E. P. Thompson por Hobsbawm

No aniversário da morte do historiador marxista inglês E. P. Thompson publicamos o seu obituário escrito pelo seu colega de ofício E. J. Hobsbawm.

Eric Hobsbawm 28 ago 2017, 12:49

Edward P. Thompson, socialista, poeta, ativista, orador, escritor – no seu tempo – da melhor prosa polêmica deste século, e historiador, provavelmente gostaria de ser lembrado pelo último desses itens. E, de fato, quando várias das campanhas que encampou tiverem sido esquecidas, A formação da classe operária inglesa e muitas de suas demais obras serão lidas com a mesma admiração e entusiasmo.

Tanto como historiador quanto como na vida pública, Edward Thompson elevou-se como um foguete espacial. A formação, publicado em 1963 e escrito por um professor de educação de adultos praticamente desconhecido fora dos círculos restritos da velha e da nova intelectualidade de esquerda, foi instantaneamente reconhecido como um clássico e se tornou o mais influente livro de história entre os radicais anglo-saxões dos anos 1960 e 1970. E não apenas entre os radicais. Na década de 1980, Thompson foi o historiador do século XX mais recorrentemente citado, de acordo com o Arts and Humanities Citations Index, e um dos 250 autores citados com mais frequência em todos os tempos. Quando ele se envolveu nas campanhas pelo desarmamento nuclear nos anos 1980, ele quase instantaneamente alcançou algo como o lugar ocupado, em uma fase anterior do movimento, por Bertrand Russell. Porém, não fosse o isolamento da pequena esquerda marxista, o dom de Thompson para a proeminência teria sido reconhecido anteriormente. Em 1956, ele tinha sido (junto com John Saville) o primeiro líder de oposição pública ao stalinismo dentro do Partido Comunista, do qual ele era há muito tempo um membro dedicado.

As fadas que vieram ao seu berço – se a metáfora é correta para o filho de missionários metodistas anglo-americanos de alto nível, liberais e anti-imperialistas uma vida inteira – trouxeram muitos dons: um poderoso intelecto aliado à intuição de um poeta, eloquência, gentileza, charme, presença, uma voz maravilhosa, boa aparência dramática que se tornou mais grisalha e áspera com a idade, e carisma ou qualidade de estrela aos montes.

A única coisa que elas lhe negaram foi a capacidade de sub editar a si mesmo – ele invariavelmente escreveu mais do que pretendia – e planejar sua vida profissional (exceto por ter se casado com sua parceira e colega historiadora Dorothy ainda jovem). Ele seguiu um curso móvel e intuitivo, movendo-se com os ventos e correntes da experiência privada e pública, ou uma combinação das duas. Deste modo, o trabalho em história de Thompson foi interrompido pelo seu sentimento de isolamento, como um homem de esquerda, das várias “novas esquerdas” dos anos 1960 e 1970 e, novamente, pelos seus anos como ativista antinuclear. Recorrentemente, ele pareceu abrir mão de algum curso de pesquisa enormemente promissor para ir atrás de outra presa intelectual. Seu trabalho sobre a história social da Grã-Bretanha pré-industrial, que ele começou a transformar através de algumas monografias aprofundadas no começo dos anos 1970 gerou o livro Costumes em Comum (1991), publicada em edição de bolso pela Penguin nas últimas semanas de sua vida. Seu livro sobre William Blake (o qual, junto com Vico, Marx e William Morris, ele via como seu antecedente) deve ser publicado em um futuro próximo.

Conforme ele envelheceu, as fronteiras entre história geral e autobiografia se tornaram mais tênues, de modo que às vezes foi tentado a se afastar para investigar algum aspecto da família Thompson. Ele se sabia fortemente marcado por suas origens. Em especial sua relação em vida e póstuma com seu irmão mais velho Frank, supostamente mais brilhante e certamente mais favorecido, que o precedeu no Partido Comunista e foi morto aos 21 anos enquanto trabalhava no Executivo de Operações Especiais na Bulgária, onde ganhou um modesto reconhecimento como herói do povo búlgaro. Tradição e lealdade, dentro e fora da família, eram importantes para Edward Thompson.

Cada vez mais ele escreveu sobre história ou qualquer outra coisa na persona de um tradicional cavalheiro rural inglês (não britânico) da esquerda radical. Esse papel, embora pouco convincente, caiu bem com a sua profunda imersão na história do seu povo e sua constituição, e a paixão de sua ligação ao homem e à mulher do passado o qual ele tanto fez, em sua magnífica frase, “resgatar… da enorme condescendência da posteridade”.

O primeiro grande trabalho de Thompson foi a biografia de William Morris (1955, edição revista 1977). Suas publicações sobre história mais importantes depois de A formação da classe operária inglesa, principalmente publicadas nos anos 1970, se concentram no século XVIII. Senhores e caçadores e Albion’s Fatal Tree (do qual era coautor) saíram como livro, assim como a coletânea dos seus brilhantes e enormemente influentes artigos, em uma versão alemã. (Uma versão mais elaborada em inglês saiu em Costumes em Comum). Sua influência internacional aumentou depois de 1969, quando ele se juntou ao corpo editorial da publicação Past and Present, e começou a participar de mesas-redondas internacionais de história social organizadas (em grande parte ao redor dele) sob os auspícios da Maison des Sciences de l’Homme em Paris. Seu principal trabalho teórico, A miséria da teoria, construído em torno de críticas tanto da última obra de Louis Althusser (então muito influente) e algumas teses apresentadas por Anderson e Nairn na Nem Left Review, veio à tona em 1978.

A obra de Thompson combinou paixão e intelecto, os dons do poeta, do narrador e do analista. Ele foi o único historiador que eu conheci que tinha não apenas talento, brilho, erudição e o dom de escrever, mas a capacidade de produzir algo qualitativamente diferente do resto de nós, não para ser medido na mesma escala. Deixe-nos simplesmente chamar isso de gênio, no sentido tradicional da palavra. Nenhuma de suas obras maduras poderia ter sido escrito por outra pessoa. Seus admiradores o perdoam muito por isso, incluindo seu ânimo flutuante, uma relação incerta com organizações e homens de organização, e uma ocasional imprecisão nas incursões de seu poderoso e imaginativo intelecto na teoria. Seus amigos o perdoam por tudo.

Após romper com o Partido Comunista em 1956, ele permaneceu, essencialmente, um lobo solitário da esquerda, e um que obteve algum conforto por não usar os crachás do sistema, alguns dos quais eram injustamente negados a ele. Ele brevemente lecionou em uma universidade britânica, mas após isso viveu como um estudioso livre, ocasionalmente lecionando em universidades no exterior, escrevendo sobre história, teoria, polêmica política, sem mencionar poesia e, pelo menos, uma novela de ficção científica, The Sykaos Paper (1988), e, quando não estava envolvido com o ativismo, jardinando em Worcestershire. Ele morreu após uma longa doença. Igualmente memorável como escritor, homem público e privado, deixou uma profunda marca em todos que o conheceram e muitos dos quais o leram.

Sua morte os deixa desolados. A perda para a vida intelectual, história e a esquerda britânica ainda não pode ser calculada.

(Artigo originalmente publicado no jornal britânico The Independent. Tradução de Marcelo Martino.)


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