Crise no andar de cima: organizar a luta dos de baixo

O despreparo de Bolsonaro a frente da presidência já começa a ser percebido por parcelas importantes do povo brasileiro.

Israel Dutra 25 mar 2019, 20:15

O despreparo de Bolsonaro a frente da presidência já começa a ser percebido por parcelas importantes do povo brasileiro. A pesquisa de opinião do Ibope registrou uma queda de 15 pontos, entre janeiro e março, na avaliação positiva do governo. Um olhar mais atencioso à pesquisa demonstra que, entre as camadas mais pobres e nos grandes centros urbanos, o tombo do presidente é maior. A resposta do Planalto para lidar com a crise é apertar ainda mais o ajuste. Em menos de cem dias de governo se amplia a consciência de que sua estratégia é de desestruturação do povo, seja nas suas organizações sindicais e sociais, seja na retirada de direitos. A população deve se levantar contra o plano de Bolsonaro e Guedes.

A crise política que atravessa o Planalto desorganiza os planos do governo. São várias as frentes de batalha que Bolsonaro abriu, mesmo em seu próprio quintal, quando o apelo da burguesia é que se concentre na aprovação da reforma da previdência. A prisão e soltura de Temer é parte da agudização da crise política.

Os números da economia corroboram o sinal de alerta. As taxas oficiais de desemprego chegam a quase 13 milhões de brasileiros; a maior parte dos jovens empregados não tem carteira assinada, dependendo mais da informalidade e do trabalho precário. Nos últimos quatro anos, a participação do salário diminuiu no orçamento familiar, de 63% para apenas 56%. O endividamento cresce. Todas as previsões do PIB começam a ser revisadas para baixo. Para completar o quadro econômico, o mercado, até então em euforia, emitiu sinais trocados como produto da crise política, no final da semana passada. A bolsa teve queda e o dólar chega perto dos 4 reais.

A comitiva brasileira em visita oficial a Trump conseguiu muito pouco, além de bajular o presidente dos Estados Unidos. Mostrou-se um fiel representante do liberalismo e ofertou uma série de concessões em troca de promessas vagas, como a entrada na OCDE. O governo utilizou da viagem para ratificar o peso de Olavo de Carvalho nos rumos da estratégia do planalto. Enquanto isso, nos bastidores do governo, segue uma luta surda, onde evangélicos e olavistas disputam o controle do MEC e a insatisfação é recorrente nas próprias bases do bolsonarismo.

A prisão de Temer

No dia 21 de março, a crise teve um salto com a prisão do ex-presidente Michel Temer, numa das novas fases da operação Lava-Jato, junto a um dos seus principais operadores, Moreira Franco. A prisão de Temer, que concluiu seu mandato odiado por grandes franjas do movimento de massas, gerou impacto e crise no chamado “mundo político”.

Uma prisão tardia, depois de comprovadas transações como a que ficou conhecida como a o do “homem da mala”, com Rocha Loures, ou as confissões dos donos da JBS, mas ainda assim comemorada pelos que sofreram na pele o desgoverno de Temer. Sua soltura, com Moreira Franco, Coronel Lima e mais cinco pessoas, levanta a temperatura da indignação política, dando espaço para centenas de milhares reclamarem a revogação de todas as medidas implementadas em seu governo, como a reforma trabalhista e a EC95, que congelou gastos nas áreas sociais.

A nota encabeçada por nosssos parlamentares e dirigentes da executiva nacional do PSOL elucida a posição de não defender Temer, colocando as expectativas no desenvolvimento de uma luta de rua contra a corrupção e o ajuste dos governos.

O ciclo de mobilizações de 2017, que teve como saldo positivo a derrota daquele projeto de reforma previdenciária, teve como ponto alto a combinação do desgaste do governo Temer, tido como notório corrupto na massa, com a ação independente do movimento de massas, na greve geral de abril de 2017 e na marcha de cem mil que ocupou Brasília, no maio seguinte. A linha das direções das centrais e do petismo foi esvaziar a nova greve geral, apostando no desgate eleitoral do governo Temer.

A prisão de Temer tem sido lida por vários analistas como um novo capítulo na pugna entre poderes. Uma ala do judiciário, representada pelos procuradores e pela Operação Lava Jato, inconformada com as derrotas que sofreu no STF, teria dado um “recado” para Maia, o Supremo e os principais partidos do regime. A represália de Maia foi atacar Bolsonaro como inábil na movimentação em relação aos votos da reforma da previdência, pauta prioritária que une as diferentes frações do governo e da burguesia. O tropeço quase vira curto-circuito, quando distintos atores se enfrentam nas redes sociais.

Ainda que a tendência seja um possível arrefecimento imediato, a trégua não vai mudar a instabilidade colocada. O andar de cima tem dificuldades para se organizar, apesar de ter uma unidade ao redor da luta central: impor o ajuste via a reforma da previdência, capitaneada por Guedes e os banqueiros.

As dificuldades da oposição política em lograr uma ação comum e de massas precisam ser superadas. O saldo geral da crise abre uma brecha para fortalecer a resistência, ganhar a maioria da população para a luta contra a reforma.

Dia 22: um passo para preparar a luta contra a reforma

O primeiro dia de lutas unitário contra a reforma, sob o governo Bolsonaro, foi um importante teste.

Foi um ato de caráter nacional, estendido por todo o país, que mobilizou uma ampla vanguarda sindical e com incidência parcial em setores de base, com algumas categorias realizando ações que permitiam fazer do dia 22 um importante ato de luta contra a reforma, capaz de dinamizar a luta e levar o tema para as massas. Foi um passo que marca a disposição de luta, debatendo a reforma em várias categorias, especialmente professores. Também foram significativas as ações de metalurgicos e químicos do Vale da Paraíba, do ABC, além da paralisação de algumas horas do transporte rodoviário em São Paulo, Natal e Fortaleza. Se registraram manifestações, panfletagens e caminhadas em quase cem cidades.

Os metalúrgicos da Ford e Mercedes no ABC, que votaram a necessidade da construção da greve geral. Em muitos Estados, servidores públicos, trabalhadores da saúde e servidores municipais estiveram presentes.

Os planos econômicos liberais serão derrotados com o movimento de massas na rua. Através dessas mobilizações deve-se forjar a construção de uma alternativa política, que represente os interesses do povo brasileiro.

O ato foi na esteira das importantes mobilizações do mês de março: o maravilhoso desfile da Mangueira, campeã do carnaval, o ato de 08 de março, onde milhares de mulheres ocuparam as ruas e o dia 14 de março, onde a passagem do ano da morte de Marielle Franco se converteu em dia internacional de protestos. Isso reforçou o sentimento democrático das ruas, abrindo espaço a organização da resistência aos planos autoritários do governo.

Sabendo que o dia 22 foi um êxito, não podemos perder de vista as grandes deficiências que o movimento operário vive no Brasil. Os ataques contra a liberdade sindical, via a MP 873, foram um sinal de que o governo quer asfixiar o movimento sindical, para impedir uma luta massiva contra a reforma. As demissões e planos de ajuste nas fábricas no começo do ano ainda geram letargia como estado de ânimo entre a classe trabalhadora. A falta de representatividade das direções sindicais tradicionais, muitas delas adaptadas ao regime, com um modelo sindical burocrático, é outra barreira que a classe precisa derrubar para organizar o combate.

Apenas somando novos atores e construindo de forma unitária poderemos aproveitar a brecha que se abre com a crise do andar de cima, para derrotar as propostas de reforma da previdência e demais ataques contra o movimento.

Construir a agenda de lutas pela base

Começa a se espalhar a ideia de que é possível lutar e vencer a “batalha da previdência”.

Temos que reforçar o enfrentamento e calendários de lutas: as datas da juventude em defesa da educação e contra a ditadura, como o dia 28 de março e 01 de abril. Depois do massacre de Suzano, defender a ideia de luta contra a violência nas escolas e as ideias da extrema-direita é uma tarefa do movimento estudantil e dos professores.

Dentro do movimento sindical, construir um novo dia nacional de lutas em abril, consolidar a ideia do 01 de maio unificado, acontecimento inédito em São Paulo e nas grandes cidades. Esse é o caminho para construir, com assembleias e debates nas categorias, um calendário rumo a greve geral.

Nossa principal tarefa: ir para base convencer a maioria da população do caráter da reforma, didaticamente, falando que ataca os mais pobres e as mulheres. Defender a previdência pública como conquista, denunciando que a capitalização só interessa aos bancos e milionários e é um modelo que fracassou no Chile e Peru. E que os mais ricos devem pagar mais, com a taxação das grandes fortunas e a eliminação de privilégios.

Estamos empenhados, nas categorias, locais de estudo e moradia, utilizando nosssos mandatos para fortalecer os comites populares e domésticos, articular uma frente social e política unitária contra a reforma e colocar o PSOL de cabeça nessa luta.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 19 nov 2024

Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas

As recentes revelações e prisões de bolsonaristas exigem uma reação unificada imediata contra o golpismo
Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi