A redução da maioridade penal
Antes de pensar em reduzir a maioridade penal, cabe a pergunta: que tal aumentar as responsabilidades do Estado?
A atual legislatura da Câmara dos Deputados tem trazido de maneira recorrente ao debate a redução ou não da maioridade penal atual, de 18 para 16 anos, como medida para se reduzir a violência. Nos últimos anos uma proposta nesse sentido já foi rejeitada pelo Congresso (uma proposta de decreto legislativo resgatada pelo Deputado Efraim Filho, do DEM) e em breve outra proposta nesse sentido deve voltar à discussão no Senado. Um dos argumentos em que se baseiam as propostas nesse sentido seria o fato de que os jovens, por terem maior acesso à informação, estariam atingindo a maturidade mais cedo. Mas quem realmente estará mal informado nessa discussão?
Até hoje, 54 países reduziram a maioridade penal com o intuito de tentarem reduzir a violência. Nenhum deles teve sucesso. Dois países inclusive voltaram atrás na decisão, percebendo que não houve qualquer efeito (no caso, Alemanha e Espanha). Ademais, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima. Ou seja, não somos exceção neste quesito, estamos dentro do padrão mundial recomendado pelas organizações internacionais (sugerimos os relatórios “International Criminal Justice and Children”, de 2002, e “Porque dizer não à redução da idade penal”, de 2007, ambos do UNICEF, que descrevem dados globais sobre a temática).
Em se tratando do Brasil, a Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça estima que os menores de 16 a 18 anos são responsáveis por apenas 0,9% do total dos crimes praticados no Brasil. Se considerados apenas homicídios e tentativas de homicídio, o percentual cai para 0,5%. Em se tratando da cidade de São Paulo (considerada violenta por muitos), dos 3.233 assassinatos ocorridos no ano de 2005, 98,1% (3.172) foram de autoria de adultos, e 1,9% (61) de responsabilidade de menores. Ou seja, apesar de todo sensacionalismo midiático em torno de crimes cometidos por menores de idade eles são muito mais a exceção do que a regra, representando uma porcentagem relativamente pequena da quantidade total dos crimes.
Assim, ao contrário do que afirmam parlamentares conservadores e apresentadores de televisão vespertinos, os números acima demonstram que a redução da maioridade penal não trará mais segurança à população e nem tampouco coibirá o aliciamento de menores por criminosos. Muito pelo contrário, colocará dentro de um sistema penitenciário já reconhecidamente falido uma quantidade maior de jovens, distanciando o Brasil de um debate mais sério sobre o assunto. Ademais, a tradicional objeção à redução da maioridade penal segue vigente: com a redução da maioridade penal para 16 anos, o que se fará com eventuais crimes cometidos por jovens que não completaram esta idade? Será proposta então a redução para 14 ou 12 anos?
Para transformamos a cruel realidade brasileira, com índices de homicídio entre os maiores do mundo (comparáveis a países que se encontram em Guerra Civil), é preciso ter coragem para propor medidas mais profundas e nos afastarmos dos “achismos” que cercam o assunto. É necessário a adoção de um novo modelo de polícia no país, que seja desmilitarizada, unificada, bem paga e treinada em Direitos Humanos (tal como em muitos dos ditos “países desenvolvidos”), ao mesmo tempo em que a sociedade precisa de uma vez por todas terminar com a reconhecidamente fracassada política de “guerra às drogas”, que não tem causado qualquer dano ao grande narcotráfico e tem trazido apenas dor e mortes para as periferias das grandes cidades. É fundamental abrir o debate sobre a legalização das drogas, seguindo bem sucedidos exemplos internacionais (como nosso vizinho Uruguai) e baseados em consensos científicos, para que o Estado regulamente e controle a circulação destas substâncias. Por último, antes de pensar em reduzir a maioridade penal, cabe a pergunta: que tal aumentar as responsabilidades do Estado em garantir educação, cultura, esporte e lazer para milhões de jovens sem oportunidade em nosso país?