Após Charlottesville, repetimos: nenhuma trégua contra o imperialismo e o fascismo
Nossa tarefa — das organizações partidárias, dos trabalhadores e da juventude — é somar forças para derrotar o imperialismo e o fascismo, contra qualquer intervenção militar no continente e em defesa da soberania da Venezuela.
Os acontecimentos de Charlottesville colocaram a polarização contra a extrema-direita no centro da conjuntura mundial. Um grupo de neonazistas, sob a bandeira da “supremacia branca”, realizou uma marcha sobre a cidade do estado da Virgínia. “Unir a direita”: esta foi a consigna empunhada pelos neonazis de todo tipo, com a Ku Klux Klan à cabeça, liderados por nomes como Richard Spencer e David Duke. Foi uma manifestação planejada com meses de antecedência. Personagens importantes da extrema-direita encabeçavam a marcha da sexta-feira, com tochas em punho e gritando palavras-de-ordem contra negros, judeus, LGBTs e militantes de esquerda em geral. A marcha tinha como objetivo central protestar contra a retirada da estátua do general Robert E. Lee, chefe militar do sul escravocrata, na trincheira dos Estados Confederados, em combate contra o norte abolicionista ao longo da Guerra Civil Americana (1861-1865).
O palco dos conflitos foi o parque onde fica a estátua, que originalmente recebeu o mesmo nome do general, mas foi rebatizado de “Parque da Emancipação”. Três pessoas morreram em Charlottesville. O crime mais brutal foi o assassinato de Hearter Heyer pelo extremista de direita James Alex Fieldes. Com uma investida fatal de seu automóvel, o assassino atropelou dezenas de manifestantes, vitimando Hearter Heyer, uma conhecida militante de esquerda, advogada popular e apoiadora de Sanders. Heyer tinha 32 anos, morreu combatendo o fascismo, marchava na coluna do IWW e pode ser considerada uma mártir da luta pelos direitos e contra a direita americana. Dois policiais também morreram após a queda de um helicóptero. Os eventos de Charlottesville foram um ponto de inflexão para armar a resistência aos novos setores fascistas que se encorajaram para levantar cabeça.
A responsabilidade de Trump
A primeira responsabilidade pela ousadia da extrema-direita é diretamente de Donald Trump. Sua vitória eleitoral teve um forte conteúdo nacionalista, apoiando-se em setores médios atrasados e nos bolsões da classe trabalhadora penalizada pelo desemprego. Seu lema “Fazer a América grande outra vez” é o mesmo de diferentes agrupamentos da extrema-direita. Steve Bannon, atualmente um dos principais estrategistas da Casa Branca, é um dos nomes da “Alt-Rigth”, a chamada “direita alternativa”, que nada mais é do que a nova articulação da extrema-direita que une fascistas, supremacistas brancos, homofóbicos, antissemitas e todo tipo de reacionário radical. Como editor do site BreitBart News, Bannon deu visibilidade e organizou as posições de extrema-direita no bojo do crescimento eleitoral de Trump. No decorrer de mais de seis meses de mandato, Trump foi incentivando posições racistas, sexistas e xenófobas a cada novo post no Twitter.
As posições de Trump sobre Charlottesville aprofundam a sua responsabilidade diante dos crimes de ódio. Sua primeira reação foi culpabilizar “os dois lados” pelos “excessos”, preocupado em não emitir nenhuma condenação aos grupos fascistas. Depois de muita pressão da opinião pública, Trump tuitou, 48 horas mais tarde, uma declaração contrária aos supremacistas. A demora causou a demissão de diversos executivos que eram parte de seu “conselho de empresários”, entre eles os CEOs da Merck, Intel, Aliance of American Manufacturing e Under Armour. A principal central sindical do país, a burocrática e poderosa AFL/CIO, também se desligou do conselho em repúdio à morte de Heater.
Trump novamente surpreendeu o mundo, ao retificar sua condenação aos fascistas, reforçando que a culpa era de “ambas as partes”. Pegou duro também contra a esquerda, responsabilizando os “radicais” pela violência na manifestação. Chegou a comparar a estátua de Lee com George Washington. Imediatamente, David Duke saiu em apoio a Trump, agradecendo suas palavras e coragem para dizer a “verdade” sobre Charlestonville.
A popularidade de Trump chegou ao seu ponto mais baixo. Com apenas 34% de avaliação positiva, o que é um índice bastante negativo comparado ao histórico do país, Trump inscreve-se num patamar apenas comparado a mandatários que estavam em tempos de recessão ou guerra.
A polarização nos Estados Unidos tem trazido grandes enfrentamentos nas ruas. Como forma de resistência ao racismo, civil e institucional, o movimento Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”) entrou com força na cena política e social. O DSA, que esteve com Jabari Brisport (candidato a vereador da cidade de Nova York) transmitindo ao vivo o processo de Charlottesville, também cumpriu um papel fundamental ao rapidamente encabeçar uma resposta, convocando marchas que reuniram centenas de manifestantes nas principais cidades do país ao longo desta semana. Novas iniciativas estão sendo organizadas e devem seguir agitando o cenário político nos próximos dias. Por tudo isso, é importante sublinhar que, embora Trump seja presidente e a polarização apareça com força nas ruas, as posições fascistas são minoritárias nos Estados Unidos. A política do DSA, da ISO e do IWW, que enfrentaram os fascistas em Charlottesville, é o melhor caminho para que a extrema-direita não possa avançar.
É preciso esmagar o fascismo
Como produto da crise do capitalismo que estamos vivendo desde 2007/08, o crescimento de posições fascistas deve nos alertar. O fascismo é, como disse Trotsky, a organização do partido da desesperança, pelo qual a pequena-burguesia utiliza e recruta elementos desmoralizados de setores pauperizados em busca de maior militarização de suas ações. O fascismo não é qualquer fenômeno por voltar-se contra a classe trabalhadora e suas organizações. No caso dos Estados Unidos, o fascismo tem uma característica intensa de supremacia racial. Nesse caso, vale a citação de Mandel sobre o fascismo, em Teoria do fascismo em Leon Trotsky:
“O ascenso do fascismo é a expressão da grave crise social do capitalismo em idade madura, de uma crise estrutural, que, como nos anos 1929-1933, pode coincidir com uma crise econômica clássica de superprodução, mas vai muito além de uma oscilação da conjuntura. Trata-se fundamentalmente de uma crise de reprodução do capital, ou seja, da incapacidade de prosseguir uma acumulação ‘natural’ do capital, dada a concorrência ao nível do mercado mundial (nível existente dos salários reais e da produtividade do trabalho, acesso às matérias-primas e aos mercados). A função histórica da tomada do poder pelos fascistas consiste em alterar pela força e violência as condições de reprodução do capital em favor dos grupos decisivos do capitalismo monopolista”.
No caso estadunidense, temos a ponta mais avançada desse fenômeno, que se combina com correntes políticas legais com peso de massas, que apresentam características semi-fascistas, ainda que não possam ser completamente definidas como UKIP na Inglaterra e FN na França.
No Brasil, a extrema-direita, busca se fortalecer, em sua organização e na disputa de ideias, com Jair Bolsonaro como porta-voz. Vários grupos que defendem a intervenção militar buscam identificação com Trump e seus aliados no outro polo do continente. Com níveis de polarização crescentes, é preciso combater sem tréguas o fascismo. Enfrentá-los nas ruas, como foi feito pela esquerda, pelo BLM e por todos que estiveram em Charlottesville.
O melhor método para fazê-lo é construir o isolamento das posições fascistas, amparados em mobilizações de massa da sociedade, dialogando com o conjunto da população. E, no terreno das ideias, demonstrar que as posições intolerantes da extrema-direita têm como alvo os negros, as mulheres, os LGBTS, os imigrantes, e no caso brasileiro, muitas vezes, os nordestinos.
A frente única entre distintos movimentos sociais é uma tarefa de primeira hora para derrotar e esmagar o fascismo. Nos Estados Unidos, a luta que une os setores antifascistas e o BLM cria condições para derrotar e isolar as tentativas de agressão por parte dos fascistas.
Barrar a ofensiva Trump contra os povos
Na esteira do “despertar” da extrema-direita, o giro reacionário de Trump encontra correspondência na política externa. Depois de amargar derrotas importantes em seu próprio quintal, como a retirada de seu projeto de reformas no sistema de saúde, Trump mira contra os imigrantes e os povos do mundo. Sua linha tem sido cada vez mais agressiva contra a Coreia do Norte e a Venezuela.
Em sua disputa contra o regime autoritário de Pyongyang, o incendiário da Casa Branca quer medir forças numa tensão nuclear em torno das ilhas Guam. Para além das bravatas, a escalada de sua estratégia torna-se cada vez mais perigosa. Depois de uma relação ruidosa com a Rússia, sobre a qual até hoje pairam controvérsias a respeito das relações comerciais e políticas de Trump com o staff de Putin.
No terreno latino-americano, Trump apresentou sua disposição de enfrentar Maduro por “todos os meios”, não descartando a hipótese de uma intervenção militar. Diante dessa declaração, ainda que não seja o cenário mais provável, devemos nos colocar contra qualquer tipo de ingerência imperialista na Venezuela, sem emprestar apoio político ao governo de Maduro. O vice-presidente Mike Pence realiza uma temporada de visitas aos países sul-americanos, numa clara advertência para os nossos vizinhos. Ao mesmo tempo, a condenação de Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, a uma intervenção militar estadunidense na Venezuela mostra que a burguesia latino-americana tem rejeitado tal hipótese.
Construir a solidariedade sem fronteiras
O ataque de Charlottesville teve desdobramentos importantes: foram identificados vários neonazistas por meio das redes sociais numa campanha articulada pelos movimentos sociais, gerando punições para os mesmos. Também o movimento pela retiradas das estátuas de líderes racistas e segregacionistas cresce nos Estados Unidos. Isso é fruto de uma polarização sem precedentes na situação política do país. No campo da direita, aparecem grupos como KKK e toda a constelação da “Alt-Rigth”. No campo da esquerda, como continuidade do fenômeno Sanders, o florescimento das ideias socialistas. O recente congresso do DSA foi uma expressão deste novo pulsar. Vários ativistas do DSA, ao lado dos da IWW e do ISO, estavam, como já dito, à frente da resistência contra os nazis na Virgínia. A nota da executiva nacional do PSOL apontou corretamente:
“Organizações como DSA, ISO, IWW, BLM, entre outras, foram a linha de frente do combate e um exemplo da unidade da esquerda para barrar o crescimento da reação fascista. Infelizmente uma jovem de 32 anos foi violentamente atropelada e dezenas de manifestantes ficaram feridos. Expressamos nossa total solidariedade aos camaradas diante deste brutal acontecimento. Apenas com unidade na luta poderemos derrotar o racismo e o nazismo e o sistema capitalista que os reproduz.”
Nossa tarefa — das organizações partidárias, dos trabalhadores e da juventude — é somar forças para derrotar o imperialismo e o fascismo, contra qualquer intervenção militar no continente e em defesa da soberania da Venezuela.