Nawaz Sharif se foi. Mas o alto nível de corrupção sobrevive
A suprema corte do Paquistão destitui o primeiro-ministro do país ao julga-lo culpado por crimes de corrupção.
Desde a fundação do Paquistão em 1947, nenhum primeiro-ministro completou seu mandato na íntegra. Coisas como assassinatos ou golpes militares acontecem. Agora, foi o dinheiro em vez da força que derrubou Nawaz Sharif. A suprema corte do Paquistão surpreendeu ao votar por unanimidade assegurando que ele não seria a exceção.
A corte declarou-o culpado de pequenos crimes e delitos menores ligados a contas offshore no Panamá e dinheiro não-declarado no Golfo, desencadeando sua demissão imediata. O poder da família Sharif, que dominou a política de direita no país por muitas décadas, finalmente chegou ao fim? E, em caso afirmativo, quem irá preencher este vácuo?
Em um país obcecado por críquete onde o líder da oposição mais importante é Imran Khan, as metáforas foram rápidas e furiosas – paquistaneses sempre são bons na auto-escarnecimento: “Isso é apenas o ’20-20 opener’. Nós estamos esperando o Test Match (eleição geral)”… “A suprema corte é o terceiro árbitro. A decisão é final”… “Os Sharifs estão arranjando jogos para sempre”. O humor é do tipo cínico: Sharif já saqueou o país o bastante; outros partidos merecem uma chance.
O partido de Sharif, o Pakistan Muslim League-Nawaz, reage acusando a corte de uma vendetta – o que normalmente significa que seus bilhões não poderiam comprar um só juiz. Isso é verdadeiramente excepcional. A vida no Paquistão não tem sido moralmente saudável para qualquer um de seus cidadãos. A política familiar representada por Bhutto-Zardaris e seus rivais, os Sharifs, está envolvida em corrupção. Cada um aprendeu do outro a melhor forma de escondê-lo, minimizando a papelada e fazendo malabarismos com a contabilidade. Muitos anos atrás, quando Benazir Bhutto foi primeira-ministra, ela me perguntou o que as pessoas estavam dizendo sobre ela. “Eles estão dizendo que seu marido é totalmente corrupto, mas não estão certos sobre o quanto você sabe…”
Ela já sabia a resposta e não ficou nem um pouco envergonhada: “Você é muito pudico. Os tempos estão mudando. Este é o mundo em que vivemos. Todos eles estão fazendo isso. Políticos de todo os países ocidentais…” Seu marido, que viria a ser presidente, Asif Ali Zardari, foi preso por Sharif, mas nenhuma prova real de corrupção foi descoberta: a lealdade de Zardari em relação a seus companheiros era legendária e eles permaneceram leais em retribuição. Sharif, ao que parece, tem sido menos afortunado.
Muitos sugerem que a mão ‘não-tão-invisível’ do exército respaldou o veredito unânime da corte suprema. A força realmente superou o dinheiro? Tal noção ganhou um impulso quando o atual ministro do Interior, Chaudhry Nisar, calmamente informou à imprensa que o país enfrentava quatro sérias ameaças, conhecidas apenas por quatro jogadores-chave – incluindo ele mesmo, evidentemente. Os outros membros desse quarteto não foram informados e, portanto, permaneceram anônimos.
E quanto às ameaças? Os EUA (como sempre) estão supostamente irritados com a proximidade do Paquistão com a China. A servilidade de Sharif para com a monarquia saudita está aborrecendo o Irã. Depois, há a contínua obsessão de Sharif em cortejar a Índia, apesar do governo revanchista de Modi em Nova Délhi. Soma-se a isso a pressão pesada dos EUA para acabar com todo o tipo de apoio para as forças anti-OTAN no Afeganistão, além das ameaças para interromper as investidas dos drones no próprio Paquistão e não apenas nas badlands tribais na fronteira das zonas de guerra. Logo, corre a interpretação semi-oficial. Sharif era um obstáculo e teve que ser removido.
Não há dúvida de que a corrupção política adquiriu proporções colossais no Paquistão – mas é o que ocorre também em outros estados do sul da Ásia, mesmo na China. As tentativas de ditadores militares para caçar essa baleia falharam porque eles se recusam a conhecer a escala da corrupção nas camadas superiores das forças armadas. O outro problema que confronta o país é a violência endêmica (à parte da variedade jihadista) contra minorias, mulheres e os pobres. O tecido social do Paquistão está irreparavelmente danificado.
Sharif foi derrubado dentro de um tecnicismo, mas ele está fora. Sharif foi abatido por uma cláusula constitucional inserida por seu único patrão, o falecido ditador geral Zia-ul-Haq, estipulando que cada deputado deve ser “honesto e sincero”. Se isso fosse aplicado, a Assembléia Nacional provavelmente ficaria vazia.
Artigo originalmente publicado pelo jornal britânico The Guardian. Tradução de Charles Rosa)