Convenção bem-sucedida move o DSA para a esquerda

A convenção do Democratic Socialists of America deste mês praticamente refundou o partido com base em uma nova geração de militantes.

Dan La Botz 14 ago 2017, 21:50

O movimento socialista nos Estados Unidos deu um grande passo à frente no final de semana passado quando quase 700 delegados, representando cerca de 25 000 membros do Democratic Socialists of America (DSA), encontraram-se na organização nacional bianual em Chicago. Esta convenção, a primeira desde que o DSA mais do que triplicou de tamanho depois da eleição do ano passado, reuniu delegados de todas as maiores cidades do país e muitas cidades de grande e pequeno porte.

A maior parte era composta por novos membros que se juntaram no último ano ou vieram da campanha de Bernie Sanders, incorporando-se em reação à perspectiva tenebrosa de Donald Trump na presidência. A convenção agregou as centenas de novos membros em uma organização nacional naquilo que foi praticamente uma refundação do DSA. Isso lhes deu a experiência de começar a funcionar sua própria organização, e os delegados adotaram mudanças estatutárias e resoluções políticas que moveram a organização para a esquerda.

O DSA foi fundado em 1982 pela fusão de ativistas da Velha Esquerda do Democratic Socialist Organizing Committee (DSOC) liderado por Michael Harrington e pelos ativistas da Nova Esquerda dos anos 1970s que haviam criado o New American Movement (NAM). Inspirados pela noção de Harrington (chamada de “estratégia de realinhamento”) de que seria possível reformar o Partido Democrata, expulsando tanto as máquinas políticas das grandes cidades e os políticos racistas do Partido Democrata do Sul, dos anos 1970s até o início dos anos 2000s, DSOC e DSA foram dirigidos pelo oficialismo progressista dos sindicatos, pela liderança do movimento por direitos civis e pela ala liberal do Partido Democrata. O DSA era filiado à Socialist International e identificava-se com os partidos social-democratas da Escandinávia que haviam tido sucesso em construir estados de bem-estar com impressionantes programas de saúde, educação e moradia. Durante os anos 1990s estava claro que a estratégia de Harrington havia fracassado, e sem uma clara perspectiva alternativa, um menor e mais fraco DSA se deparou com o século XXI.

Um novo DSA

A campanha de Bernie Sanders com seu apelo a uma “revolução política” e a uma luta contra a “classe bilionária” – e especialmente a própria definição de Sanders como um “socialista democrático” – criou uma tremenda explosão política, especialmente entre os jovens, reavivando o DSA. Os líderes de longa data do DSA, o pequeno quadro de funcionários da organização e os líderes do grupo juvenil do DSA, os Young Democratic Socialists (que se renomearam como os Young Democratic Socialists of America na convenção), aproveitaram a oportunidade e recrutaram milhares de pessoas do movimento de Sanders. Quando Trump venceu a eleição presidencial e tomou posse em janeiro, outros milhares se juntaram ao DSA. São estes ativistas, na maior parte jovens, que elegeram delegados para a convenção – um de cada cinco pessoas era de etnia não-branca, duas de cinco pessoas eram mulheres -, determinados a tornarem-se socialistas e se apropriarem do DSA. Naturalmente, em tal organização, os níveis de envolvimento do movimento, de educação socialista e de experiência política eram altamente desiguais, mas a convenção – graças aos workshops estilo “Socialism 101” – foi muito útil para fornecer uma base comum ao que é praticamente uma nova organização.

Um movimento para a esquerda

Como a maioria das convenções, a do DSA teve sessões plenárias com palestrantes, oficinas educacionais e momentos de caucus1, mas os membros pediram mais tempo para discutir e debater as resoluções. Com tantos membros novos tanto em política de esquerda quanto no procedimento parlamentar, às vezes o encontro foi tedioso, frustrante e mesmo irritante, mas sob a orientação de uma bancada experimentada que combinou paciência com firmeza, foi uma excelente experiência de aprendizado para o grupo. Ao longo de longas horas de debate com pontos de informe e uma miríade de moções, a convenção adotou no final um documento de prioridades nacionais que fez da luta por um programa de saúde ‘single-payer’ 2.

A convenção também aprovou várias emendas constitucionais e resoluções que moveram a organização significativamente para a esquerda. Os delegados:

  •  Votaram por deixar a Socialist International (SI), baseados nos argumentos de que os social-democratas europeus se tornaram executores do neoliberalismo e da austeridade, de que outros partidos-membros ao redor do mundo integravam muitos governos autoritários, e finalmente, que a SI estava se desintegrando.
  •  Votaram por apoiar o movimento Boicote, Desinvestimento, Sanções (BDS) e por se opor aos esforços para criminalizá-lo.
  •  Votaram por instituir um People of Color Caucus.
  •  Votaram por instituir uma Comissão Laboral.
  •  Votaram por um fórum de debate político dentro da organização.

O Partido Democrata e os sindicatos

Os membros do DSA de modo geral se opõem tanto a Trump quanto aos democratas neoliberais. Como eu discuti antes da convenção, eu via a ala progressista do Partido Democrata como a questão central. Duas moções diferentes – eu estava envolvido com ambas – tentaram conseguir que DSA adotasse uma atitude mais crítica em relação ao Partido Democrata e especialmente em relação aos democratas progressistas em grupos como Indivisible, MoveOn.org, e Our Revolution. A moção perdeu, mas recebeu cerca de dois quintos do votos, outro sinal de radicalização crescente do conjunto dos membros do DSA. Uma terceira resolução pedia que o DSA começasse a se transformar em um partido político, apresentada com base em que havia questões legais sobre candidaturas. E, finalmente, uma moção para formular com Bernie Sanders um Partido do Povo também foi derrotada por uma votação esmagadora.

Os ativistas sindicais do DSA impulsionaram a criação de uma comissão laboral. Essa comissão inicia com 350 membros dos sindicatos, enquanto de acordo com um de seus organizadores, há no DSA mais de 1400 de membros de base do sindicato, ou cerca de 6% dos membros totais, baseado em uma extrapolação de um censo de 5000 membros. Houve uma reunião sindical durante a convenção, uma vez que cerca de 20 professores se encontraram para discutir as perspectivas do trabalho sindical de base.

A agenda da convenção, determinada por levantamentos anteriores dos membros e delegados, por recomendações do comitê da convenção e pelos próprios delegados, esteve focada na assistência de saúde e política; como apontado por alguns delegados durante a última sessão, não incluiu a questão crítica da mudança climática . E, como um ativista apontou, não uma moção sobre as questões LGBT. Os membros do DSA, certamente, já estão envolvidos em ambas as questões e, sem dúvida, continuarão a levantá-las nos próximos debates, bem como fazer demandas ao novo National Political Committee (NPC) no futuro.

Quando, num determinado momento, a mesa encaminhou fora de ordem um resolução inoportuna sobre deficiência, um pequeno e curto protesto por parte de um grupo de portadores de deficiência, que gritava “Nada sobre nós sem nós”, levou a uma moção para mudar o encaminhamento e outra para suspender as regras, culminando depois na adoção de uma resolução para acrescentar a linguagem acessível para o caucus de pessoas com deficiência às resoluções prioritárias.

Houve momentos de enorme entusiasmo. Não somente o DSA rompeu com a Socialist International, mas também fez movimentos simbólicos para se identificar com os partidos amplos de esquerda na Europa e na América Latina. No banquete realizado na noite de sábado, os delegados do DSA aplaudiram fortemente os porta-vozes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) do Brasil, do France Insoumise, do Podemos da Espanha, do Bloco de Esquerda (BE) de Portugal, e o Partido Trabalhista britânico. O representante do Partido Trabalhista teve dificuldades para falar em cima dos desenfreados cânticos de “O Jeremy Corbyn.”

Eleição de uma Nova Direção

Houve 42 candidatos para os 16 assentos no Comitê Político Nacional do DSA. O estatuto do DSA especifica que “dos membros eleitos, ao menos oito deverão ser mulheres e ao menos quatro deverão ser membros de minorias nacionais ou raciais”. (Uma moção para expandir o comitê para 24 cadeiras foi rejeitada na sexta-feira).

No decorrer da maior parte de sua história, o DSA não teve um histórico de caucus, mas essa convenção foi diferente. Entrando na convenção, houve uma declaração intitulada “Unidade e Diversidade”, assinada por vários membros do DSA que, se não era exatamente um caucus, representava uma tentativa de alguns membros mais antigos de se juntar a membros mais jovens ao redor da reafirmação da concepção de “grande tenda” do DSA. Um grupo de jovens membros do DSA – que haviam sido amigos anos atrás na juventude do DSA – criaram a plataforma de esquerda Momentum que enfatizava a perspectiva dos trabalhos de base nos sindicatos e a campanha de Medicare para todos. Houve também a plataforma Praxis, que defendia um treinamento estilo ONG, combinado com uma ênfase no localismo. A maioria dos candidatos concorreu como indivíduos, muitos com pouca ou nenhuma plataforma política. Eu concorri advogando uma atitude mais crítica em relação aos democratas progressistas, que eu defendi como a questão central a ser enfrentada pelo DSA.

No fim, a convenção elegeu seis delegados do Momentum e outro independente próximo ao Momentum, cinco delegados da Praxis e quatro membros da antiga equipe de dirigentes do DSA. Eu não estive entre esses eleitos. (Os resultados podem ser encontrados aqui onde os nomes dos candidatos vencedores são colocados em negrito).

A nova equipe de direção encabeçará a maior organização socialista dos Estados Unidos desde o Partido Comunista dos anos 1940s e o Partido Socialista do início dos anos 1900. Os desafios são muitos, sobretudo o governo Trump e os democratas neoliberais, mas as oportunidades também são grandes. Desenvolvimentos futuros – as eleições de 2018, uma possível desaceleração econômica, um giro para um governo ainda mais autoritário – irá testar o DSA. Se estiver à altura destes desafios, o DSA estabelecerá as fundações para o primeiro partido socialista realmente de massas do século XXI na América.

A convenção terminou com o hino da “Internationale.” Eu fui destacado para ser um dos que puxaram o cântico do hino dos trabalhadores. A camarada do Bloco de Esquerda português virou para mim e me disse: “isso é simplesmente muito emocionante, você está ensinando a eles a Internationale!”. E nós dois sabíamos o que ela queria dizer – nós estamos ajudando uma nova geração de socialistas na América a se revelar.

8 de agosto de 2017.

(Artigo originalmente publicado no blog New Politics. Tradução de Charles Rosa)


Notas do tradutor

Votação de delegados

Sistema em que o estado, financiado por taxas, cobre os custos básicos de assistência de saúde para todos os habitantes independente de renda, ocupação ou condição de saúde] um objetivo nacional


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 12 nov 2024

A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!

Governo atrasa anúncio dos novos cortes enquanto cresce mobilização contra o ajuste fiscal e pelo fim da escala 6x1
A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi