O partido da plutocracia em Angola

As eleições angolanas da semana passada tendem a confirmar a estrutura de poder política-econômica no país baseada na dinastia Dos Santos.

Francisco Louçã 29 ago 2017, 12:48

Enquanto decorre a contagem dos votos em Angola e o apuramento se transforma num imbróglio, o MPLA clama vitória anunciando uma perda de quase 10% em relação a eleições anteriores, mas mantendo uma margem confortável. Se se confirmarem esses resultados e o novo presidente aceitar o seu papel, a dinastia Dos Santos continuará no poder: o pai como presidente do partido, controlando as nomeações nas forças armadas e segurança, os filhos à frente dos pilares do negócio do petróleo.

O que está em jogo é um imenso império que fez com que Isabel dos Santos se tornasse a mulher mais rica de África (ao Financial Times ela resumiu a sua história empresarial explicando que já aos seis anos vendia ovos, mas o antigo primeiro-ministro do MPLA, Marcolino Moco, ri-se e explica que “toda essa fortuna vem do facto de o pai ser a lei”),enquanto se descobre que um destacado general transferiu 300 milhões de dólares pelo BES do Dubai e que um vice-presidente cessante é acusado de comprar os serviços de um magistrado português.

A corrupção da cúpula angolana é o que define o seu poder. Mas o governo de um país que é dos grandes produtores de petróleo do mundo tem vastos recursos, utilizando Portugal como um centro de lavagem de dinheiro e de reciclagem de influência. É esse poder e influência que suscita espantosos equívocos, descontando mesmo o entusiasmo de um ex-ministro do PSD e consultor do governo angolano que compara Dos Santos a Mandela.

O roteiro do equívoco é evidente: o PCP é o partido que mais se identifica com o MPLA, mas o MPLA é parte da Internacional Socialista com o PS; entretanto, o MPLA virou-se para o PSD e o CDS (escrevia o órgão do regime que Paulo Portas é “um grande amigo do país, que está a ser lançado para liderar a direita portuguesa em caso de as coisas correrem mal à atual coligação, o que mostra que é possível, afinal de contas, um entendimento com Portugal”,Jornal de Angola, 4.2.2013).

A razão desta identificação ideológica e política com a direita portuguesa tem uma razão (a elite angolana assumiu a sua passagem do “marxismo-leninismo” para os encantos do capitalismo) e um efeito (facilitar a máquina de lavagem de dinheiros). Estão por isso irmanados com a direita neoliberal. Depois de ter lutado pela independência contra o colonialismo português, depois de ter ganho a longa guerra civil contra a UNITA, o MPLA passou a ser um instrumento de acumulação de capital para as famílias dominantes – e anunciou que era mesmo isso que pretendia. Percebo por isso o incómodo dos que aligeiram a sua bênção ao regime angolano com a reclamação do respeito pela soberania nacional, como se esse direito inalienável do povo angolano a escolher o seu destino obrigasse a fazer vénia aos plutocratas que pilham Angola – e que não respeitam outra soberania que não seja o seu próprio enriquecimento à custa do seu país.

Ora, do que certamente não se pode acusar Dos Santos e a sua família é de esconderem essa escolha. Num discurso ao parlamento, o presidente explicou que “A acumulação primitiva do capital nos países ocidentais ocorreu há centenas de anos e nessa altura as suas regras de jogo eram outras. A acumulação primitiva de capital que tem lugar hoje em África deve ser adequada à nossa realidade. A nossa lei não descrimina ninguém. Qualquer cidadão nacional pode ter acesso à propriedade privada e desenvolver atividades económicas como empresário, sócio ou acionista e criar riqueza pessoal e património” (discurso no parlamento, 16.10.2013). O Jornal de Angola já tinha resumido este processo de acumulação: “as riquezas do Estado passaram para as mãos de privados, desde as casas onde viviam até aos espaços comerciais, às fazendas, propriedades industriais, minas e tudo o que era estatal”. De forma ainda mais lapidar, o jornal oficial anuncia que “Angola tem direito a ter uma burguesia nacional que seja cada vez mais forte e mais rica” (JA, 26.11.2012).

Esta “burguesia nacional”, “cada vez mais forte e mais rica”, reclama vitória nas eleições angolanas para continuar o seu negócio. Percebo que haja quem em Portugal se vanglorie com essa extorsão a Angola, mas por favor não finjam que é por solidariedade e respeito pelo povo que é roubado.

(Artigo originalmente publicado no site do jornal português Público.)


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Camila Souza