Brasil: David Miranda, o opositor radical a Temer

O jornal francês Libération entrevista David Miranda, vereador do PSOL que se notabilizou pelo trabalho de divulgação, com seu marido Glenn Greenwald, das revelações de Edward Snowden.

David Miranda e Léo Ruiz 4 set 2017, 23:43

Primeiro LGBT eleito à Câmara municipal do Rio, o marido de Glenn Greenwald, saído das favelas e próximo de Snowden, é uma das novas figuras da oposição ao presidente brasileiro.

Ele não esquece nenhuma data. E muito menos o 19 de fevereiro de 2005. Na praia de Ipanema, um balão mal controlado termina sua trajetória em cima de um turista americano. “E então, amor à primeira vista”, sorri David Miranda, direto de seu escritório no 7º andar da Câmara do Rio. “Um mês mais tarde, começamos a morar juntos e minha vida mudou completamente”. Desde o final de 2016, o marido de Glenn Greenwald – jornalista escolhido por Edward Snowden para revelar ao mundo inteiro os documentos de espionagem da NSA – é o primeiro LGBT eleito pela municipalidade carioca.

Mais uma etapa de seu engajamento político, iniciado em 2010. “Já em um grupo LGBT, na PUC (Pontifícia Universidade Católica)”, ele explica. “Glenn tinha um blog que começava a fazer barulho e eu queria administrar toda a parte do marketing. Para completar minha auto-formação, eu cursei algumas matérias relacionadas na faculdade. Eu nem sequer sabia fazer um PowerPoint. Então eu trabalhei 24 horas e minha média passou em um ano de 4/10 para 9/10.” Um desempenho verossímil para quem nasceu de um pai desconhecido e uma mãe prostituta, falecida quando ele tinha 5 anos. David Miranda devora os livros (“De neurociência ao espiritualismo, passando pelos romances de amor”) e atravessa os Estados Unidos com Greenwald. Ele havia escolhido essa nova vida de fato há muitos anos, deixando aos 13 anos o Jacarezinho, sua favela ao norte do Rio, “para descobrir o mundo”.

Sempre o mesmo

Ele percorreu as favela ao longo de toda a campanha municipal, durante a qual Snowden e Noam Chomsky pediram votos para ele. “É nessas áreas desertas, onde os evangélicos fazem seu mercado, que nós devemos ir e educar politicamente” diz Miranda. “Quando você consegue falar com os jovens, eles se convertem em uma poderosa fonte de informação para os demais”. No atual caos – os funcionários públicos estão há meses sem receber –, o jovem de 32 anos está preocupado com a violência policial, “que em nome desse estado de ‘guerra’ executa sempre os mesmos: os jovens negros”. Ele próprio fundou a Casa da Juventude na Pedra do Sal, berço do samba e um local histórico de expressão da cultura negra do Rio.

Em abril, ele organizou um “Acampamento Internacional nas Juventudes em Luta”, com a presença de militantes do Black Lives Matter e uma video-conferência com Snowden. Para o casal Miranda-Greenwald, a vida se acelerou a partir dos primeiros e-mails do ex-agente da NSA, recebidos no final de 2012. “No começo, Glenn não os levou a sério”, recorda. “Foi com a ajuda de Laura Poitras que ele aprendeu a decifrá-los, e o entusiasmo o invadiu. Eu estava com medo. Eu sabia do que o governo americano era capaz. Desde então, temos aprendido a viver sob um estresse permanente”. Quedas de energia em casa, documentos de identidade bloqueados. “Fui a uma agência retirar o dinheiro enviado para a mãe do Glenn e meu número de identidade foi subitamente invalidado. Eu me tranquei em casa, eu só queria que eles não matassem meus cães”.

Plutocracia brasileira

Em agosto de 2013, Miranda foi interrogado durante 9 horas pelas autoridades britânicas de Londres. “Eu estava voltando da casa de Laura para Berlim, para continuar a seleção de documentos do Edward. Eles me levaram para uma pequena sala. Havia um relógio com as horas das preces islâmicas. Eles não podiam me manter por mais do que nove horas, então eu devolvi todas as perguntas para ganhar tempo”. Uma vez liberado, ele gritou no aeroporto e ameaçou fazer um escândalo na mídia britânica, antes de ser colocado no primeiro avião para o Rio.

Em sua luta por democracias transparentes, ele é eleito pelo PSOL (extrema-esquerda) que o leva para a rua, na linha de frente das manifestações contra o governo “ilegítimo” de Michel Temer, e no município, onde ele é o opositor número um de Marcelo Crivella, prefeito evangélico “eleito graças aos acordos com toda a classe política corrupta do Rio”. “O papel do vereador é fiscalizar e cobrar a prestação de contas”, ele afirma.

Assim, ele revira as despesas públicas e comissionados do novo governo municipal, para depois publicar tudo em suas redes sociais. “Estamos em plena crise econômica e o Município gasta 51 milhões de reais (13,8 milhões de euros) para publicar o jornal da Câmara. Isso é ridículo! Nós também denunciamos a nomeação por Crivella de Paulo César Amêndola, capitão da polícia militar durante a ditadura, para o posto de secretário da ordem pública. E estamos apenas no começo”. De acordo com Miranda, o Brasil é refém da “plutocracia brasileira, que não ganhava nas urnas há quinze anos e que agora trata de retornar pela força”. Entretanto, ao retornar de uma nova manifestação em Brasília, ele advertiu: “O povo está em pleno despertar político e não pode mais ser manipulado como antes. Há esperança para as eleições presidenciais de 2018”.

(Originalmente publicado no Libération em 4/09/2017. Tradução de Charles Rosa.)


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