Socializar a Internet
Trump retrocede na regulação da Internet, ataca a neutralidade da rede e favorece as grandes empresas de telecomunicações. Ben Tarnoff discute um programa alternativo.
A Internet está hoje no centro do funcionamento do sistema financeiro, das maiores empresas do planeta, da indústria das armas e das guerras e, em geral, das relações de trabalho e de produção. Está ainda sendo usada para manter contato entre ativistas, convocar protestos, organizar campanhas, construir mecanismos de democracia direta, entre muitos outros usos políticos pela esquerda.
Os vazamentos de WikiLeaks e Snowden contribuíram para aumentar o debate público sobre vigilância e privacidade na rede. Tal debate se aprofunda à medida que novos problemas aparecem como fake news e agências de inteligência estrangeiras influenciando eleições, sequestros digitais como o que comprometeu o funcionamento do sistema de saúde britânico e ciberataques como o que atingiu fortemente os computadores da Ucrânia.
Diante desses eventos, cada vez mais têm sido discutidos diversos projetos de lei e propostas para o funcionamento da rede. Chama atenção que no pronunciamento que Theresa May fez logo depois do atentado na London Bridge ela tenha enfatizado a necessidade de regular a Internet. Há diferentes formas de fazê-lo.
No Brasil, Eduardo Azeredo (PSDB/MG) se notabilizou por propôr um projeto que os ativistas que defendem a Internet livre apelidaram de AI-5 Digital. Tal projeto exige que os provedores de Internet guardem dados pessoais dos usuários por três anos e criminaliza de forma severa a cópia de conteúdo digital. Como alternativa a esse dispositivo, foi construído de forma colaborativa um Marco Civil para a Internet, que garante direitos aos usuários de Internet e princípios importantes como a neutralidade, que obriga os provedores a tratarem todo tráfego da rede da mesma forma. Sem ela, provedores podem cobrar mais dos usuários que quiserem usar determinados serviços, cobrar de serviços para que possam ser acessados mais rápido, entre outras possibilidades que mudam o caráter da Internet.
Em 2014, a conferência NETmundial reuniu chefes de Estado para debater de forma global problemas de governança da Internet sem grandes avanços. Convocada pela então presidente Dilma como uma resposta à Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) espionar nosso país, ela não foi nem mesmo capaz de intervir na situação do whistleblower responsável por sabermos disso, Edward Snowden.
Neste momento, há intenso debate nos Estados Unidos sobre a regulação da Internet. A Comissão Federal de Comunicação (FCC) sob o presidente Donald Trump está prestes a fazer mudanças que beneficiam os provedores, o que tem motivado bastante debate no país. Na semana passada, movimentos e grandes empresas organizaram um dia de ação em defesa do princípio da neutralidade. Participaram Google, Facebook, Reddit, Amazon, Airbnb, Twitter, Mozilla, Netflix, OkCupid, Imgur, Vimeo, Spotify, Tumblr, Dropbox, entre muitos outros.
Reproduzimos aqui uma tradução inédita do artigo Socialize the Internet, que foi publicado na Jacobin assinado por Ben Tarnoff — fundador e editor da recém-criada revista Logic e colunista do The Guardian. Esse interessante artigo foi publicado originalmente em abril, mas é atual porque trata do importante debate que está sendo travado agora nos EUA.
O autor descreve a agenda de Trump e opina sobre como se deve combatê-la não só buscando saídas individuais, mas políticas. Sem deixar de defender a neutralidade, apresenta ideias para que o programa da esquerda mire muito além dessa reivindicação, que é apenas liberal. Neste momento propício para a disseminação de ideias radicais nos Estados Unidos — país que escolheu o socialista Bernie Sanders como seu político mais popular — Ben propõe saídas criativas que se opõem ao modelo vigente para garantir o direito de uma Internet de alta velocidade e baixo custo para todos.
— Tiago Madeira
Socializar a Internet
— Ben Tarnoff, 04/04/2017
Nenhuma empresa sabe mais sobre o que você faz on-line do que seu provedor. Quase tudo que você faz na Internet deixa um rastro. E os rastros mais reveladores não são os que ficam nas várias plataformas que você usa — Google e Facebook, por exemplo — mas no serviço que você usa para acessar a Internet em primeiro lugar. No mínimo, seu provedor registra os sites que você visita, quando você visita, quanto tempo você fica neles, sua localização e seu dispositivo — e eles provavelmente estão registrando muito mais.
Em abril1, Trump aprovou um projeto de lei que permite que os provedores façam o que eles quiserem com esses dados. O resultado é a destruição dos marcos de proteção da privacidade estabelecidos em outubro de 2016 pela Comissão Federal de Comunicação (FCC) que impôs uma série de restrições em como os provedores podem usar dados dos seus clientes. Entre outras coisas, as regras forçavam provedores a obterem permissões explícitas “opt-in” dos clientes para usarem informações “sensíveis” — incluindo seu histórico de navegação.
O que a nova lei muda da perspectiva de um usuário? Nada — e esse é o ponto. As regras de privacidade da FCC não entrariam em vigor até o final deste ano, e a nova lei assegura que elas nunca vão entrar. Ela também proíbe a FCC de realizar regulações semelhantes no futuro.
A nova lei é uma grande vitória para a indústria de telecomunicações, que gastou muito para conseguir esse resultado. Empresas de telecomunicações dedicam uma quantidade considerável de dinheiro para comprar influência política. Elas formam exércitos de lobistas em Washington e nas capitais estaduais de todo o país, e contribuem generosamente para campanhas políticas. Por uma boa razão: a indústria de telecomunicações é um oligopólio dirigido por um punhado de grandes empresas que exigem uma dieta constante de intervenção do governo para preservarem seus lucros e se protegerem da raiva dos seus clientes irritados.
Os provedores são regularmente ranqueados no fim do índice anual de satisfação dos clientes americanos (American Customer Satisfaction Index). São mais impopulares até do que empresas aéreas e planos de saúde. O mais odiado de todos é a Comcast, maior provedor dos Estados Unidos, cujos clientes inundaram a FCC com dezenas de milhares de reclamações. Não coincidentemente, a Comcast foi a maior lobista de telecomunicações em 2016, gastando US$ 14,33 milhões — de um total de mais de US$ 87 milhões gastos pelas empresas de telecomunicações. Se você já se perguntou por quê sua conta de Internet continua aumentando enquanto seu serviço de Internet continua piorando, imagine um lobista num terno de 10 mil dólares perseguindo seu deputado no Congresso.
O mecanismo político robusto da indústria mantém o modelo de negócios dos provedores intacto. É um arranjo lucrativo baseado em preços elevados, velocidades lentas e um mercado consolidado e sem competição. Mas os provedores estão famintos por lucros ainda maiores. Não satisfeitos em cobrar muito dos clientes por uma conexão lamentável, estão interessados em converter esses mesmos clientes em uma nova fonte de receita monetizando seus dados.
Essa é a motivação econômica por trás da nova lei: provedores querem se unir ao comércio rentável de dados pessoais desbravado com tanto sucesso por plataformas on-line como Google e Facebook. Eles querem explorar seu histórico de navegação e construir um perfil detalhado dos seus interesses para que possam lhe vender mais serviços, vender você para anunciantes através de anúncios segmentados e vender seus dados diretamente para empresas de marketing de terceiros. Seu provedor vê muito mais seu tráfego na Internet do que uma empresa como o Google. Como resultado, o conjunto de dados que eles podem desenvolver sobre você é significantemente mais informativo — e, logo, mais valioso.
Como provedores são propriedade de grandes conglomerados, os dados pessoais que eles coletam podem ser monetizados através de várias plataformas. A Comcast não é só um provedor mas também uma empresa de TV a cabo, uma emissora e um estúdio de cinema. Em outras palavras, ela é dona de muitas telas — o que significa vários lugares para lhe mostrar anúncios segmentados. Outro exemplo é a Verizon. Além de ser um importante provedor e o maior fornecedor de wireless do país, a Verizon é dona da AOL e do Yahoo. Imagine todas as maneiras que uma empresa como essa poderia usar dados coletados do seu histórico on-line para ganhar dinheiro.
A nova agenda
A nova lei permite que as empresas de telecomunicações busquem essas novas fontes de dinheiro sem temer interferências regulatórias. Também representa uma demonstração de força pela indústria que vê o novo governo como uma oportunidade para reverter as tentativas recentes de restringí-la. Sob Obama, a FCC obteve ganhos significativos na governança na Internet. De forma mais significativa, a agência reclassificou provedores como “veículos comuns” (common carriers) sob o Título II da Lei das Comunicações de 1934, o que os submeteu a uma regulamentação mais rigorosa.
Liderado pelo presidente Tom Wheeler, a FCC usou esses poderes ampliados para impôr “neutralidade da rede”, o princípio de que os provedores devem tratar todos os tipos de dados da mesma forma. Especificamente, a agência proibiu os provedores de bloquear tráfego a sites específicos, de diminuir a velocidade dos clientes e de aceitar que provedores de conteúdo pagassem para que seu conteúdo fosse priorizado — as chamadas “pistas rápidas” (fast lanes).
O novo presidente da FCC, Ajit Pai, votou contra essas regras quando membro da agência que ele agora lidera. Pai é uma figura macabra. Desde que Trump o apontou como presidente em janeiro, ele provou não apenas ser um servo leal do capital, mas um sadista que parece gostar de punir os pobres. Ele cruelmente terminou com o esforço da agência para cobrir os preços exorbitantes pagos pelos prisioneiros para fazerem ligações telefônicas, deixando os presos à mercê de empresas predadoras que lhes cobram até US$ 1,50 por minuto. Ele também começou a encolher o programa Lifeline, que fornece serviços de Internet subsidiados para famílias de baixa renda.
Mas a principal prioridade de Pai é desmantelar a neutralidade da rede, juntamente com a classificação de veículo comum que habilita a FCC a exigí-la. Embora ele possa seguir essa agenda dentro da agência, ele não pode fazer tudo sozinho: no fim, ele depende do Congresso para tirar os poderes reguladores da FCC.
A nova lei de privacidade da Internet marca um primeiro passo importante nessa direção. Ela passou no Congresso bastante dentro das linhas partidárias, com republicanos a favor e democratas contra. Dado o atual equilíbrio de forças no Congresso e o atual ocupante da Casa Branca, leis futuras também provavelmente passarão — especialmente se alguns democratas embarcarem. E não deve ser tão difícil amolecer democratas: afinal, eles receberam quase US$ 10 milhões da indústria de telecomunicações em 2016, US$ 1 milhão a mais que os republicanos.
Do pessoal para o político
Então, o que os usuários de Internet podem fazer para reagir?
Existem certas precauções técnicas que você pode tomar para proteger sua privacidade. A primeira é instalar uma extensão para o navegador como HTTPS Everywhere, que força seu navegador a ver a versão segura dos sites que você visita. A versão segura usa um protocolo chamado HTTPS, que criptografa sua conexão com o site. Hoje, mais de metade de todo o tráfego de Internet é criptografado via HTTPS — e depois que o Congresso passou a nova legislação, os gigantes da pornografia PornHub e YouPorn anunciaram que também estariam adicionando HTTPS.
HTTPS não impede que os provedores vejam quais sites você visita, mas os impede de ver o que você faz nesses sites. Então seu provedor saberia que você visitou o PornHub, por exemplo, mas não que vídeos você assistiu. Um passo adicional seria usar uma rede privada virtual (VPN), que afunila todo o tráfego através de uma ligação segura com outro servidor. Aí seu provedor não pode ver nem o conteúdo das suas comunicações nem com que sites você está se comunicando — ele só consegue ver que você está conectado à VPN. VPNs são uma ferramenta útil, mas elas variam bastante em qualidade. Pesquise cuidadosamente suas opções e evite VPNs “gratuitas”, que são tão propensas a monetizar seus dados como seu provedor.
A tecnologia pode ajudar a proteger alguns dos seus dados da captura corporativa. Uma resposta mais robusta, no entanto, exigirá política. No curto prazo, isso inclui mobilizar para resgatar proteções de privacidade revogadas pelo Congresso e preservar neutralidade da rede e a classificação de veículo comum de forma mais ampla. Esses ganhos foram conquistados pela mobilização popular — e agora precisam ser defendidas pela mobilização popular. Quando a FCC contemplou suas regras de neutralidade da rede pela primeira vez, em 2014, recebeu um recorde de 3,7 milhões de comentários. Nos anos seguintes, será necessário algo semelhante.
Embora valha a pena proteger as vitórias de regulação da FCC, elas não devem definir a fronteira para a nossa imaginação política. A FCC de Obama foi melhor que a de Trump, mas não chegou longe o suficiente. Quando a agência reclassificou provedores, os isentou de muitas das disposições da Lei de Comunicações de 1934, prometendo um “quadro regulatório leve” que rejeitou explicitamente “regulamentação prescritiva da tarifa”. A agência também deixou intocada grandes porções da Internet, se recusando a regular provedores do “backbone”2 que possuem os principais tubos da rede e provedores “das beiras” como Google, Facebook e Netflix, que possuem a maior parte do conteúdo que flui através desses tubos.
É claro que qualquer tentativa de impor um certo grau de controle democrático nessas indústrias precisará de um grande movimento por trás dela. Mas não é só questão de construir poder político suficiente. É também uma questão de desenvolver novas ideias e metáforas que possam sustentar uma abordagem mais ambiciosa para a governança da Internet. Isso significa, sobretudo, ir além da neutralidade da rede.
Competição não é uma panaceia
A neutralidade da rede é um conceito politicamente útil. Como palavra de ordem, centrou a atenção pública no domínio corporativo da Internet e guiou avanços regulatórios importantes. Mas tem sérias limitações que a tornam uma armação pouco conveniente para a luta mais longa para democratizar a esfera digital.
Talvez o problema mais óbvio com a neutralidade da rede seja que, estritamente falando, ela é impossível. Tratar todos os dados na Internet da mesma forma não é viável nem desejável. Diferentes aplicações tem diferentes necessidades em termos de velocidade e largura de banda, e as empresas que operam a infraestrutura da Internet necessariamente privilegiam um tipo de pacote sobre outro em formas que beneficiam a rede como um todo.
Justiça seja feita, os defensores da neutralidade da rede nunca insistiram numa interpretação literal. Vint Cerf, um dos arquitetos da Internet, diz que o ponto da neutralidade da rede não é a insistência pedante que provedores “tratem todo pacote da mesma forma”, mas sim a ideia de que elas não devem “ter um comportamento anti-competição e anti-consumidor”. Esse sentimento é ecoado por Tim Wu, o criador da frase que frequentemente descreve neutralidade da rede como um princípio que garante um “campo de jogo nivelado”.
Esses argumentos colocam a neutralidade da rede firmemente dentro de uma tradição liberal antitruste que remonta à virada do século XX. A substância dessa tradição é a crença de que mercados vão gerar resultados socialmente benéficos se só a quantidade de competição correta existir. Nessa visão, o problema com a Internet é que seja propriedade de um punhado de grandes empresas que podem inclinar o campo a seu favor. Em contrapartida, uma rede “neutra” exigiria que todo mundo jogasse pelas mesmas regras, promovendo um ecossistema mais favorável a novos provedores e plataformas.
Infelizmente, a concorrência é uma ferramenta imperfeita para construir uma nova Internet. É verdade que forçar grandes provedores a competir pode ajudar a reduzir os custos para os consumidores. Mas a lógica não pode ir tão longe: a Internet requer muita infraestrutura para funcionar e as barreiras de entrada provavelmente permanecerão altas. Mais importante ainda, há virtudes na grandiosidade: economias de escala produzem eficiências reais, especialmente quando se trata de sistemas grandes, distribuídos e complexos como a Internet.
Atualmente, cerca de 4 empresas dominam o mercado de provedores, algo entre 7 e 12 empresas dominam o mercado de backbone da Internet e mais de metade dos dados fluindo para usuários americanos nos horários de pico vêm de apenas 30 empresas — com Netflix sozinha representando mais de um terço. Será que o usuário médio de Internet estaria melhor se cada um desses mercados tivesse mais competição? Se nós tivéssemos dez Comcasts ou doze Facebooks? Possivelmente, mas não necessariamente. Para pegar apenas um exemplo, o monopólio do Facebook é precisamente o que o torna útil — espalhar usuários em doze Facebooks acabaria com o propósito da plataforma.
Para o nosso controle
O problema com a Internet não é o tamanho das empresas que a controlam. O problema com a Internet é a natureza antidemocrática de um sistema que funciona exclusivamente para o lucro privado. Neutralidade da rede está enraizada num liberalismo que vê o grande como o inimigo e a competição como a solução. Uma agenda de esquerda para a governança da Internet vai ter que ultrapassar esse horizonte estreito com uma tradição socialista que vê a propriedade privada como o problema e a democracia como a solução.
Em termos de retórica, isso significa se afastar da linguagem de escolha do consumidor e se aproximar de uma linguagem sobre direitos. Nós não deveríamos estar falando sobre consumidores, mas sobre cidadãos. Todos os americanos têm o direito de uma Internet de alta velocidade e baixo custo. Isso não é só porque o acesso à Internet é uma pré-condição básica para participação plena na vida social e econômica do país. É também porque nosso dinheiro construiu a Internet — e porque nossos dados continuam a financiar algumas das suas empresas mais lucrativas.
A esquerda nunca deve deixar que as pessoas esqueçam que a Internet foi construída pelo governo com enormes gastos públicos antes de ser rapidamente e completamente privatizada nos anos 90. Dinheiro público financiou a tecnologia, a infraestrutura e até muitas das empresas individuais que compõem a Internet moderna. A rede controlada por empresas hoje é o legado direto da privatização. Reverter esse legado significa reivindicar nossos direitos sobre o sistema que nós criamos em comum — não apenas nosso direito de acessar a Internet, mas nosso direito de controlar os dados pessoais que fluem através dela, nos quais Google, Facebook e outros colocaram um propósito tão lucrativo.
As ferramentas políticas que a esquerda usa para garantir esses direitos vão variar. Uma possibilidade é uma regulamentação mais forte e de estilo utilitário visando não só quebrar grandes empresas em empresas menores mas fortalecer soberania popular e responsabilidade democrática — estabelecendo taxas para provedores, por exemplo, ou estabelecendo regras que regem a coleta de dados pessoais com fins lucrativos.
O objetivo final não deve ser apenas regular as empresas privadas de forma mais agressiva, no entanto, mas substituí-las com alternativas públicas e cooperativas. Felizmente, tais alternativas já existem a nível local: plataformas cooperativas sob propriedade de trabalhadores já começaram a encontrar sua base e experimentos com banda larga de propriedade pública se provaram extremamente populares. Se a Comcast é o provedor mais odiado do país, o mais amado é o Electric Power Board (EPB) de Chattanooga, uma empresa de propriedade da cidade que começou vendendo serviço de Internet de alta velocidade a preços acessíveis aos residentes em 2010. A Consumer Reports classifica a EPB como o provedor mais popular dos EUA e ela oferece algumas das velocidades residenciais mais rápidas do mundo. De fato, seu sucesso aterroriza a indústria da telecomunicação, que tem pressionado legislaturas estaduais para proibir ou limitar empreendimentos similares.
Se um pequeno mercado de banda larga municipal e proteções de privacidade básicas podem provocar uma resposta tão vigorosa da indústria, você pode imaginar o tipo de fúria que se desencadeará se o Estado ousar contestar a conquista corporativa da Internet. Como qualquer coisa que desafia o capital, tal passo precisará de uma maioria social altamente mobilizada por trás. Isso pode parecer um prospecto distante diante do clima político de hoje. Mas é exatamente num momento como esse que a esquerda precisa colocar demandas grandes e utópicas que contrastam com o niilismo da direita e a timidez do centro.
Se desprivatizar a Internet parece improvável, vale lembrar quão improvável a Internet foi em primeiro lugar. Tentar explicar a Internet para um cientista da computação em 1960 seria como tentar explicar o automóvel para um engenheiro ferroviário em 1860. Soaria francamente ridículo — algo da mente de um charlatão ou lunático. Trazer a Internet à vida necessitou não só baldes de dinheiro público, mas de um pensamento imaginativo que desafiou a sabedoria convencional. Algo desse espírito criativo e opositor pode ser útil hoje, à medida que a esquerda se esforça para abrir nossa imaginação política para vislumbrar não meramente um futuro menos pior, mas o melhor de todos os mundos possíveis.
(Publicado originalmente na Jacobin Magazine em 04/04/2017 e traduzido por Tiago Madeira para a Revista Movimento)
Notas do tradutor
1 Esse trecho foi modificado na tradução, porque o texto foi originalmente publicado em abril e fazia uso das expressões “ontem” e “semana passada”.
2 Backbone (espinha dorsal, em tradução literal) se refere a roteadores e cabos que interconectam grandes redes para formar a Internet.