualquer socialista ou democrata deva apoiar as lutas de resistência contra o imperialismo, é fato que o islamis- mo, com sua ideologia pré-capitalista, é incapaz de representar uma su- peração positiva do sistema capitalista, com a opressão contra mulheres sendo a confirmação trágica de seu caráter reacionário.
Diante de um quadro tão complexo não se pode simplesmente insistir novamente na seguinte fórmula para os países atrasados: revolu- ções, expropriações, planificação, internacionalização da revolução, mais expropriações, ampliação da planificação e construção do socialismo. Esta fórmula fácil resume ainda hoje o conjunto da estratégia de grupos que reclamam de toda a direção que não as aplique de modo imediato. Tal fórmula não deve ser abandonada. Seria o mesmo que abandonar a idéia de que o marxismo é constituído de três fontes: idealismo alemão, eco- nomia política inglesa e política francesa. Mas não se pode simplesmente deixar de tirar conclusões sobre as mediações, os tempos diferenciados, os ritmos de sua aplicação. O mais importante destas mediações diz res- peito às relações entre plano e mercado e a relação entre classe proletária e nações.
Se aprendemos com a experiência histórica e com Marx, vemos que a expropriação imediata não é uma saída sempre correta. Pode-se e deve-se combinar mercado e plano, sobretudo apostando na necessidade do controle democrático, social e operário da produção. Qual o peso do plano e do mercado em cada sociedade? Depende da correlação de forças, da situação internacional, do grau de desenvolvimento das forças produ- tivas e da cultura do país em questão. Os bolcheviques expropriaram pressionados pelas circunstâncias. Foram obrigados a fazer o comunismo de guerra. Alguns até hoje tomam suas medidas como se fossem uma lei da teoria política: tem que expropriar sempre e de modo imediato.
A China também teve expropriação, que desenvolveu as forças produtivas do país e que, contraditoriamente, assentou as bases para uma nova inserção, muito superior, do país num regime capitalista. A questão, portanto, não se resume à expropriação.
O certo é que a luta pela satisfação das necessidades, quando não há um regime de abundância, se impõe sempre, por cima de qualquer plano, que se adapta ou quebra. Por isso aprender com estas experiên- cias deve significar combinar o plano com a possibilidade de inúmeras iniciativas individuais proporcionadas pelo regime de mercado. O deter- minante é a democracia e o controle social, operário e popular, para que o mercado não se desenvolva a tal ponto de permitir que monopólios privados dominem a economia e, por esta via, a política. Ou, caso tem- porariamente os monopólios privados dominem setores econômicos, que sejam obrigados a negociar com o Estado as decisões de seu próprio se- tor. Por sua vez a democracia é fundamental para o controle democrático do plano econômico e para que o Estado seja da sociedade de conjunto, não de um setor social ou de uma casta. E democracia apenas se con- quista com mobilização. Por isso a mobilização é o fator determinante da organização social. Mantê-la acesa é o mais importante.
Finalmente, na combinação entre classe e nação, cabe reivindicar a necessidade do proletariado ser o sujeito social fundamental na luta pela independência nacional. Esta luta e reivindicação pela construção da nação pressupõem a construção de um plano econômico e de desenvolvi- mento que faça a combinação entre plano e mercado como a supracitada, na qual a política domine a economia e o proletariado organizado em classe domine a política.
O caráter do programa
Com estas considerações preliminares creio que se mantém atual o que Nahuel Moreno já escrevia na década de 40: “as teses da revolução permanente não são as teses da revolução socialista, sim da combinação das duas revoluções, democrático-burguesa e socialista. A necessidade dessa combinação surge inexoravelmente das estruturas econômico- sociais de nossos países atrasados, que combinam distintos segmentos, formas, relações de produção e de classe” (Quatro teses da colonização espanhola e portuguesa da América, Nahuel Moreno).
Como temos visto nas experiências recentes da América Latina, como na Bolívia e na Venezuela, a passagem de uma fase a outra não é di- reta, nem linear, tendo tido, em particular na Venezuela, uma fase mais ou menos longa marcada pelo caráter antiimperialista, com um governo sem apoio da burguesia, mas também sem avançar para o socialismo. Como o processo se dará no Brasil é ainda imprevisível, embora esteja claro que o papel estratégico dos socialistas é o de estimular a mobilização de massas pelas reivindicações dos trabalhadores e do povo, contribuir na construção de organismos de autodeterminação do movimento e avançar na construção de um partido que impulsione o processo e se credencie como direção hegemônica.
Antes de seguir vale a pena citar novamente Moreno para expli- citar o que entendemos por revolução democrática: “Nós entendemos por revolução democrática um complexo econômico-político-social, que gira ao redor de um simples eixo social: são as mobilizações e tarefas que preocupam a maior parte do povo (e não apenas uma parte do mesmo como a classe operária). Por conseqüência as grandes tarefas democráticas são de dois tipos: políticas e econômicas. As primeiras se referem as liberdades e reivindicações democráticas (direito ao voto, legalidade aos partidos e candidatos, independência política nas colô- nias e semi-colônias, assembléia constituinte) e as segundas, têm que ver com o problema agrário, a independência econômica dos países subjugados e com a reforma urbana” (A Revolução Latino Americana, Buenos Aires, 1962, p.54).
Moreno seguia dizendo que as tendências reformistas e burguesas concediam mais peso às tarefas políticas, ignorando as que atingiam a estrutura econômica da sociedade, e que os revolucionários davam mais peso às tarefas democráticas estruturais, mas sem ignorar as políticas.
Hoje teríamos que agregar a luta contra a corrupção como parte das tarefas democráticas. Ter adotado esta bandeira foi um grande acerto do PSOL e uma das explicações para seu crescimento. Não surgimos contra a corrupção do PT, mas contra sua traição, contra a reforma da previdência, a capitulação ao FMI e a defesa da burguesia levada adiante pelo governo Lula. Mas o partido se vez forte porque depois estourou o mensalão. Também soubemos fazer um bom combate contra Renan, em 2007, quando o plano da mídia e a previsão de analistas era o sumiço do partido.
Quando elencamos a questão da corrupção não estamos falando aqui de pequenas manobras, de pequenos privilégios. Por exemplo, não acreditamos que o partido deve ter como centro perseguir um prefeito do interior que contrata seu irmão para secretário, ou algo do gênero. Nepotismo pode ser considerado corrupção, mas nem toda a contratação de parentes deve ser considerada um ato de roubo dos recursos públicos. Quando afirmamos que um dos centros políticos do partido é o combate à corrupção, nos referimos aos negócios existentes entre os partidos e os políticos com as empresas e bancos, aos esquemas que esses garantem pela via do assalto, da propina.
Este é um fator correto para conquistar unidade de classe pela ne- gativa, incluindo até um setor mais amplo, um bloco social novo. Ou seja, trata-se de um autêntico movimento democrático e popular, a aplicação no Brasil de uma política que permite um bloco político e social novo.
A nova situação nacional, a partir da crise econômica, abre a pos- sibilidade de uma divulgação ampla de propostas econômicas de emer- gência. Concretamente, cremos que o PSOL tem pontos determinantes de um plano deste tipo. O que votamos por unanimidade na reunião da executiva nacional de dezembro de 2008 é uma excelente base.
“Para enfrentar a crise, o povo não pode pagar esta conta!”
01. Não às demissões!
02. Defesa dos empregos e aumento de salários!
03. Fim do fator previdenciário – defesa dos aposentados!
04. Contra a fuga de capitais, controle do câmbio!
05. Redução dos juros básicos e perdão das dívidas dos emprésti- mos consignados!
06. Fim do superávit primário – o dinheiro deve ser investido em saúde, educação, moradia, segurança, meio ambiente, e não ir para os especuladores!
07. Auditoria da Dívida Pública!
08. Reforma agrária, crédito e incentivo para os trabalhadores do campo!
09. Basta de corrupção – cadeia para Dantas e todos os corruptos!
10. Não à criminalização dos movimentos sociais e da pobreza!
11. Não às privatizações – suspensão dos leilões da área do petró- leo, das estradas e do sistema aéreo! Petrobrás 100% nacional e reestatização da Vale do Rio Doce!
12. Construção massiva de moradias populares!
Estas medidas foram concretizadas em alguns casos em projetos de lei apresentados no Congresso Nacional. É o caso, por exemplo, do projeto de Lei de Luciana Genro que determina a suspensão por seis me- ses de toda e qualquer demissão sem justa causa no Brasil e o projeto que preve dobrar o tempo de pagamento do seguro desemprego dos atuais 06 meses para 12 meses.
Assim, com propostas com este caráter e partindo da necessidade permanente da organização independente dos trabalhadores, é importante unir forças sociais e políticas, mesmo que sejam alianças pontuais, táti- cas, ou meramente de unidade de ação entre os que estão em contradição parcial ou em antagonismo completo e irreconciliável com as políticas dos monopólios capitalistas, cuja principal resposta diante da crise atual é a redução e a flexibilização dos direitos e a redução dos salários e dos investimentos sociais.
A expressão superestrutural dos setores que resistem ao modelo de ajuste contra os trabalhadores é ainda pobre e fracionada. O PT foi o partido que galvanizou a maior parte deles, mas diante de sua falência como projeto de resistência, há hoje uma clara dispersão destas forças. Uma parte delas o PSOL tem atraído, conseguindo constituir simbolis- mo, tendo expressão eleitoral. Porém falta organicidade e, além disso, é ainda uma parte minoritária. Reação nos movimentos sociais vai existir, e isto é determinante. Se for forte, de uma forma ou de outra necessita expressar-se politicamente, sob pena de redundar em esforços incapazes de oferecer uma alternativa de programa e de poder para o país. Sem partido não há política e sem política não há luta por programa nem por novo poder.
O programa da resistência tem o eixo da luta pelas demandas do povo e contra a dominação imperialista. Isso significa articular estas de- núncias e mobilizações com a defesa de um novo governo para o país. Temos um trunfo neste sentido porque temos um nome apoiado por par- celas do povo, visto como alternativa de poder. Precisamos fortalecer este nome e associar a conquista de um governo encabeçado por Heloísa com a necessidade da mobilização de massas, da organização dos traba- lhadores e do povo, com a luta direta e com a construção de um programa democraticamente discutido pelo povo em luta. Somente com esta luta poderemos ter um governo popular e dos trabalhadores, do povo e para o povo. Esta é nossa estratégia que deve ser dita claramente.
Para avançar, contudo, faz falta seguir no acerto de contas com a experiência histórica recente. Isto significa assinalar onde estiveram con- centrados os erros da estratégia do PT. E o esquerdismo não pode fazer este acerto de contas porque não percebeu o caráter determinante da luta política, da disputa eleitoral e da necessidade de acumular forças. Não serve para aprender jogar fora a água suja e o bebê.
Algumas lições de estratégia política
Reivindicado o objetivo da construção de uma sociedade cujo homem não seja o lobo do próprio homem, não há como pensar seriamente na conquista deste objetivo sem a elaboração de uma estratégia. E a estra- tégia não se realiza sem a combinação de uma serie de táticas. São estas questões que ocupam ao longo das décadas o debate entre reformistas e revolucionários.
Sempre tensionado por este conflito, o PT não conseguiu resolver corretamente estas questões do ponto de vista da revolução. A posição reformista, majoritária no núcleo de direção partidária, acabou se impon- do com cada vez mais força. De partido da classe trabalhadora com forte influência política, teórica, cultural e socialista, converteu-se num partido da ordem, defensor do capitalismo. Cada vez mais abertamente reformis- ta, terminou defendendo o reformismo sem reformas. Foi a experiência de um projeto que se converteu em seu contrário.
Pretender esgotar a maneira como se desenvolveu este processo seria muita pretensão, o que iria muito além dos objetivos deste ensaio. Há razões que, de qualquer forma, saltam à vista. As bases objetivas des- tas transformações podem ser encontradas no longo refluxo dos anos 90, na ascensão do neoliberalismo, com a reestruturação produtiva e o debi- litamento do movimento operário industrial no Brasil, tudo isso na estei- ra da queda do muro de Berlim e na quebra das esperanças de milhões de pessoas no mundo todo, na perspectiva de superação do capitalismo. Tudo isso pesou fundo. Razões objetivas, porém, me parecem insuficien- tes. Ou pelo menos não explicam tudo. O PT teve uma base teórica equi- vocada num ponto pouco discutido, e que deve ser encarado para que se extraiam conclusões de uma experiência que não se pode negar como repleta de lições. Vejamos passo a passo.
O PT partiu de uma definição certa: as eleições em geral, e as pre- sidenciais em particular, são fundamentais na disputa política no Brasil.
Em particular, desde 1989 a disputa presidencial tem sido, aos olhos do movimento de massas, o momento mais importante – a rigor apenas nes- tes momentos isto ocorreu na história recente do país – como o momento de disputa em que a questão do poder está colocada. Daí o PT adotou as eleições como prioridade de sua atuação. Mas desta decisão resolveu mal um problema determinante: a relação entre as eleições e a insurreição ou a força física das classes em confronto.
Já tenho sustentado em textos de 2002 uma posição que, na essên- cia, me parece totalmente válida. Por isso livremente reproduzo os argu- mentos. Nestes textos perguntava: se no início o partido pôde realizar a combinação entre os movimentos sociais e a participação eleitoral, onde, então, esteve o equívoco político e teórico que permitiu mudanças tão bruscas em, relativamente, tão pouco tempo? Há alguma relação entre as formulações históricas do partido e sua política após assumir o governo? Seguindo na mesma pista, visualiza-se um elemento de continuidade en- tre a origem do PT e seu curso atual, mostrando a evolução do partido. Sua ruptura com o seu passado, assim, encontraria uma explicação teó- rica num ponto de continuidade para que o partido esteja atravessando o rubicão, para usar a mesma expressão de Lênin referindo-se ao dirigente alemão Karl Kautsky. Sua base também está na vacilação acerca da natu- reza do Estado, vacilação presente desde o início na vida do PT.
Já no manifesto de fundação do PT, de fevereiro de 1980, afir- mava-se que “o país só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras. É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem as condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões de seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática”. (p. 36).
Parece uma questão menor, sem importância, mas não o é. Sobre esta definição está a base da confusão, ou melhor, do “desvio” que já embutia uma acomodação do PT no regime político democrático-bur- guês. Quer dizer, o objetivo do partido foi desde o início a mudança do Estado, não sua destruição, como Marx, Engels e Lênin definiam a tarefa estratégica dos revolucionários. Ficava evidente que o partido adotava uma estratégia que não percebia o Estado como expressão da sociedade na qual a burguesia é a classe dominante, de tal forma que a derrota deste Estado, avalista e garantia do domínio burguês, era necessário para derrotar essa dominação de classe. E para mudar o Estado, a utilização da cédula eleitoral pode ser suficiente.
Mesmo no V Encontro Nacional do partido, realizado em 1987, momento em que, teoricamente, as posições partidárias estiveram mais próximas de uma estratégia socialista, a confusão também esteve evi- denciada. Na análise da correlação de forças entre as classes, as teses aprovadas sustentavam que não existia nenhuma possibilidade de uma crise revolucionária no país, descartando, portanto, a luta pelo poder dos trabalhadores como tarefa do período. Contraditoriamente, porém, as te- ses assumiam a possibilidade do PT chegar ao governo pela via eleitoral e, desde o governo, aplicar seu programa de ruptura com o capitalismo. Do ponto de vista político isso foi a essência do que mais tarde ficou co- nhecido como programa democrático e popular.
Assim, o partido assumia como possível a aplicação de um pro- grama de ruptura com o capitalismo aplicado por um governo eleito nos limites do regime democrático burguês, descartando, apesar disso, a eclo- são de uma crise revolucionária. A hipótese de vitória eleitoral de Lula de fato esteve colocada em 1989. E o programa continha medidas de ruptura com o capitalismo dependente e subdesenvolvido. Mas tal hipótese não implicaria, necessariamente, na tentativa de aplicar tal programa, porque não estava para nada garantido que uma vitória de Lula significaria de fato a aplicação de um programa de ruptura. O compromisso de Lula, neste sentido, nunca foi seguro. Em segundo lugar, caso Lula tratasse de aplicar o programa petista de 1987, ou mesmo o apresentado na cam- panha de 1989, as classes dominantes renunciariam ao terreno legal e a arma da disputa entre as classes estaria distante de resumir-se à utilização da cédula eleitoral. Estaríamos diante da realização da hipótese da tática da II Internacional, avalizada por Engels, antes do giro do oportunista.
Logo, ou a perspectiva da crise revolucionária e da luta revolucio- nária pelo poder estaria colocada como tarefa presente, mesmo que fosse logo depois das eleições, com a burguesia rompendo sua própria legali- dade, ou o programa do V Encontro não sairia do papel, do terreno das intenções declaradas nos debates partidários. Em ambos os casos estaria confirmada a posição marxista acerca da impossibilidade de uma trans- formação radical da sociedade sem o enfrentamento físico com as classes dominantes, sem o enfrentamento contra o Estado burguês e, portanto, sem situação ou crise revolucionária, por mais que as eleições pudessem jogar um papel de primeira ordem na tática da disputa. Desta armação contraditória – impossibilidade de crise revolucionária e a possibilidade de aplicação de um programa de ruptura, anticapitalista, pela via eleito- ral – fortaleceram-se as ilusões constitucionais, a idéia de viabilidade de mudanças profundas com a mera vitória eleitoral.
No caso concreto da maioria da direção do PT, ao defender a es- tratégia de mudar o Estado, não de derrotá-lo, acabou mantendo-se nos limites da ordem capitalista. Vendo as questões mais de perto, cabe ver o que Lukács dizia sobre este tema. “A grande diferença entre marxistas revolucionários e oportunistas pseudo marxistas, é que os primeiros con- sideram o Estado capitalista exclusivamente como fator de poder contra o qual há que mobilizar a força do proletariado organizado, ao passo que os segundos concebem o Estado como uma instituição acima das classes, cuja conquista é o objetivo da luta de classe do proletariado e da burgue- sia. Mas ao conceber o Estado como objetivo do combate e não como adversário na luta, estes últimos colocam-se já, em espírito, no terreno da burguesia: têm assim a batalha meio perdida antes mesmo de a terem co- meçado. Com efeito, toda a ordem estatal é jurídica (a ordem capitalista mais que todas) e se baseia, em última análise, no fato de que sua existên- cia e a validade de suas regras não levantarem nenhum problema e serem aceites como tais.” (História e consciência de classe, 1974, p. 243) Ainda segundo Lukács, a transgressão dessas regras, em casos particulares, não acarreta em qualquer perigo especial para a manutenção do Estado.
Vale uma última palavra sobre a relação entre eleições, programa e confronto social. A experiência da América Latina tem demonstrado que se pode ganhar eleições e promover profundas mudanças no Estado de natureza progressista. Em geral não chegam a destruir o Estado burguês e construir um estado democrático de novo tipo. Mas mudam questões fundamentais e pelo menos na experiência concreta da Venezuela, Equa- dor e Bolívia, conquistam regimes políticos qualitativamente mais avan- çados. Concretamente todos estes países tornaram-se independentes do imperialismo. Mas se iludem aqueles que acreditam que estas mudanças se deram pela mera utilização da cédula eleitoral. Não há como explicar o fenômeno do chavismo sem o caracazo, levante popular que produziu um trauma social, com mais de 4 mil mortos. Desde 1989 as massas popula- res deste país caribenho lutaram para dar o troco nas classes dominantes. A vitória eleitoral de Chávez foi produto direto deste ascenso sustentado ao longo de uma década. No Equador ocorreram várias insurreições an- tes da vitória de Correa. Na Bolívia, também antes de vencer nas urnas, os camponeses, populares e mineiros venceram nas ruas a repressão do regime burguês.
Ou seja, nestes países os processos eleitorais foram fundamentais, mas se combinaram com fortes lutas sociais, com ação direta e confron- tos. Todos eles atravessaram situações e crises revolucionárias. Para isso que devem se preparar todos os que almejam reais mudanças também em nosso país.
Qualquer outra perspectiva significa desconhecer a natureza das reações contra as mudanças políticas substanciais. Significa atribuir um caráter pacifista e reformista para a chamada tática do desgaste da II Internacional, tática estruturalmente muito difícil de ser realizada num país como o Brasil, com pouquíssima tradição de democracia burguesa e, sobretudo, com alto grau de violência social e política, esta promovida pelas classes dominantes. Neste sentido, a possibilidade aberta em 1989 foi uma exceção, desdobramento do desconcerto burguês diante da crise da superinflação e do desgaste da Nova República. Uma surpresa para todos. Uma situação similar não pode ser descartada no futuro. Mas tra- balhar por esta hipótese, para que de fato seja exitosa, significa trabalhar para que o movimento de massas tenha capacidade de resposta e de ofen- siva no terreno da força social, política e militar.
Conclusão programática e política
O programa democrático e popular, no seu aspecto político, ter- minou assumindo uma posição etapista. Seu grave erro foi des- considerar duas questões determinantes: a) somente poderosas lutas sociais, confrontos de classe e o poder dos trabalhadores pode realizar um plano de emergência popular; b) a burguesia é opositora radical deste programa. Por isso é preciso preparar-se para os confrontos ine- vitáveis antes, durante e depois da conquista do poder dos trabalhadores
Tendo esta questão clara, pode-se atuar aplicando todas as tá- ticas, inclusive hierarquizando a disputa eleitoral presidencial como uma prioridade da política partidária. Mais claramente ainda, para descer ao concreto, se pode – e creio que se deve – hierarquizar a im- portância da defesa da candidatura presidencial de Heloísa Helena.
Tal hierarquia, com a compreensão marxista da relação entre as eleições e a necessidade da força social física das classes trabalha- doras como condição indispensável para a vitória e, sobretudo, para a aplicação de um real programa democrático e anticapitalista, reafirma, e não debilita nem desvia-se da estratégia central e permanente dos marxistas revolucionários: a defesa da mobilização de massas para construir outro regime político. Um regime de natureza democrática, controlado pela população, cujo poder econômico não domine o po- lítico e, portanto, sofra uma forte intervenção pública numa transição de uma economia de mercado para uma economia social, a serviço da maioria da população.
Porto Alegre – RS, janeiro de 2009.