O interminável realismo socialista

O último filme do diretor polonês Andrzej Wajda, Afterimage, estreou no Brasil. Leia sobre a trama que põe em cena um artista de vanguarda ante o stalinismo no país.

François Albera 26 ago 2017, 15:44

O último filme de Andrzej Wajda, Powidoki (“Imagens remanescentes”, ou “Afterimage” em português) foi consagrado aos últimos anos do artista de vanguarda polonês Wladyslaw Srrzeminski na cidade de Lodz (1948-1952), em luta contra a imposição do realismo socialista o qual ele se refusa a se curvar. A história é pungente e põe em combate um artista intransigente, incorruptível e autoridades brutais e covardes. Por ter afrontado publicamente o ministro da cultura que explicava a nova função da arte e ter declarado acreditar apenas nele mesmo, preocupado antes de tudo em terminar sua “Teoria da visão”, fundada em imagens remanescentes – aquelas que se “vê” quando se fecham os olhos -, o artista perde seu cargo de professor e é excluído da União dos artistas plásticos. Adoecido com tuberculose, seus dias estão a partir de agora contados. No momento em que um de seus antigos estudantes consegue encontrar para ele um emprego de vendedor, ele acaba morrendo em frente a uma vitrine ao meio de manequins risonhos. Ele mesmo, para quem o ministro tinha declarado que o que de melhor poderia lhe acontecer seria ser atropelado por um bonde.

Esse enfrentamento entre o artista e o poder é retratado por Wajda no crescendo trágico de uma perseguição que progride a partir de “momentos” sucessivos, cada um característico de um aspecto da coerção ideológica, política e humana imposta pelo regime depois da expulsão de Wladyslaw Gomulka da direção do Partido dos Trabalhadores Polacos, substituído então por Boleslaw Bierut.

Contudo, essa figura clássica de artista perseguido corresponde apenas parcialmente à Strzeminski e não recompõe muito bem quais eram seus engajamentos estéticos e sociais. Com Katarzyna Kobro, sua esposa, ele se forma na União Soviética dos anos 1918-1924 tendo ao redor nomes como os de Masimir Malévitch e Vladimir Tatlin. Ele funda um movimento construtivista na Polônia do pré-guerra no qual os princípios visavam dar corpo aos objetos, às vestimentas, à arquitetura e à tipografia a partir de uma reflexão sobre o espaço e a transformação da vida cotidiana.

É evidente que a estética da celebração, os retratos de dirigentes e a imagem revolucionária que o realismo socialista instaura se situam bem aquém deste engajamento “neo-plasticista”, que visa organizar o conjunto do espaço social. A oposição que ele encarna depois de 1948 repete assim o enfrentamento das vanguardas dos anos 20 contra o progressivo amordaçamento do poder soviético. A partir da liberação do país, alinhado ao movimento “a.r.” (artistas revolucionários) o qual ele tinha participado nos anos de 1930, Strzeminnski não cessaria de propor a sua versão da função do artista. Na Escola Superior de Artes que ele funda em Lódz, em oposição à Escola de Belas Artes, ele fica à frente do departamento de artes do espaço que se situa ao lado do design e da arquitetura.

Em 1947, ele publica Lódz Funcionalista, programa urbano de reestruturação da cidade sobre bases planificadoras de propriedade coletiva do solo e de higiene (luz do sol, espaços verdes); ele concebe pavilhões de exposição de produtos industriais. Ele também propõem a “sua” versão do realismo como alternativa ao realismo socialista com algumas séries de desenhos e de colagens (“Aos judeus meus amigos”, “Trabalhadores do têxtil”); ele publica “O homem e a máquina. O enfrentamento entre o homem solitário – já que a intimidação impõe que a maior parte de seus amigos e admiradores ou os dê as costas ou que se submetam a ele – e as autoridades, vai bem mais longe que a de um refratário: é aquele de dois sistemas de pensamento e de visão totalizantes (se não “totalitárias”).

O filme é uma performance do autor Boguslaw Linda que encarna Strzeminski, perneta desde a primeira guerra mundial, com uma energia notável e força interior. Contudo, ao desenvolver um discurso narrativo demonstrativo sobre uma estética naturalista, Wajda acaba por entregar uma caricatura. Não é uma imagem que coloca em cena a “ditadura” e a “resistência”, como nos filmes do realismo socialista. Este Wajda, como “O homem de mármore”, utiliza assim de modo ambíguo o sistema de representação que ele espera denunciar.

(Artigo originalmente publicado no Le Monde Diplomatique. Tradução de Pedro Micussi.)


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