Dar visibilidade ao corte na Ciência
Precisamos a um só tempo expor as intenções de fundo da junta privatista que nos governa, e dar visibilidade ao verdadeiro custo para o país de colocar a produção de conhecimento em risco.
A crise orçamentária da Ciência e Tecnologia no Brasil figura hoje como questão de urgência, visto o anúncio feito em meados de agosto pelo presidente da maior agência de fomento à pesquisa do país, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de esgotamento dos recursos disponíveis para 2017. O problema já se anunciava em março com o Decreto nº 9018, que dispunha sobre o contingenciamento de 44% dos 5 bilhões previstos na LOA de 2017 para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Com a programação orçamentária da pasta reduzida a 2,8 bilhões de reais, o CNPq teve 570 milhões de reais de sua verba bloqueados. A situação dos mais de 100 mil pesquisadores financiados pela agência é, portanto, de angústia e incertezas quanto ao recebimento das bolsas de Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado, Pós-Doutorado e Produtividade já contratadas. As parcelas mensais das bolsas funcionam na prática tanto como salário para os pós-graduandos, que muitas vezes as têm como única fonte de renda, quanto como política de permanência estudantil aos graduandos, o que em caso de corte ou atraso implicaria desemparo de pesquisadores e provável aumento de evasão do ensino superior público. Já nas instituições privadas, a bolsa opera como desconto do valor dos cursos, o que também pode limar a continuidade da formação acadêmica.
No entanto, não é de hoje o cenário de desinvestimento público na pesquisa, por mais temerosa que seja a atual situação. Com os ajustes que o segundo governo Dilma promoveu logo em seu início, em 2015 o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações teve um quarto do seu orçamento congelado. Com essa política de ajuste fiscal, que sequer cessou no apagar das luzes do governo petista como último recurso de apelo à base social que o havia elegido, houve a quebra da série histórica crescente de investimentos em bolsas CNPq de todas as modalidades. Mais precisamente: de acordo com gráficos divulgados pelo jornal Estado de São Paulo em 2 de agosto, as “Bolsas no país” que eram 92.352 em 2015, diminuíram para 77.990 em 2017 – sendo que de 2005 para cá a comunidade científica mais que dobrou, segundo o jornalista Herton Escobar. Ademais, a previsão é de maior encolhimento ainda do cobertor em 2018. As perspectivas para o próximo ano são catastróficas: segundo declaração da presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), fala-se em somente 900 milhões de repasse ao CNPq nas negociações da LOA 2018. Segundo Mário Neto Borges, presidente da CNPq, o mínimo para o “arroz e feijão” da agência seria 1,9 bilhões de reais.
Em paralelo à crise de investimento público da Ciência e Tecnologia, além dos demais setores básicos, corre a grave crise de arrecadação do Estado, de modo que só possível entender a primeira como desdobramento da segunda. Desde 2014, em que o balanço fiscal passou a ser deficitário, o problema das escolhas de capitalização do Estado ganhou nitidez. Além da crise econômica, a grave falta de receitas do atual governo se deve a políticas tributárias de desonerações e renúncias de toda ordem sem contrapartidas dos beneficiados, dos últimos anos. Também ao total descompromisso na cobrança das dívidas ativas da União; isso ficou evidente nas negociações do Refis na comissão mista, onde deputados e senadores que juntos devem 3 bilhões ao Fisco, propunham (auto)anistia aos inadimplentes. Outra fonte extraordinária de receitas, as rodadas de repatriação de recursos do exterior não declarados à Receita Federal, teve igual efeito pífio de arrecadação.
Entre tantos desacertos, sempre em benefício das elites dirigentes e do rentismo, os últimos governos preferiram manter intactos os gastos com a dívida pública e o sistema tributário pouco progressivo que temos, que não taxa a renda dos mais ricos como deveria. Preferiram também leiloar o patrimônio público, como Temer quis fazer com as hidrelétricas de Minas Gerais. Aos menos abastados da sociedade reservam o discurso de “inevitabilidade” dos cortes e contingenciamentos. Limitam por lei os gastos com Educação, Saúde e Previdência Social, como vimos na Emenda Constitucional 95 de 2016 (que ficou conhecida enquanto PEC 55, do Teto de Gastos Públicos), além de ter ampliado até 2023 o percentual da Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 20% para 30%. Assim não teremos investimentos nas áreas mais importantes nem se o cobertor aumentar.
Diante do discurso da “austeridade” como solução de equilíbrio das contas públicas alardeado pela elite dirigente do país, devemos dar um passo atrás e questionar o diagnóstico de “gastos excessivos com despesas primárias” que antecede a solução do problema. Se o diagnóstico que apresentamos aqui sobre a crise de arrecadação que compromete hoje o orçamento da Ciência é acertado, a solução certamente não é operar cortes e demitir o Estado da função de financiar as condições de aplicação e produção autônomas de conhecimento. Tais medidas só podem levar ao colapso do sistema de investimento público na Ciência e Tecnologia – verdadeira intenção dos agentes desse projeto antipopular em marcha de alargamento do espaço do mercado.
Recentemente a equipe econômica do governo anunciou a revisão da meta fiscal, com deficit primário recalculado de R$ 159 bilhões. Com efeito, há chances de reverter o contingenciamento do CNPq e demais instituições atreladas ao MCTIC, ou pelo menos de seus projeto prioritários. É imprescindível agora a capacidade de pressão dos programas de pós-graduação e de todas as instituições atingidas, seja pela veiculação de notas públicas na mídia e nas redes sociais, seja por representações nas Comissões de Ciência, Tecnologia e Inovações do Senado e da Câmara cobrando do MCTIC transparência de informação e, claro, a garantia da continuidade das bolsas contratadas. Precisamos a um só tempo expor as intenções de fundo da junta privatista que nos governa, e dar visibilidade ao verdadeiro custo para o país de colocar a produção de conhecimento em risco. Se toda a comunidade engajada na produção de conhecimento – o que inclui os afetados pela crise das universidades federais e estaduais – demonstrar capacidade de resistência ao atual congelamento de verbas de forma coesa, cavando espaços conjuntos e meios de dar unidade à ação, terá melhores condições não só de obter uma vitória próxima mas de fazer valer sua posição contra os cortes anunciados para 2018.