O grito do Moncada

No 64º aniversário do assalto ao quartel Moncada publicamos texto de historiador cubano em que reconstrói em detalhes os meses que antecederam o evento.

Mario Mencía 26 jul 2017, 12:50

Uma das datas mais rememoradas pelos revolucionários latino-americanos, o 26 de Julho de 1953 marca a primeira ação direta comandada por Fidel Alejandro Castro Ruz contra o regime de Fulgêncio Batista: o assalto ao quartel Moncada. Convencidos de que era impossível vencer o imperialismo estadunidense e seus títeres na Ilha por uma via pacífica, o jovem advogado Fidel (26 anos) e 130 camaradas planejam tomar o terceiro mais importante quartel do país em Santiago de Cuba, com o objetivo de insuflar um massivo levante da população.

A precariedade de condições e uma sucessão de imprevistos frustram a ofensiva dos rebeldes e dezenas deles são detidos, torturados e mortos. Fidel Castro é mantido preso até 16 de outubro quando um tribunal finalmente o condena a 15 anos de reclusão – neste dia, pronuncia um discurso de 2 horas em afirma sua assertiva mais célebre: “Condenem-me, não importa, a História me absolverá”. Ele e seu irmão Raúl Castro permanecem 22 meses trancafiados na Ilha de Pinos até serem enviados para o exílio no México.

Em 2 de dezembro de 1956, mais experiente e preparado, Fidel — junto com Ernesto Che Guevara — reorganiza outra célula revolucionária, iniciando a luta armada nas montanhas de Sierra Maestra que culminaria na independência efetiva de Cuba em 1 de janeiro de 1959. Não por acaso, o movimento se denomina “26 de Julho”, em homenagem aos mártires que tombaram no assalto ao quartel de Moncada.

Sessenta quatro anos mais tarde, a Revista Movimento traduz um artigo de um dos maiores historiadores cubanos, Mario Mencía Cobas, no qual se reconstrói em detalhes os meses que antecederam a aventura de Moncada e o desenrolar de ações que terminaram em uma derrota num primeiro momento.

Que o Grito de Moncada continue a inspirar os jovens latino-americanos, sem esquecer as lições do passado!

— Charles Rosa

O grito do Moncada

— Mario Mencía

O ano 1953 abria com a crise definitiva entre a direção do Partido Ortodoxo. Terça-feira, 13 de janeiro, cindia-se seu conselho diretivo nacional quando se tentou discutir a linha de não-pacto com outros partidos políticos. A partir desse momento, o partido ficou dividido em três frações irreconciliáveis, depois de uma tumultuosa assembleia que terminou a golpes.

O incidente promoveu ainda mais o descontentamento dos jovens revolucionários ortodoxos. Aí, e polarizando esse sentimento, se levantou entre eles a voz de Fidel: “Vamos embora daqui. Com estes políticos não se pode contar para fazer a revolução”.

O interesse público deslocava-se rapidamente, no entanto, para a Universidade de Havana. O 15 de janeiro amanhecia com o busto de Julio Antonio Mella manchado, que havia sido inaugurado cinco dias antes da explanada em frente à escadaria.

Os estudantes se lançaram nessa mesma manhã em ondas de protesto nas ruas. Em L y 23 chocaram-se com a polícia, que utilizou suas armas de fogo, deixando um saldo de meia dezena de feridos. Ao meio-dia, os arredores se assemelhavam a um campo de batalha: as ruas cheias de pedra, escombros, tanques de combustível e tampas de esgotos rodando, assim como fios estendidos de calçada a calçada para impedir a passagem das forças repressivas.

Às quatro da tarde uma gigantesca massa estudantil iniciou uma caminhada pela rua San Lázaro rumo ao monumento aos estudantes de medicina em Malecón y Prado, próximo ao palácio presidencial. Ao chegar à Infanta, os estudantes enfrentaram os policiais que tentaram bloqueá-los e romperam também o cordão policial em San Lázaro y Belascoaín, enquanto se somavam centenas de pessoas do povo. Milhares de vozes, de modo cadenciado, pediam a cabeça de Batista, ao passo que a compacta multidão avançava a passos firmes.

Em San Lázaro y Prado, carros de patrulha e caminhões de bombeiros juntos à centenas de policiais e marinheiros obstruíam a passagem. A gigantesca manifestação aproximava-se sem temor, cantando o Hino Nacional. O choque se produziu com inusitada violência. Contra os paus, cassetetes e fortes rajadas de água, os manifestantes colocavam em oposição seus punhos e uma chuva de pedras.

Quando começava a ceder a resistência repressiva se deu a ordem de disparar. As balas faziam saltar pedaços das paredes e logo começaram a cair pessoas feridas. Depois de vários minutos de combate corpo a corpo, a manifestação se dispersou. Dezenas de jovens foram parar nos hospitais e nas delegacias. Ao hospital Calixto García foi levado o mais grave dos feridos, o estudante Rubén Batista.

Em 16 de janeiro, enquanto se efetuava um ato em desagravo ante o busto de Mella, os estudantes se declaravam em greve e o Conselho Universitário suspendia as atividades docentes até 2 de fevereiro e proibia o acesso à Universidade de toda pessoa que não fosse estudante ou professor. Esta última medida constituía um boicote aos atos que organizava a FEU (Federação Estudantil Universitária) para a comemoração do Centenário de Natalício de Martí, em 28 de janeiro. Os festejos oficiais da tirania começaram em 25 de janeiro, com grande faustosidade, mas carentes de povo. O governo convidou várias personalidades estrangeiras, pelo que durante esses dias se viu obrigado a suprimir as ações repressivas.

Desde o sábado, 24 de janeiro, resguardada à proteção ainda respeitada da autonomia, a FEU havia começado a reunir-se com representantes secundaristas, seções juvenis dos partidos de oposição e mulheres martianas para concretizar as atividade memorialistas.

Das numerosas sugestões debatidas, surgiram vários acordos: representação de obras de Martí no teatro universitário; inauguração de um grupo martiano na universidade; assinatura na escadaria do Livro de Ouro do Centenário; impressão e distribuição de folhetos com pensamentos de Martí; desfile com tochas até a Fragua Martiana na noite do 27 de janeiro; manifestação até o monumento no Parque Central, na quarta-feira, 28 de janeiro, às duas da tarde. Convidou-se ao povo para participar de todas estas atividades.

Convocado também pela FEU, efetuava-se no local sindical dos gesseiros o Congresso Martiano em Defesa dos Direitos da Juventude. Com a participação de mais de 200 delegados de todo o país, o congresso se reuniu nos dias 26 e 27 de janeiro como um verdadeiro tribunal de consciência contra o regime. Durante a noite do 27 de janeiro, enquanto em frente ao Capitólio se sucedia o ato oficial patrocinado pelo regime, filas de estudantes e pessoas do povo chegavam ininterruptamente na área universitária até integrar uma enorme e ruidosa massa. A Praça Cadena e a monumental escadaria ficaram abarrotadas. Uma visão a distância descobria a fantástica perspectiva de milhares de serpenteantes linguetas de fogo que começaram a se deslizar para Infanta e San Lázaro às 11:30 da noite. Cada um dos manifestantes levava uma tocha no alto. Vários carros com equipes de repórteres cinematográficos e da televisão se adiantavam tomando cenas do desfile que estava encabeçado por uma gigantesca bandeira levantada por moças universitárias e do ensino médio. Atrás, a Executiva completa da FEU.

O rio de chamas baixava por San Lázaro até a rua Espada. Sobre a marcha se somou o contingente que acabava de encerrar o Congresso Juvenil Martiano. As mulheres martianas aportavam outro nutrido bloco. Mas, a sensação da noite foi uma coluna com cerca de 500 jovens, perfeitamente formados, que iam atrás de Fidel. Via-se que estavam bem treinados pela demonstração de disciplina e coesão que deram. Quando se iniciou o coro dos de “Revolução! Revolução!”, ressaltavam as vozes destes jovens. Era uma corrente ensurdecedora que tornou mais espetacular a nutrida manifestação.

Ao contrário do previsto, nenhum choque se produziu com as forças repressivas. Não houve policiais ao longo do percurso. Ante seus convidados e com a imprensa internacional focalizada na comemoração, o regime assumiu uma fachada de paz e respeito aos direitos democráticos. Daí que o desfile também multitudinário que marchou no dia seguinte desde a Universidade até a estátua de Martí, no Parque Central de Havana, tampouco fora interceptado. Foi outra oportunidade para que os jovens dirigidos por Fidel dessem uma nova demonstração de sua organização e disciplina.

Depois de três intervenções cirúrgicas durante os 29 dias que durou sua agonia, em 13 de fevereiro falecia Rubén Batista. O Conselho Universitário suspendeu suas atividades docentes por quatro dias. Uma medida similar era adotada em todos os institutos secundaristas. O cadáver foi velado na Aula Magna da Universidade, por onde desfilaram milhares de pessoas durante a tarde e a noite até o dia seguinte, em que mais de 30 mil pessoas integraram o cortejo fúnebre até o cemitério de Colón.

Numerosos distúrbios se produziram ao longo da rua 23 depois do enterro, pelos quais se abriu um processo judicial contra Fidel. Tumultos similares ocorreram nos institutos e outros centros de ensino de Havana, Marianao, Sagua La Grande, Camagüey, Guantánamo e Santiago de Cuba. As desordens se repetiram novamente ao longo do país em 10 de março de 1953, enquanto em todos os quartéis e acampamentos militares se festejava o primeiro aniversário do golpe.

O ciclo se encerraria no domingo, 5 de abril, com o frustrado plano do MNR para a tomada de Columbia. Esse dia, no meio da manhã resultavam presos no apartamento de Eva Jiménez na divisão Almendares, Marianao, Rafael García Bárcena e dez jovens de sua organização que aguardavam ali para marchar três horas depois até Columbia, igual a centenas de pessoas que se agrupavam em outros muitos lugares.

No plano, estava implícito que um grupo de oficiais do Exército neutralizaria a guarnição e os controles do acampamento e às 1:55 permitiria a passagem pelo posto 13 dos civis comprometidos. A ação fora planejada para um mês antes, em 8 de março. Porém determinados ajustes que faltavam serem feitos, segundo supostamente alegaram os oficiais comprometidos, levaram a remarcação da data para 5 de abril.

O certo é que este plano era amplamente conhecido pelos denominados meios insurrecionais, muitos dos quais estavam infiltrados por agentes inimigos. Seu adiamento aumentou a vulnerabilidade e chegou a ser perfeitamente conhecido pelos corpos repressivos. Ao meio-dia do 5 de abril, os detidos já eram mais de 30. Todos foram conduzidos ao SIM (Serviço de Inteligência Militar), onde acabaram barbaramente golpeados e torturados. Durante vários dias, foram mantidos incomunicáveis, sem sequer poder ser vistos por seus advogados defensores. Em 10 de abril, García Bárcena e os demais presos eram conduzidos para o Castelo do Príncipe, e Eva Jiménez para a cárcere feminina de Guanabacoa.

Em meio à onda de indignação pública que aumentava na medida em que se conheciam os abusos contra os detidos, já em 13 de março, ao cumprir-se o primeiro mês do falecimento de Rubén Batista, os estudantes se lançaram de novo às ruas. E outra vez agora, na manhã do 13 de abril, pela J y 23, ocorria um forte enfrentamento do qual resultavam 12 estudantes feridos. Na noite, depois de um combativo ato celebrado às escuras no alto da escadaria, novamente a polícia agrediu aos jovens quando estes se retiravam, resultando três deles gravemente feridos por balas.

A repulsa estudantil ao regime teve imediata ressonância nacional. Nas três universidades se suspendiam as aulas. Os alunos dos institutos de Matanzas, Santa Clara e Sancti Spíritus declararam paralisações por 48 horas. Os da Escola de Comércio de Camaguey chocaram-se nas ruas com a força pública. Em Santiago de Cuba, a greve abarcou toda o ensino médio e vários jovens foram detidos e postos a disposição do tribunal de urgência.

Em Guantánamo, os distúrbios assumiram maior violência, com queima e lançamento de móveis na rua, em meio à grande comoção em toda a cidade. O exército assaltou o Instituto e houve vários estudantes feridos, enquanto 40 eram encarcerados. Em 27 de abril, começava o juízo contra García Bárcena e seus companheiros. Finalizou em 24 de maio quando o chefe do MNR foi condenado a dois anos de cárcere e onze dos demais acusados a vários meses.

O Plano Insurrecional

Muito antes do 10 de março de 1952, o jovem Fidel Castro havia assumido o critério de que uma transformação revolucionária somente seria possível em Cuba por caminhos extra-parlamentares e com a participação em torrente das massas populares. Adotou a militância ortodoxa por ser o Partido Popular Cubano (Ortodoxo) o partido que aglutinava majoritariamente as massas, o que facilitaria a promoção nelas de um projeto no qual elas seriam o fator determinante. Em 10 de março, esclareceu as perspectivas sobre o método a empregar, completou a base objetiva no político e assentou as premissas para um desenvolvimento acelerado das condições subjetivas que viriam a desencadear um processo que conduzisse para essas mudanças revolucionárias. Daí que, desde o primeiro momento, Fidel sustentou a linha da insurreição armada como o método adequado da oposição ao regime ditatorial.

Foi rechaçado pela quietista e simplesmente reformista direção ortodoxa seu projeto de integrar uma força armada dentro do partido – criada essa força, porém frustrado seu propósito de obter recursos para armá-la, tanto do PPC (O) como de outras organizações “insurrecionais” e totalmente convencido da inépcia da direção do partido fundado por Chibás para conduzir as massas naquela situação, Fidel e seus companheiros se independentizaram de toda atadura partidária e decidiram seguir um caminho próprio, apoiando-se na combatividade das massas ortodoxas e com uma ilimitada confiança nas reservas morais e na essência revolucionária do povo.

Foi dessa maneira, passo a passo, mas ininterruptamente, que se gestou a concepção do assalto ao Moncada, ação inicial para o desenvolvimento da insurreição armada e a revolução popular.

Já um mês antes do fracasso do MNR para a tomada de Colúmbia, Fidel havia decidido levar a cabo com as forças e escassos recursos de seu movimento um plano próprio de luta contra a tirania.

A limitação de recursos (toda vez que o movimento estava integrado em sua imensa maioria por jovens trabalhadores de situação muito humilde) determinou a forma que assumiria o plano insurrecional.

Como não havia dinheiro para adquirir boas armas de combate, no plano se concebeu arrebatá-las do inimigo. “Nós éramos um punhado de homens – disse Fidel. Não pensamos com um punhado de homens derrotar a tirania batistiana, derrotar seus exércitos, não. Mas pensávamos que aquele punhado de homens podia ocupar as primeiras armas para iniciar o armamento do povo; sabíamos que um punhado de homens poderia bastar, não para derrotar aquele regime, mas sim para desatar essa força, essa imensa força, essa imensa energia do povo que sim era capaz de derrotar aquele regime”.

Daí a decisão de que a primeira ação devia ser a tomada de um quartel, o qual implicava por sua vez romper com um velho esquema: a impossibilidade de lutar com êxito contra o exército. Dizia-se há muito tempo que as revoluções podiam ser feitas com o exército ou sem o exército, mas nunca contra o exército.

Esta necessidade de lutar contra o exército concordava com outro aspecto essencial do projeto revolucionário de Fidel. Diferentemente das demais organizações chamadas insurrecionais que, em geral, somente queriam substituir Batista no poder, Fidel se propunha ademais levar adiante uma verdadeira revolução. E isso era impossível sem a derrota e a liquidação do exército profissional que reprimia as classes populares e servia de sustentáculo ao regime de exploração capitalista e imperialista.

Bem, existia um problema a resolver: para tomar um quartel e tirar as armas do inimigo faltavam alguns meios de combate, ainda que não fossem boas armas de guerra. Foi então que se decidiu adquirir fuzis baratos, de caça, que podiam ser comprados em determinados comércios que vendiam ao público, e treinar os militantes do movimento em seu uso, de forma tal que combater com eles fosse efetivo. Em 26 de julho de 1953 ficaria demonstrado que essa apreciação foi correta pois, à curta distância, cada disparo dessas armas de pequeno alcance e calibre- e mais ainda as escopetas que lançavam várias balas de uma só vez – era mortífero.

Enquanto ainda era utilizada a Universidade como centro de treinamento até dezembro de 1952, efetuaram-se duas práticas em chácaras próximas a Havana, nas quais começaram a se fazer disparos com esse tipo de armas esportivas. Porém, a partir de fevereiro de 1953, este treinamento em chácaras foi o único utilizado, à parte das práticas num campo de tiro legalmente estabelecido, o Clube de Caçadores do Cerro, aonde muitos companheiros foram praticar.

Isso já comportava necessidades econômicas que até esse momento não haviam surgido, e começou a arrecadação de dinheiro para cobrir os gastos desse adestramento e ir comprando as armas. Entre os mesmos combatentes se coletaram mais de 20 mil pesos, com imensos sacrifícios até das mais peremptórias necessidades familiares. De que maneira se manejavam esses fundos? Conta Pedro Trigo que uma noite, depois de todo um dia de coletas de dinheiro, passou com Fidel em frente ao lar deste. Seu pequeno filho de três anos estava enfermo. O apartamento, às escuras… haviam cortado a eletricidade. Fidel escreveu uma nota para que o menino fosse visto por um médico amigo. Perguntou a Pedro se tinha dinheiro em cima. Os cinco pesos que Trigo pôde lhe dar foram deixados para remédios e algum alimento, e eles continuaram suas tarefas até a madrugada. No momento em que isso ocorria, Fidel tinha em seus bolsos mais de 100 pesos arrecadados nesse dia.

Concentrados na preparação de seu próprio plano, a partir de março de 1953 os militantes do movimento se desvinculam das demais organizações que pretendiam inutilmente derrubar Batista em poucas horas, e deixam de participar das manifestações públicas contra o regime, para não pôr em perigo a marcha de seu plano.

Assim, para os futuros moncadistas se dão várias situações que ocorrem paralelamente a partir desse momento: a separação dos movimentos das demais organizações, a ausência em atos públicos, o amadurecimento e o perfilamento do plano próprio, a coleta de fundos, a compra de parque e o treinamento nas chácaras, a compra de armas, e os preparativos finais para a execução do projeto, entre os quais terão não menor importância a busca e o condicionamento em Bayamo e Santiago de Cuba dos lugares de aquartelamento, a aquisição de uniformes, a elaboração detalhada do plano tático de ações e do programa político com o qual se chamaria o povo para a insurreição.

Cada situação e suas soluções exercia influência nos demais, sobre um denominador comum: a vontade de desenvolver a insurreição armada popular em conformidade com o propósito de chegar até a revolução social, por um lado; e, por outro lado, a quantidade de recursos disponíveis para desencadear a insurreição. Neste último sentido atuou-se com um sentido realista: todos os pormenores do plano, a quantidade de homens, de armas, o transporte, o alojamento, ajustaram-se estritamente à limitada disponibilidade de recursos econômicos e materiais.

A desvantagem quanto ao tipo de armas e a quantia de homens tinha que ser suprida com perícia, astúcia e audácia. Assim surgiu a ideia de usar os mesmos uniformes do inimigo para executar a ação inicial. A maior parte foi comprada pelo enfermeiro cabo do exército Florentino Fernández, captado para o movimento. Outra pequena parte foi confeccionada por um grupo de companheiras na casa dos pais de Melba Hernández, que depois do apartamento de Abel e Haydée Santamaría seria o segundo lugar de reunião mais importante dos revolucionários seguidores de Fidel

Enquanto tudo isso ocorria no ocidente do país, lá no Oriente – onde seria decisiva a atividade de Renato Guitart – preparavam-se as condições para que o plano pudesse ser iniciado. Foi arrendada uma quinta na estrada de Santiago de Cuba à praia Siboney, igual a uma velha hospedagem em Bayamo e duas casas mais em Santiago.

Em junho viajou até lá Abel, quem colaborou com Renato não só na compra e no aluguel do necessário para habilitar esses lugares mas também na aquisição de armas e munições, e na reserva de moradias em distintos hotéis até completar as necessidades de alojamento dos 160 homens, aproximadamente, que se calculou de serem possivelmente mobilizados para começar as ações.

Em sua primeira parte, o plano consistia em promover uma insurreição armada popular, apoiada por uma greve geral revolucionária. A partir das experiências mambisas [1- Insurretos contra a Espanha nas guerras de independência de Santo Domingo e Cuba no século XIX] e das vivências de Fidel na Colômbia (1948), quando ocorreu o Bogotazo, as armas de guerra seriam arrebatadas do inimigo e entregues ao povo. A tática do assalto surpresa ano quartel Moncada perseguia este fim inicial. A tomada do quartel de Bayamo seria a operação de apoio à ação militar de Santiago de Cuba, com o propósito de cortar a principal via de acesso de reforços da tirania desde Holguín até a capital oriental, e interceptar as comunicações telegráficas entre esta e o restante do país.

Afiançada a insurreição no Oriente, promover-se-ia sua extensão às demais províncias até transformá-la num movimento armado de todo o povo. Se falhassem essas ações iniciais continuaria a luta nas montanhas, razão a mais pela qual, junto a outras considerações favoráveis como a tradição de luta dos orientais e seu peculiar campesinato, escolheu-se a província do Oriente, caracterizada, além disso, pelos maiores grupos montanhosos de Cuba. Estes aspectos, coincidentemente, também haviam sido considerados por Antonio Guiteras em seus planos insurrecionais da década de trinta.

Mais de 800 quilômetros separam Santiago de Cuba de Havana, centro do poder militar da tirania onde se concentravam suas forças blindadas, aéreas e artilheiras. Situada na costa sul do Oriente e amuralhada entre montanhas, com escassas vias de acesso, Santiago de Cuba apresentava-se como um ponto ideal por suas defesas naturais para uma guerra irregular. O quartel Moncada, sede do regimento No. 1 Antonio Maceo, era a terceira guarnição em importância militar do país.

A determinação do 26 de julho como data para o começo da insurreição, curiosamente, assentava-se nas mesmas considerações que conduziram ao assinalamento do 24 de fevereiro de 1895 (Grito de Baire) para o início do levante final organizado por José Martí contra a dominação colonial espanhola: a possibilidade de deslocamentos menos suspeitos ante o inimigo por ser dia de domingo e em celebração de festividades carnavalescas [2].

Com todas essas previsões, na sexta-feira, 24 de julho, começou o traslado para Oriente. Nos dias anteriores ao 26 de julho, Fidel havia dormido muito pouco. E desde quarta-feira, 22, que recorreu a Raúl Gómez García para a elaboração do manifesto em que se explicaria o porquê das ações que iam ser iniciadas, praticamente não dormiu nada.

Alternando carros, ajudantes e interlocutores, foi febricitante centro de todos os ajustes e repasses de cada aspecto tático e estratégico das ações militares, dentro do plano de assalto concebido para Bayano e Santiago; determinação final do plano de mobilização das massas no qual se encontrava o chamado ao povo mediante uma programação especial de rádio para a rápida criação de milícias armadas populares; ordens de mobilização de células, cálculo de homens e armas, últimas compras de parque, aluguel de automóveis, determinação de seus condutores, das vias de transporte que utilizaria cada homem, empacotamento de armas e uniformes, meios a utilizar para seu despacho, instrução pessoal a todos os responsáveis das medidas de segurança que devia adotar-se, busca e distribuição de dinheiro, expedição de cheques para gastos finais e múltiplos detalhes mais, nenhum dos quais podia ficar sem atenção.

Dessa maneira, no sábado, 25 de julho chegaram a Santiago de Cuba sem nenhum contratempo 131 militantes do movimento – 81 viajaram em 15 automóveis, 30 o fizeram de ônibus e 18 pela ferrovia. Além de Renato e Abel, em Santiago de Cuba já estavam Elpidio Sosa, Haydée e Melba, e até lá se havia conduzido com antecedência parte do armamento e dos uniformes. A maioria dos recém-chegados se alojaram provisoriamente nas casas da rua 1 No. 204 e Celda No. 8, nos hotéis Rex e Perla de Cuba e na casa de hóspedes La Mejor. Desses lugares, a partir das 10 da noite, foram transportados escalonadamente à pequena granja de Siboney, onde ficaram concentrados todos os grupos.

A Bayamo chegavam simultaneamente 25 homens, 23 viajaram em quatro automóveis, e dois por trem, os quais transportam as maletas com armas, munições e uniformes. Já de noite, alojaram-se no ponto de concentração designado: a velha hospedagem Gran Casino, próxima ao quartel que lhes competia atacar. Durante a madrugada repartiram-se as armas e uniformes e Fidel explicou em detalhes como se desenvolveria o plano. Para o ataque ao Moncada o contingente seria subdividido em três grupos. Fidel havia decidido tomar o mando direto do mais importante e de maior risco, aquele que penetraria no acampamento fortificado. Léster Rodriguez, à cabeça de uma esquadra, iria se apossar do Palácio de Justicia. E Abel, com 20 homens, mais o médico Mario Muñoz, Haydée e Melba, devia ocupar o hospital Saturnino Lora. Desde o alto do Palácio de Justicia se dominavam os telhados do quartel Moncada, e desde o Saturnino Lora, sua parte posterior. Foi então que a imensa maioria dos combatentes soube para que havia viajado até Santiago de Cuba.

Leu-se o Manifesto à Nação, redigido para dar conhecimento ao povo das razões que os impulsionavam a lutar contra a tirania e o programa de transformações com que se iniciaria o processo revolucionário no caso de que se triunfasse a insurreição, e Raúl Gómez García recitou seu poema “Já estamos em combate”. Movidos por uma secreta mola emocional, todos começaram a cantar o Hino Nacional, em sussurro, refreando seus impulsos de expandir o peito e gritá-lo a plena voz. Ao terminar, de novo se ergueu a voz de Fidel:

“Companheiros: poderão vencer dentro de algumas horas, ou ser vencidos, mas de todas as maneiras, ouçam bem, companheiros! De todas as maneiras este movimento triunfará. Se vencem, se fará mais cedo o que aspirou Martí. Se ocorrer o contrário, o gesto servirá de exemplo ao povo de Cuba e desse próprio povo sairão outros jovens dispostos a morrer por Cuba, a tomar a bandeira e seguir adiante. O povo nos respaldará em Oriente e em toda a Ilha. Jovens do Centenário do Apóstolo, como em 68 e 95, aqui em Oriente, damos o primeiro grito de: Liberdade ou Morte!”.

Subiram nos carros e começaram a partir. Eram cinco da manhã do domingo, 26 de julho de 1953.

O grito

Naquela madrugada, o primeiro carro que saiu do sítio foi o de Abel Santamaría, seguido pelo de Juan Manuel Ameijeiras. Com o de Mario Muñoz, completava-se os que transportariam o pessoal que ocuparia o hospital Saturnino Lora. Este era seguido por um Chevrolet preto conduzido por Mario Dalmau, com um grupo que se encarregaria de ocupar o Palácio de Justiça, em que estava Raúl Castro.

Um quarto carro era guiado por Pedro Marrero, que conduzia a vanguarda do contingente de Fidel, encarregado de forçar o posto 3. Atrás dele deveriam entrar no quartel os demais carros. Fidel, dirigindo um Buick de 1953, ocupava o quinto lugar do comboio, seguido pelo veículo guiado por Boris Luis Santa Coloma.

Seguiam o veículo de Boris os de Pepe Ponce, Oscar Alcade, Fernando Chenard, Gildo Fleitas, Héctor de Armas, Oscar Quintela, Ciro Redondo e Ernesto Tizol. O de Mario Muñoz, levando Haydée e Melba, foi o último a sair.

Era quase 5:15 da madrugada, hora prevista para o ataque, quando a caravana entrou pela avenida Garzón. Os dois primeiros carros, do grupo de Abel, seguiam adiante para cumprir sua missão. O que ocupava Raúl continuava sua marcha para alcançar o objetivo.

O veículo de Marrero, na vanguarda, teve de diminuir a velocidade para virar a avenida Moncada, em cujo extremo encontrava-se o posto 3. Fidel desacelerou seu carro para que o de Marrero entrasse com um pouco de distância. Tinha que dar tempo para que esse grupo neutralizasse os sentinelas e liberasse a entrada.

Segundos antes do carro de vanguarda parar frente o posto 3 havia saído dali dois soldados e um sargento, que integravam uma das quatro patrulhas volantes que faziam a ronda pelos muros do acampamento militar.

Pedro Marrero para seu carro a cerca de 10 metros do posto 3 e todos descem enquanto Renato grita imperativamente: “Abram passagem que vem o general!” Esta frase havia sido cuidadosamente calculada para intimidar os sentinelas, e cumpriu sua função maravilhosamente. Os guardas se colocaram em posição e sacaram suas armas. Três dos “sargentos”, Pepe Suárez, Ramiro Valdés e Jesús Montané se dirigiram a eles e roubaram as Springfields de suas mãos. Pálidos e estupefatos, deixaram que lhes roubassem as armas.

Montané e Ramiro roubaram a corrente. O caminho estava livre, o posto 3, neutralizado. No entanto, o cabo avançou ao timbre do alarme. Pepe Suárez lhe dá três tiros e ele cai, mas ao cair consegue tocar o sinal de alarme que soa com estridência por todo o acampamento.

Para compreender tudo que acontece simultaneamente é preciso retornar a alguns segundos antes. O carro número 2 que dirigia Fidel seguia o carro 1, de vanguarda, a 30 metros aproximadamente, e muito devagar, para dar tempo de realizar sua missão. Ao lado de Fidel no banco dianteiro estavam Reinaldo Benítez e Pedro Miret. No assento de trás, da esquerda para a direita, estavam Gustavo Arcos, Abelardo Crespo, Carlos González e Israel Tápanes.

Entre o Hospital Militar e o condomínio de suboficiais, à esquerda da rua, há uma pequena avenida e enquanto o carro de Fidel ultrapassava o Hospital Militar, a atenção dos combatentes que ocupavam o assento traseiro foi atraída por um sargento do exército que passava por essa pequena avenida a passos rápidos, levando na mão um cartucho com mantimentos. Enquanto caminhava, olhava para o carro 2 – de Fidel – e 3 com ar desconfiado e, com um gesto maquinal, levou a mão ao revólver.

Fidel não viu esse sargento. Tinha a visão fixa em mais adiante, nos soldados com metralhadoras da patrulha volante que, nesse instante, estavam de costas para ele. O grito de Renato (“Abram passagem que aqui vem o general!”) os havia paralisado de surpresa e olhavam surpreendidos os “sargentos” do carro 1 desarmar os sentinelas. “Neste momento – diria Fidel 10 anos depois -, tive duas ideias em mente.

Temi, posto que cada um tinha uma metralhadora, que os homens da patrulha volante começassem a disparam contra nossos companheiros que estavam ocupados em desarmar os sentinelas. Em segundo lugar, quis evitar que seus disparos alarmassem o resto do quartel. Concebi então a ideia de surpreendê-los e fazê-los prisioneiros. Isso parecia fácil, posto que estavam de costas para mim…”

Fidel disse: “Vamos prendê-los”. E ao dizer isso, diminuiu a velocidade. Nenhum dos ocupantes do assento traseiro prestou atenção a esse coletivo e ninguém acreditou que se tratava da patrulha volante. Tinham a vista fixa no sargento do cartucho que, sempre tão nervoso e desconfiado, havia chegado à sua altura. Gustavo Arcos agarrou a maçaneta da porta e sacou seu revólver, disposto a saltar sobre o homem e prendê-lo enquanto o carro parava.

O que aconteceu na sequência foi coisa de dois ou três segundos. Fidel seguia devagar à calçada esquerda, já estava não mais do que três ou quatro metros da patrulha, abriu suavemente a porta e sacou a pistola Lugger da bainha. Feito isso, parou o carro. Gustavo Arcos, atrás dele, abriu a porta e pôs um pé na calçada.

Nesse momento, os soldados da patrulha se viraram ao mesmo tempo, como que movidos pelo mesmo instinto, se colocaram de frente para o carro de Fidel e apontaram suas metralhadoras. Fidel acelerou, e virando o volante para a esquerda lançou o carro contra eles.

Gustavo Arcos, empunhando o revólver, gritou “Alto!” ao sargento do cartucho. Ao mesmo tempo, o Buick – do qual tinha apenas saído, mantendo-se em equilíbrio por um pé – deu um salto brusco adiante e a porta se fechou sobre ele. Caiu e rolou pelo chão. O Buick estava muito perto da calçada e virou em um ângulo muito reto, o que dificultou o carro subir na calçada – a roda esquerda dianteira chocou-se violentamente com o freio e o motor parou.

Quando o sargento do cartucho viu rolar pelo chão o homem que lhe havia gritado “Alto!” apontando-lhe uma arma, teve um reflexo de medo: terminou de sacar seu revólver. Imediatamente, do carro número 3 soaram vários disparos e, no mesmo instante em que Gustavo Arcos se levantava do chão, o sargento caía repentinamente. Ao mesmo tempo, os guardas da patrulha disparavam seus gatilhos contra o carro de Fidel.

Todos estes disparos efetuados ao mesmo tempo mais os de Pepe Suárez no posto 3 e o alarme que começou a soar impediram que o fator surpresa se consumasse. Outra situação se produzia: o plano concebido era o de que o carro de Fidel continuasse sua marcha dentro do quartel até o fim da edificação, seguido pelos demais automóveis.

Ao parar Fidel, os demais fariam o mesmo. Dessa forma cobririam toda a longitude do acampamento e, ao descer e penetrar por suas diferentes portas em suas dependências e dormitórios, poderiam surpreender de uma vez toda a guarnição e rendê-la sem necessidade de disparar um único tiro.

Quando o carro de Fidel parou, com efeito, os demais o imitaram e desceram. Mas, como já haviam soado os primeiros tiros, o fizeram disparando – e fora do quartel!

Os disparos e o constante som das armas despertaram a guarnição, que em muitos casos apenas parcialmente trajada, pegou em armas e começou a responder ao ataque. Duas metralhadoras 50, situadas no polígono e no terraço do quartel, começaram a varrer com suas rajadas a área do posto 3, por onde havia penetrado a vanguarda, o que impedia tanto a entrada quanto a saída por esse lugar. Quando tentaram descer para ocupar outras posições, seriam abatidos ali Renato Guitart, Pedro Marrero, Carmelo Noa e Flores Betancourt.

Fidel tratou de reagrupar desesperadamente os combatentes, fazê-los ver que não estavam dentro do acampamento e de levá-los adiante novamente. Mas a confusão já estava plantada. Ainda era escuro. Alguns não viam Fidel, outros não entendiam o que ele queria dizer em meio aos ruídos do combate.

Cerca de quinhentos homens, um armamento pesado, de calibre maior, excelentes posições para tiro de dentro do edifício e atrás dos muros, a guarnição, desperta, fazia sentir o seu peso. Ainda que a reação inicial dos guardas tenha sido de confusão, passados 10 minutos o final já estava claro. Fidel disparava sem interrupção, do meio da rua, sobre os oficiais de metralhadoras, e ao mesmo tempo se perguntava como poderia mudar a situação.

127 quilômetros a noroeste, em Bayamo, as coisas tampouco marchavam segundo o previsto. De acordo com o plano, o chefe da ação – vestido de sargento – devia aproximar-se do quartel com um conhecido homem de negócios da região que o identificaria como um amigo militar de passagem rumo a Santiago que solicitava a permissão de passar a noite ali, o que era uma prática comum e que não levantaria suspeita.

Ao estar junto ao posto da entrada principal, a apontaria sua arma e entraria com alguns dos demais homens também uniformizados que rapidamente iriam se unir a eles, desarmariam o sargento da guarda e, enquanto alguns iam aos dormitórios, outros neutralizariam a guarda em posto no pátio para liberar a entrada posterior ao restante dos companheiros. Entretanto, o homem comprometido em Bayamo desertou. Depois que se discutiu a situação, decidiu-se atacar o quartel pela parte de trás. Chegada a hora, o grupo saiu do albergue e chegou silenciosamente à parte traseira do quartel, onde havia cerca de arame farpado. Em silêncio, os homens arrastavam-se até a cerca exterior e começavam a passar por baixo do primeiro arame.

O avanço é alcançado. Mas não se tinha levado em conta que, deste lado, havia uma grande quantidade de latas descartadas pelo cozinheiro ao longo de meses, e uma carga de tocos de madeira apanhados nos últimos dias.

Durante o avanço alguém choca-se com as primeiras latas que começam a bater umas contra as outras. “Alto!”, grita o soldado em posto. Um tiro certeiro fere seu braço esquerdo, e os revolucionários erguem-se e avançam sobre as latas já sem se preocupar com o ruído.

O sargento em guarda corre até esse lugar: “Alto! Quem está aí?” Não freiam o passo. Abrem fogo vários de uma vez e seguem avançando. O sargento, que pertenceu por anos à equipe nacional de tiros, ajoelha-se e começa a atirar com sua Thompson. Os demais soldados, acordados tão bruscamente, pegam suas Springfields e atiram no pátio pelas janelas, paralisando com seu fogo o avanço dos revolucionários, os quais têm de lançar-se ao chão e proteger-se atrás dos troncos.

Perdido o fator surpresa, o débil armamento dos atacantes não pode competir com a potência das armas dos guardas. Apesar da enorme diferença entre as armas, no entanto, o encontro no quartel terminaria empatado em número de baixas: um soldado ferido em um braço, e um dos combatentes, na coxa. E começa a retirada.

No meio do último tiroteio, um soldado que está chegando ao esquadrão é alcançado por uma bala que o penetra pelo pescoço. Apesar da perigosa ferida, salvará sua vida. Durante a retirada, Ñico López feriu mortalmente com um disparo de escopeta um sargento de polícia que vinha de Jeep indagar o que acontecia no quartel 1. Ainda não eram 6:00 da manhã e já havia terminado a ação em Bayamo.

Entretanto, em Santiago de Cuba havia se desenvolvido uma série de ações até esse momento. Parte do grupo da vanguarda que havia podido entrar no quartel, com Ramiro, Suárez e Montané surpreenderam e imobilizaram durante algum tempo uns 50 soldados. Ao compreender que o resto do contingente não havia podido penetrar, e vendo em movimento o resto da guarnição, decidiram regressar à rua e puderam fazê-lo saltando os muros de artilharia.

Do lado de fora, Fidel disparava continuamente frente ao posto 3 com alguns homens, enquanto outros atiravam da entrada do Hospital Militar e dos jardins e portões das casas dos militares que rodeiam a fortaleza. O Palácio de Justiça havia sido tomado pela esquadra em que ia Raúl. Detiveram e desarmaram ao sereno, três guardas que faziam guarnição ali e cinco policiais que chegaram muito depois para reforçar essa posição. Desde o terraço disparavam para os telhados do quartel e do clube de oficiais. Abel, com os 21 homens, Melba e Haydée que o acompanhavam, mais Julio Trigo que se somou a seu contingente, ocupou sem dificuldade o Hospital Civil, desde cujo fundo cobria com o fogo de suas armas a parte posterior do Moncada.

Fazia cerca de uma hora que durava o combate. Desde que soou o timbre não se faziam já ilusões sobre o resultado da luta. Porém, seu ódio à ditadura e seu impulso revolucionário eram tais que ninguém pensava em abandonar o combate. Chegado um determinado momento, Fidel compreendeu que era absurdo continuar o encontro.

Haveria outros. O importante era preservar os homens e o Movimento. O importante não era morrer gloriosa porém inutilmente, mas vencer. E deu a ordem de retirada. Ao dar essa ordem, encomendou a Chenard transmiti-la a Abel no Hospital Civil e ao grupo do Palácio de Justicia. Chenard foi capturado sem poder chegar a nenhum dos dois lugares.

Quando Fidel acreditou que todos seus homens haviam partido subiu no último carro que retrocedia entre uma chuva de balas. No momento, entretanto, baixou-se e cedeu seu espaço a um combatente ferido e ficou em meio da rua sozinho. Começou a retirar-se caminhando de costas e disparando para o quartel, pela avenida Moncada até a rua Garzón.

Já havia rebaixado o Hospital Militar, quando inesperadamente outro carro veio até ele, em marcha ré, quase desde a rua Trinidad, frente ao posto 3 – era conduzido pelo artemisenho Ricardo Santana. Fidel montou-se e o carro completou sua saída da zona recolhendo mais três companheiros. Fidel ordena a Santana tomar o rumo da estrada de El Caney. Nesses momentos sua preocupação fundamental se centra nos companheiros de Bayamo. Se Bayamo foi tomada, é necessário unir-se a eles para continuar a luta, se não o fizeram, de qualquer maneira, ele seguirá a luta nas montanhas. Daí sua decisão emergente de ir para El Caney, tomar o pequeno quartel dali e ocupar suas armas e munições.

Santana, que não conhece de Santiago de Cuba mais que o percurso que fizera pouco antes desde a pequena granja, em vez de pegar a estrada de El Camey, pega a que vai para Siboney. Ao passar a ponte, Fidel compreende o erro, mas já avançaram demasiado e veem adiante o carro que Boris havia abandonado, para montar-se em outro e seguir, quando furou um pneu. Ordena parar e, entre a vegetação que cerca a vala, saem e se unem os que ali haviam ficado sem poder ir ao combate.

Um carro particular se aproxima. Nele viajam duas pessoas. No meio da estrada, Fidel o detém, “Um grupo comigo e os demais sigam aí”, disse ao entrar no carro que acaba de ser detido, e ordena ao que o dirige que siga adiante até chegar à granja, onde desce com seus companheiros.

Desde o Palácio de Justiça, Raúl sentiu como diminuíam os disparos do contigente que com Fidel devia tomar as instalações do regimento. Compreendeu que se estava produzindo a retirada e que sua posição logo poderia ser cercada. Deliberou sobre isso com seus companheiros. Eles haviam sido situados no Palácio de Justiça como apoio ao ataque, mas o ataque fracassara. Estava claro que o melhor era retirar-se. No entanto, à parte de Léster que havia partido a pé, ninguém conhecia Santiago. Depois de haver tomado ao azar um certo número de ruas, com seu automóvel, encontraram-se de novo diante do Palácio de Justiça. “Vamos a Ciudamar”, disse Raúl. Era uma praia dos arredores de Santiago de Cuba, e ele conhecia o caminho.

Das janelas do Hospital Civil, Abel não podia ver o que sucedia na rua que levava ao posto 3 do Moncada. Não viu tampouco a retirada do grupo de Fidel. Somente quando o fogo dos soldados começou a concentrar-se sobre as janelas do hospital se deu conta de que era o único que restava em ação. Porém, nesse momento, o hospital estava cercado e a retirada era impossível.

Talvez tivesse podido tentar cruzar a linha de soldados, à custa de grandes perdas, e decidiu permanecer e lutar até que se acabassem as munições, o que ocorreu por volta das 8:00 da manhã. À exceção do mais jovem combatente, Ramón Pez Ferro, todos os que compunham o grupo do Hospital Civil seriam feitos prisioneiros, torturados e assassinados. Somente Haydée e Melba sobreviveriam para relatar a odisseia dentro do Moncada.

Não obstante a ordem de retirada, Pedro Miret seguiu ocupando o jardim da casa mais próxima ao posto 3, junto com Gildo Fleitas, Fidel Labrador e outros quatro combatentes. Na heroica resistência seria ferido Labrador e cairiam dois homens no combate. Um deles foi Gildo. Cerca de meia hora depois da retirada, todavia, este reduzido grupo composto então por apenas quatro combatentes seguia lutando. Dispararam até ficar sem balas. Então, seguido por seus três companheiros em fila indiana, Miret saiu sem armas do jardim e cruzou o espaço livre que separa as casas do Hospital Militar.

Nesse momento, os soldados se puseram a formigar em todas as direções. Saíam de todas as partes. Eles eram vistos pelas ruas, pelas janelas, pelos telhados. Cerca de 20, de pé em frente ao hospital, viam ver Miret e seus companheiros, imóveis. Pedro Miret pensou: “Talvez seja o momento de levantar as mãos”. Levantou-as. Seus companheiros também as levantaram.

Havia terminado o combate de Moncada.

Começava assim para Fidel o momento mais duro de sua vida, quando teve que afrontar a tremenda adversidade da derrota, segundo diria ele mesmo pouco depois em uma de suas cartas de dentro do presídio. Derrotado, mas não vencido, naquele instante preciso, Fidel rumava às montanhas com um grupo de 18 homens, extenuados, sem armas, alguns feridos, até que em 2 de agosto, esgotado, enquanto dormia, foi feito prisioneiro.

Em mais de uma oportunidade, Fidel expressou sua confiança no aspecto correto do plano, que uma série de fatores fortuitos fizeram falhar. Disse que se tivesse que desenvolvê-lo outra vez, o faria mais ou menos da mesma forma. Ademais, apesar do revés, o importante do fato foi o exemplo e ter sido o início da colocação em marcha de sua metodologia para a insurreição popular.

Assim, dessa maneira, o Movimento iniciou seu primeiro combate armado na madrugada do 26 de julho de 1953 com uma centena e meia de rifles de pequeno calibre e armas curtas, com só três de guerra. E as perdeu todas. Assim, o Movimento Revolucionário 26 de Julho trouxe na expedição do Granma (2 de dezembro de 1956) mais de 100 fuzis já qualificáveis como de guerra, e ficou com menos de 20 ao sofrer seu segundo revés na Alegria de Pío, em 5 de dezembro desse ano.

Mas assim, o Exército Rebelde começou em 17 de janeiro de 1957 na desembocadura do rio La Plata com menos de 30 fuzis, e terminou com 11 a mais que arrebatou do inimigo. Com esta ação, aquela concepção militar revolucionária do Movimento começou a assumir seu caráter de verdade a partir da prática; verdade que desde esse momento se reiteraria centenas de vezes até o triunfo revolucionário do 1 º de janeiro.

Sessenta e cinco meses depois de haver perdido aquelas 150 modestas armas de seu primeiro combate no Moncada, o Movimento – transformado em Exército Rebelde de todo o povo – teria recuperado à frente das massas populares mais de 80 000 fuzis e armas de todo tipo, incluídos canhões, morteiros, metralhadoras e todos os tanques, aviões, navios e equipes de guerra do inimigo, quartéis, instalações e estoques de pólvora.

Culminava dessa forma a fase inicial da Revolução, a guerra, com a derrubada da tirania e a tomada real do poder pelo povo. A tese do Movimento sobre a insurreição armada popular como requisito para a revolução econômica, política e social, validada com o germinador sangue de heróis desde a madrugada do 26 de julho de 1953, se inseria assim, para sempre em nossa história, como irrebatível critério para uma verdade pela qual o povo transitou em labaredas seu caminho rumo à liberdade.

O Moncada se levantava em multidão de símbolos. Cuba no fiel das Américas; em Cuba, Oriente; em Oriente, o Moncada; no Moncada morreria definitivamente Leonard Wood e Estrada Palma teria sepultura definitiva… De Bolívar, a espada; de Maceo, o facão redentor; de Marx, o indicador; de Lenin, a ação primeira; no Moncada ressurgiu Céspedes, no Moncada renasceu Martí.

Com todas essas concepções e significados levou-se a cabo o assalto à Moncada. Não foi uma derrota. Foi um grito, um chamado à consciência social dos cubanos. Tampouco foi somente o primeiro ato de um amplo projeto de insurreição armada. Foi síntese do melhor de nossas tradições revolucionárias, e, sobretudo, é a irrupção do novo tempo histórico no qual inicia seu trânsito triunfal a Revolução Cubana.

(Texto publicado pela revista Bohemia e traduzido por Charles Rosa e Gustavo Rego.)


Nota do autor

1 Somadas as baixas de Santiago de Cuba e Bayamo do exército e da polícia, o aparato repressivo militar da tirania sofreu 46 baixas: 19 mortos e 27 feridos. Em contraste, as forças revolucionárias tiveram 8 mortos e 10 feridos no combate propriamente dito. A cifra dos mártires subiria para 61 com os assassinatos que sofreram neste e nos quatro dias seguintes. 


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Pedro Micussi