Frantz Fanon, jornalista revolucionário

No aniversário de nascimento de Frantz Fanon, recuperamos texto do ex-pantera negra em que comenta a importância do marxista francês.

Mumia Abu-Jamal 20 jul 2017, 00:00

A luta anticolonialista e antirracista do século XX não seria a mesma sem a atividade intelectual e o engajamento do psiquiatra, filósofo e jornalista Frantz Fanon (1925-1961). Uma existência tão curta (apenas 36 anos) quanto profícua (quatro livros publicados, todos eles com grande pertinência para o estudo do racismo no presente).

Antes de se notabilizar nos estudos dos impactos do colonialismo na psique humana, o pensador martinicano alistou-se no exército francês que ajudou a derrotar os nazistas. No pós-guerra, graduou-se e doutorou-se em Lyon, com uma tese que chocaria boa parte da intelectualidade francesa — Peles negras, máscaras brancas (1952). Decide mudar-se para Argélia, onde pode constatar in loco, à frente do Hospital Psiquiátrico Bilda-Joinville, a devastação psiquiátrica que o regime colonial impõe por diversos mecanismos na mente dos colonizados. Em 1953, precipita-se o movimento revolucionário argelino e a feroz resposta repressiva dos franceses. Fanon não hesita em se somar à Frente de Libertação Nacional (FLN), propagandeando internacionalmente os princípios e os objetivos dos independentistas. Sua vida foi interrompida em 1961 (mesmo ano de publicação de Os condenados da terra, extraordinária obra, cujo prefácio de Sartre talvez seja a parte mais rasa) no auge de sua práxis por uma terrível leucemia, tornando-se um dos cérebros mais consultados e debatidos pela revolução africana anticolonial e pelos movimentos terceiro-mundistas e pan-africanistas.

Abaixo, por ocasião do 92º aniversário de seu nascimento neste 20 de julho, publicamos um breve comentário a respeito da dimensão jornalística de Fanon. O autor é ninguém menos que o jornalista Mumia Abu-Jamal, ex-membro dos Panteras Negras preso injustamente há mais de 35 anos em Death Row na Pensilvânia. Para acessar outras opiniões de Abu-Jamal, transcritas em inglês, basta acessar este site.

Mumia Abu-Jamal: Frantz Fanon, jornalista revolucionário

(Áudio gravado por Noelle Hanrahan, 25/05/2017)

As pessoas que estudaram a Revolução Negra global do século XX tiveram que ler a obra mestra de Frantz Fanon: Os condenados da terra. Este era conhecido como o guia da Revolução Negra, de Acra em Gana até Oakland na Califórnia.

Esta obra, tanto um estudo psicológico como um diagnóstico da natureza do colonialismo francês na Argélia, deu aos militantes um tremendo conhecimento da natureza do imperialismo e de como a resistência explodiu contra ele.

Uma líder anterior dos Panteras Negras, Kathleen Nesl Cleaver, escreveu que a influência de Fanon sobre os revolucionários negros nos Estados Unidos foi profunda.

Mas antes de publicar Os condenados da Terra (1961), Fanon escreveu uma extraordinária série de artigos de modo anônimo para a revista revolucionária argelina “El Moudjahid”, desde setembro de 1957 até janeiro de 1960.

Os ataques de El Moudjahid contra as autoridades políticas, coloniais e militares francesas são excepcionalmente agudos e centrados, refletindo a visão única, tanto psicológica como ideológica, de Fanon sobre as lutas argelinas e africanas contra o imperialismo.

“Moudjahid” é um termo árabe que significa “alguém que trava a jihad ou luta” e aqui se vê Fanon numa potente guerra de palavras contra a ocupação externa da Argélia.

Mas Fanon era muito mais um guerreiro de palavras. Em sua obra de 1964, Em defesa da Revolução Africana, encontramos Fanon, o crítico, o analista político, o africanista, o internacionalista, o marxista e o antiimperialista.

Em seus artigos publicados no El Moudjahid, Fanon anonimamente dá voz ao FLN (em Francês: Front Liberation National; inglês: National Liberation Front) e ridiculariza os esforços franceses para imputar à FLN estupros, assassinatos e massacres; condena colaboracionistas árabes e africanos e explica como as forças francesas usaram a tortura para intimidar a resistência argelina.

Fanon escreve: “A tortura na Argélia não é um acidente, um erro ou uma falha. O colonialismo não pode ser compreendido sem a possibilidade de torturar, violar ou massacrar”.

Fanon foi um jornalista revolucionário; ou talvez mais claramente, um revolucionário que também trabalhou como um jornalista.

Seu coração estava com todos os movimentos antiimperialistas, revolucionários e liberação nacional. Seu coração estava com amigos rebeldes como [Kwame] Nkrumah de Gana e [Patrice] Lumumba de Congo.

Seu coração estava com o que ele chamou de “os condenados da terra” — os despossuídos do mundo.

Desde a nação encarcerada, sou Mumia Abu-Jamal.

(Tradução de Charles Rosa à versão espanhola do texto publicado pelo portal Rebelion)


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