Editorial: A vitória de Temer custa caro
Completando um mês da inauguração do site da Revista Movimento, publicamos nosso primeiro editorial discutindo os significados da sobrevida de Temer garantida pelo Congresso.
Inauguramos nosso primeiro editorial da edição virtual da Revista Movimento. Nas próximas semanas, nosso editorial acompanhará o boletim com uma seleção dos materiais publicados em nosso site no período anterior.
Nesta semana, destacamos a vitória de Michel Temer em sua batalha contra Rodrigo Janot na Câmara. Com as ruas esvaziadas, o governo abriu o cofre para uma verdadeira operação de guerra, que lhe garantiu fôlego para seguir adiante. Temer exonerou ministros para votarem, ameaçou como pôde sua base aliada e distribuiu vultosos recursos em emendas parlamentares. Também foram negociadas anistias tributárias para grandes empresários, com alto custo para os cofres públicos, muito ao contrário do discurso oficial de que é preciso “austeridade”. A camarilha de Temer revela mais uma vez que seu único objetivo é fazer o povo e os trabalhadores pagarem pela crise econômica e pela proteção dos corruptos. Tudo isso para enterrar a primeira denúncia da Procuradoria-geral da República por conta do escândalo revelado pela delação de Joesley Batista e da JBS. Temer obteve algumas vitórias em série: o julgamento da chapa no TSE, a aprovação da reforma trabalhista e a derrubada da denúncia de Janot no mesmo momento em que a reprovação a seu governo é praticamente unânime.
O circo de horrores da sessão na Câmara colocou a olho nu, mais uma vez, o profundo abismo que separa a vontade popular da posição dos deputados e políticos da casta. A Operação Lava Jato, nesse caso conduzida por Rodrigo Janot, apontou indícios muito claros de corrupção, com o envolvimento direto de Temer e seus auxiliares mais diretos, Padilha e Moreira Franco. O deputado Rocha Loures, preso e depois liberado, ficou nacionalmente conhecido pelo caso da mala dos R$ 500 mil. O escárnio contra o povo é repugnante. A maioria do Congresso não faz mais questão de disfarçar o quanto está de costas para 95% da população que quer ver processado o mais impopular presidente da história.
Além das manobras políticas que unificaram o setor majoritário da casta em favor da operação “Fica Temer”, pesou também a vitória do governo na aprovação da reforma trabalhista. Ao vender a ideia de estabilidade econômica, Temer ganhou certo respaldo entre o empresariado, alentando a necessidade de prosseguir o “ano legislativo”, com a perspectiva da retomada das reformas previdenciária, tributária e política. A reforma trabalhista desregula direitos históricos, junto com terceirização, acabando, na prática, com a maior parte das conquistas das CLT. Isso foi um alívio para o patronato, que terá quatro meses para aplicar, nos acordos trabalhistas, as novidades do “negociado” prevalecendo sobre o legislado.
É importante recordar que o avanço do retrocesso só foi possível graças a uma trégua estabelecida pelas centrais sindicais, dirigidas pelo governismo – UGT e Força Sindical – e a direção lulista do movimento de massas, apostando na sangria de Temer, a fim de defender Lula e o PT de suas condenações e garantir uma melhor posição de disputa em 2018.
Crise fiscal em efeito cascata: o Rio como exemplo
Outro nó difícil de ser desatado pela equipe econômica comandada por Meirelles é a combinação da crise econômica com a crise fiscal. O aumento de impostos trouxe mais indignação e não passou nem perto de aliviar os desequilíbrios na arrecadação. Mais uma vez, quem pagará a maior parte do pato serão os trabalhadores e as camadas médias, ao passo que os megainvestidores e ruralistas continuarão a ser recompensados com faustosos perdões tributários.
Nenhuma unidade federativa experimenta uma situação tão difícil quanto o saqueado Rio de Janeiro, cujo maior legado olímpico foi a explosão da dívida pública, que já está em torno de 200% acima das receitas. Lamentavelmente, o irresponsável congelamento de gastos estadual deverá ser replicado em outras localidades. É como se o Rio fosse apenas a ponta mais visível do iceberg (e os servidores públicos, os náufragos, que sofrem com a humilhação dos salários atrasados e com as filas de distribuição de cestas básicas).
É necessário registrar que quase todas as áreas essenciais no Rio de Janeiro sofrem com o corte de recursos. As universidades públicas – centros ensino e pesquisa que deveriam estar incumbidos de fazer ciência e produzir inovação tecnológica – não conseguem mais resistir ao processo de desmantelamento permanente. Nacionalmente, a situação da educação, ciência e tecnologia também é precária O CNPq já não garante mais o pagamento de 90 mil bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e projetos de pesquisa em andamento nas universidades. Nas instituições federais, como a UFRJ, o sonho dos alunos de conseguir um bom diploma ganha contornos de pesadelo. Na quinta maior universidade do país, a UERJ, o repasse de apenas 65% de suas receitas previstas ocasiona a suspensão permanente de aulas, prejudicando mais de 43 mil alunos. São quatro meses de salários atrasados, provocando desligamento de centenas de professores e o desespero de milhares de funcionários. Também sofrem os investimentos em saúde, com hospitais em todo o país na iminência de fechar as portas pela retenção de R$ 500 mi para o ajuste orçamentário. Não faz alguns dias que o Hospital Getúlio Vargas, na zona norte do Rio, anunciou a demissão de cerca de 50 médicos.
O flagelo orçamentário também atinge os municípios gaúchos, vítimas da incapacidade do governo estadual de cumprir os compromissos salariais com os servidores públicos. Elos mais frágeis do pacto federativo clientelista, as pequenas e médias cidades padecem com a escassez de verbas vindas do Palácio do Piratini, cujo governo está numa batalha judicial para não pagar a parcela da negociação da dívida com a União. Em serviços básicos, como saúde, educação, transportes e segurança, e mesmo nos mais essenciais, como limpeza e a zeladoria urbanas, há uma profunda degradação, afetando cotidianamente a população.
Organizar a resistência
A implantação das medidas neoliberais, em todas as esferas, está em pleno curso. Trata-se de uma operação de guerra contra o povo. Exemplos não faltam em todos os cantos do país: a proposta de PDV no serviço público federal, o forte arrocho contra os servidores do município de Porto Alegre, a privatização de linhas do metro de São Paulo, o ataque contra direitos como meio-passe e passe-livre dos estudantes nas grandes cidades, entre tantos outros. A resistência não só é necessária como urgente.
Os conflitos políticos e sociais precisam de nossa solidariedade. Apesar de certa apatia geral do movimento de massas, existem lutas importantes, como a dos caminhoneiros, que protestam nas estradas do país contra o aumento dos impostos e dos combustíveis; dos estudantes, que se preparam para fazer do tradicional 11 de agosto um pronunciamento crítico em defesa de seus direitos e pelo Fora Temer; e dos servidores federais que em plenária nacional votaram somar-se ao dia de luta dos estudantes e convocar protestos para o dia 16, um dia de luta da Fenasp e da Fenajufe.
Nessa situação complexa e de forte rejeição popular ao velho, é premente fortalecer alternativas por fora do regime político apodrecido. Daí a importância do VI Congresso do PSOL: os trabalhadores e o povo brasileiros necessitam urgentemente de uma ferramenta para enfrentar o ajuste dos capitalistas e a corrupção da casta, superando a experiência do PT. Com essa expectativa, saudamos o ingresso definitivo no PSOL do Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista (MAIS), organização combativa que muito terá a acrescentar nesta batalha. Apesar da vitória de Temer numa Câmara que busca “estancar a sangria” e garantir sua sobrevivência política e jurídica, estamos convencidos de que a última palavra ainda não foi dada.