Marea Socialista rechaça convocatória de plebiscito pela direita

Para a nossa corrente-irmã venezuelana o plebiscito organizado pela Mesa da Unidade Democrática não resolverá os impasses da crise no país.

Marea Socialista 18 jul 2017, 11:30

Nem o plebiscito da MUD, nem a ANC de Maduro
Nenhum apoio às cúpulas!

2014 foi o ponto de partida no qual o governo começou um rumo de entrega da soberania e a consolidação de negócios com o capital financeiro internacional. A “Lei de regionalização integral para o desenvolvimento sócio-produtivo da pátria” para a criação de zonas econômicas especiais, é o exemplo mais concreto. Para viabilizar tal ajuste econômico, que implicou o sacrifício da importação de alimentos e remédios para pagar bilhões de dólares de dívida externa o governo foi afiançando progressivamente um claro avanço autoritário, antidemocrático e de violação da constituição.

Desde abril de 2017, desatou-se um nível de conflitividade social e política importante, que há mais de três meses de protestos com quase 100 pessoas assassinadas; começam a se desenvolver fenômenos de violência que podem conduzir a um lamentável cenário de guerra e maior derramamento de sangue. A violência, incentivada e assimilada pelas cúpulas do PSUV e da MUD, desencadeou a irracionalidade e o fanatismo em setores sociais, e atuou como um grande muro de contenção para encobrir os problemas estruturais da crise e o debate das medidas de urgência necessárias para fazer frente à mesma.

A iniciativa de Assembleia Nacional Constituinte (ANC), realizada pelo presidente Maduro em 1 de Maio, intensificou o mal-estar e os níveis de confrontação física, ao representar a possível concreção de um poder supra-estatal com poderes plenipotenciários e a desaparição da Constituição de 99. Mais além dos desejos que possam ter algumas candidaturas honestas de fazer propostas para debater, a ANC seria o espaço em que as camarilhas burocráticas do governo PSUV debateriam um novo regime que eliminaria os direitos políticos e democráticos universais e mecanismos de entrega da soberania.
Quase dois meses depois, a Mesa da Unidade Democrática (MUD) lança uma proposta de “Plebiscito”, agora denominada “Consulta Popular”, como uma ação “participativa” que fará frente à proposta do executivo e traçará um suposto caminho pelo “resgate da democracia”.

O que se esconde por trás do Plebiscito?

Sob a mesma lógica mafiosa e confrontativa da política de cúpulas, o Plebiscito passa a ser a contra-proposta à ANC por parte do outro polo que busca intervir nessa disputa pelas divisas que ingressam na PDVSA. Tal iniciativa pretende legitimar um novo poder fático no país, que permita à direção da direita ser parte dessa disputa: seja mediante a violência armada na rua ou em um possível pacto e/ou governo de transição, cenários nos quais o povo estaria excluído de participar com protagonismo em qualquer decisão. Isso se pode evidenciar no corpo de perguntas do plebiscito e no objetivo que cumpre cada uma:

  1. Rechaça e desconhece a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte proposta por Nicolás Maduro sem a aprovação prévia do povo venezuelano? Sem dúvida alguma, esta pretende ser o gancho para atrair setores do povo a participar. O massivo repúdio popular à constituinte e ao fato de que se está passando por cima do poder originário para um impor uma nova constituição motiva a que a cidadania busque qualquer mecanismo para expressar seu rechaço e desencanto com a constituinte.
  2. Demanda à Força Armada Nacional Bolivariana obedecer e defender a Constituição do ano 1999 e respaldar as decisões da Assembleia Nacional? Aposta-se na concretização de uma divisão na FANB e na consolidação de um setor militar que apoie as iniciativas da MUD (maioria na AN). Para esta direção, defender a Constituição é concretizar a desobediência civil, e agora militar, respaldando-se no art. 350 da CRBV. Buscam apoio da Força Armada para qualquer ação e/ou manobra que levem a cabo.
  3. Aprova que se proceda a renovação dos Poderes Públicos de acordo com o estabelecido na Constituição, assim como a realização de eleições e a conformação de um novo governo de unidade nacional? Somada à segunda, esta é a interrogação que sintetiza a política de fundo da MUD. A renovação ilegítima de Poderes Públicos e a estruturação de uma mal chamado “governo de unidade nacional”, se traduz na instalação de um duplo poder que de alguma forma ou de outra aposta a jogá-la em qualquer terreno, mesmo se isso significar a morte de milhares de pessoas. Esta iniciativa política tem um claro caráter destituinte.

Já não é um problema das perguntas e se estas deveriam mudar. A verdadeira intenção das cúpulas da MUD ficou revelada. A ANC e a “Consulta Popular” são as propostas concretas para desconhecer e descartar a Constituição de 99 que hoje é aceita por todo o povo.

Chamamos aos cidadãos que honestamente creem que esta é uma saída democrática a refletir sobre as consequências que traria esta “consulta” e não participar.
Atualmente estamos ante uma disputa entre um setor empresarial que se consolidou nos últimos anos mediante um padrão mafioso de acumulação e parte de um setor empresarial que foi substituído nos últimos 17 anos. Nenhum pretende ceder. Ambos apostam no controle total e pleno da renda. É por isso que dependendo do transcurso dos fatos políticos esta confrontação pode desembocar numa confrontação civil e militar e/ou num acordo de cúpulas nas quais alguns desses setores empresariais se vejam deslocados e se aposte na consolidação de um novo regime de acumulação mafioso da renda.

Os atalhos que conduzem ao vazio

O cenário de incerteza, instabilidade, caos, conflitividade e sobretudo de restrição de direitos sociais e de ausência de alternativas claras gera as condições para que qualquer manobra política pintada de “democrática” aparente ser uma saída progressiva, como é o caso do “Plebiscito” ou “Consulta Popular” convocada pela MUD. A postura de alguns setores que provêm do Chavismo demonstra isso, e ratificamos que esta é uma postura equivocada. Não devemos nos confundir. A Consulta Popular não é uma tática de unidade de ação de distintos setores em defesa de uma luta política de interesse nacional, como poderia ser a revogação do decreto do Arco Minerador, nem contempla uma luta reivindicativa. A Consulta do 16-J é uma iniciativa política de uma direção com interesses contrários à dos venezuelanos que padecemos com a crise, e que se chegasse ao governo aplicaria um pacote de ajuste econômico similar ao que vem executando o governo atual.

Participar ou reconhecer essa iniciativa como uma ferramenta democrática, é uma ilusão política que conduz ao precipício de envernizar como democrática uma direção reacionária. Mais além das intenções que possam ter estes setores provenientes da esquerda, concretamente seria uma contribuição ao cenário polarizador que busca aniquilar a grande diversidade de vozes no país, entre elas as do chavismo crítico, e, principalmente, esconder os problemas econômicos de fundo relacionados ao colapso do rentismo petroleiro e à gestão mafiosa da renda.

A MUD descarta a constituição, não a defende

Com a sistemática violação de direitos constitucionais, a repressão estatal e a instalação de um estado de exceção permanente, como explicamos em documentos anteriores, a MUD conseguiu instalar na opinião pública, de maneira demagógica e superficial, que o principal e único conflito é a contradição democracia-ditadura. Mediante uma leitura polarizada e maniqueísta esta cúpula coloca o governo como a ditadura clássica, e que todo aquele que se oponha ao mesmo contempla a“democracia”.

Certamente, a contradição está presente e não é menor. Os traços claramente totalitários do governo e a perda de direitos democráticos assinalam um rumo autoritário. Porém, cabe a pergunta: se a democracia republicana está em risco, como se defende a democracia? Eis aqui o assunto. Desde a nossa perspectiva, a única maneira de defender a democracia é defendendo a constituição, e a MUD é uma coalizão de partidos cuja direção se encarregou de descartar e entregar a luta em defesa da CRBV. Ademais, por seu passado neoliberal, golpista e conservador, vale fazer uma revisão rápida de suas ações no último ano e meio para corroborar esta afirmação: Capitulação nas lutas: desde a sua chegada à Assembleia Nacional (AN), a MUD tem capitulado ante ações arbitrárias do governo. Denunciam os abusos discursivamente, mas nunca empregaram ações coerentes para evitar as arbitrariedades e há poucas semanas deixaram o tema de lado como se nada tivesse ocorrido. A entrega do referendo revogatório e a indiferença na realização das eleições regionais no prazo constitucional, são provas disso. A isso se soma o desconhecimento dos deputados de Amazonas por parte do TSJ, no qual se desconhece a vontade dos cidadãos de tal região. Hoje, as eleições de Amazonas é uma exigência que caiu no esquecimento.

  1. Capitulação nas lutas: desde a sua chegada à Assembleia Nacional (AN), a MUD tem capitulado ante ações arbitrárias do governo. Denunciam os abusos discursivamente, mas nunca empregaram ações coerentes para evitar as arbitrariedades e há poucas semanas deixaram o tema de lado como se nada tivesse ocorrido. A entrega do referendo revogatório e a indiferença na realização das eleições regionais no prazo constitucional, são provas disso. A isso se soma o desconhecimento dos deputados de Amazonas por parte do TSJ, no qual se desconhece a vontade dos cidadãos de tal região. Hoje, as eleições de Amazonas é uma exigência que caiu no esquecimento.
  2. Duplo Discurso: o exemplo mais claro é o do Arco Minerador do Orinoco. A bancada da MUD na Assembleia Nacional rechaçou unanimemente em junho de 2016 o decreto 2248. Posteriormente, em maio de 2017 se fez pública uma carta de Julio Borges, atual presidente da AN e cabeça da coalizão, dirigida aos organizadores do “Latin America Down Under” na Austrália que contava com a participação do ministro de Mineração Ecológica. Em referido escrito, Borges expressava que os acordos assinados com o atual governo não tinham validez, mas que uma vez “se restabeleça a democracia em nosso país, nossas portas estarão abertas para receber os investimentos, com a devida segurança jurídica, que o país necessita para direcionar-se ao longo de um caminho de progresso e desenvolvimento”.
  3. Propostas Inconstitucionais ou sem sustento: o juízo político ao presidente da república, o questionamento de sua nacionalidade ou a acusação de abandono do cargo foram algumas das ações que a bancada opositora tentaram levar adiante. Propostas completamente sem lastro na realidade e alienadas das necessidades mais sentidas da população.
  4. Descarte de iniciativas no marco constitucional: ainda que abundem casos deste tipo, as ações contra a ANC são as mais claras. Ante tal medida do executivo, a propostas da MUD é uma “consulta” de caráter insurrecional. Simultaneamente desde a “Plataforma em defesa da Constituição” se tomaram iniciativas concretas no marco constitucional: a) a adesão a uma demanda de nulidade das bases distritais da ANC, admitida no TSJ; b) a solicitude do Referendo Ab-rogatarório de tais bases distritais ante o CNE. Somadas a estas, alguns setores independentes das cúpulas propuseram que o mesmo 30-J se realize a consulta prévia. Estas são ações que podem orientar uma luta democrática clara e que inclua a todos os setores sociais, independentemente da diversidade ideológica, mas evidentemente a MUD prefere optar por outros caminhos.

Medidas Urgentes para deter o desastre

Por todas as razões antes expostas, desde Marea Socialista, estamos convencidos que a única maneira de defender a democracia e evitar um derramamento de sangue ainda maior é VOLTAR À CONSTITUIÇÃO DE 99. Por isso, reiteramos as seguintes medidas de urgência:

No âmbito Político:

  • Suspensão do plebiscito proposto pela MUD
  • Suspensão da ANC proposta pela presidência da República.
  • Cumprimento estrito das eleições regionais
  • Cronograma público das eleições presidenciais com lapsos bem delimitados
  • Inscrição livre de todas as organizações políticas que optem por participar em comícios eleitorais.

No âmbito Econômico:

  • Prioridade do uso de divisas para importação de alimentos e remédios, por cima de qualquer outro compromisso.
  • Suspensão do Pagamento da dívida externa durando um certo período de tempo. Auditoria pública e cidadã de tal dívida para determinar sua legitimidade e legalidade.
  • Repatriação de capitais venezuelanos no exterior. Nossas investigações certificam que se evadiram mais de 500 bilhões de dólares. Porta-vozes do governo e da MUD têm certificado que a evasão é de mais de 300 bilhões de dólares.

Mudar a distribuição no orçamento nacional. Em 2017, destina-se mais de 17% do orçamento para o Ministério de Relações Interiores, Justiça e Paz superando amplamente aquele destinado ao Ministério da Saúde, setor que atualmente atravessa uma grave crise.

(Nota traduzida do espanhol e publicada pelo Portal de la Izquierda)


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Pedro Micussi